— Dietrich Bonhoeffer (1906-1945)
Dietrich Bonhoeffer foi um teólogo, pastor e um membro importante da resistência contra o nazismo na Alemanha de Hitler. Além de seus textos sobre teologia, ele ficou conhecido por sua resistência contra a ditadura nazista, ao programa de eutanásia de Adolf Hitler e perseguição aos judeus, ciganos, comunistas e outros grupos. Bonhoeffer testemunhou a ascenção de ideias malignas, propostas pelo regime nazista, e como elas foram aceitas de forma estúpida pela sociedade alemã, que estava pouco interessada nos destino daqueles que foram prejudicados pelo regime. Ele foi preso em abril de 1943 pela Gestapo, mais tarde acusado de ter participado de um complô para assassinar Hitler. Julgado com outros conspiradores ele foi enforcado em 9 de abril de 1945, quando o regime nazista começava a colapsar. Muito do que Dietrich Bonhoeffer propôs para explicar e combater o alto nível de intolerância e obscutantismo dos alemães que deram sustentação ao regime autoritário nazista é útil para entender o que está acontecendo no campo cultural, social e político no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Segundo Bonhoeffer, estupidez é diferente da canalhice e da maldade. Ela não é uma falha no caráter, nem uma suspensão momentânea da razão. Pelo contrário, ela é uma parte da psicologia bem definida, construída progressivamente por meio do acesso deficiente à informação de qualidade, e estimulada pelo funcionamento heurístico da mente humana. O estúpido atribui veracidade à ideia mais inverossímil, à conspiração mais ridícula e à proclamação mais perigosa. E esse fenômeno é frequentemente visto nas redes sociais. O grande problema está em que vozes irracionais são contagiosas, viralizam e se espalham na sociedade que, eventualmente e com algum atraso, descobre com perplexidade como a ignorância é mais ameaçadora do que a própria maldade.
O que é Comportamento Heurístico
“Comportamento heurístico da mente humana” é a expressão usada para se referir ao uso de atalhos mentais usados pelos indivíduos na tomada de decisões rápidas , para a solução de problemas de modo eficiente. Esse comportamento faz parte da mente e cognição humanos normais, frequentemente empregados na solução de situações complexas, ou dadas informações incompletas, que exigem resposta imediata. Embora eles sejam eficazes para reduzir a carga cognitiva, liberando recursos mentais, eles também podem levar a vieses cognitivos e erros graves de julgamento.
O economista e psicólogo cognitivo Herbert A. Simon foi o responsável pela introdução do conceito de heurística, na década de 1950. Ele sugeriu que a racionalidade usada na tomada de decisões pode ser muito limitada, por diversos fatores. Na década de 1970, os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman ampliaram esse campo de estudo com suas pesquisas sobre viéses de cognição, introduzindo os modelos heurísticos específicos, uma área de estudos que vem sendo ampliada até hoje. Enquanto alguns argumentam que a preguiça pura está por trás do processo heurístico, isso poderia ser apenas uma explicação simplificada para o motivo pelo qual as pessoas não agem da maneira que esperávamos.
São alguns tipos comuns de heurísticas:
- Heurística de disponibilidade, que consiste em fazer julgamentos baseados em exemplos vêm à mente com maior facilidade. Por exemplo, as pessoas tendem a superestimar o risco de acidentes com aviões porque tais eventos são impressionates, ficam gravados na memória e são fáceis de lembrar.
- Heurística representativa, que leva as pessoas a julgar a probabilidade de um evento tomando como base a semelhança que eles têm com outros eventos populares e estereotipados. Por exemplo, existe a tendência a julgar que senhoras idosas usando um tom de voz tranquilizador são necessariamente confiáveis e bondosas, embora a aparência não seja uma base de julgamento.
- Heurística de ancoragem e ajuste, se refere à tendência das pessoas de confiar mais na primeira informação (a “âncora”) a que têm acesso. Por exemplo, em uma negociação para a compra de um produto, o lance inicial pode fixar pelo menos a faixa aceitável de preços. Esse viés pode tornar mais difícil a consideração de fatores adicionais inseridos posteriormente, nos levando a fazer más escolhas. Outro exemplo é a opinião formada por um visitante a um bairro que ele desconhece, se logo na chegada ele assiste a um evento violento e desagradável que pode ser associado à normalidade daquela região.
- Heurística da escassez, que nos faz enxergar como mais valiosas as coisas mais escassas ou menos disponíveis. Profissionais de marketing usam com frequência essa heurística para influenciar as pessoas a comprar produtos. (“Oferta por tempo limitado” ou “enquanto durar o estoque”).
- Heurística da tentativa e erro, que leva as pessoas a usarem diferentes estratégias para resolver um problemas, até que encontrem algo que funciona. Por exemplo, as pessoas usam tentativa e erro para jogar videogames, encontrar a rota de carro mais rápida para o trabalho ou para aprender uma nova habilidade. Evidentemente, tentativa e erro pode ser necessária em alguma situação mas, muitas vezes, um pouce de estudo e programação resolveriam o problema com mais eficiência.
Essas heurísticas são úteis em muitas situações, e são um mecanismo normal e válido do cérebro. Mas também podem levar a erros e vieses sistemáticos, o que mostra a importância de entendermos esses atalhos mentais para evitar o erro causado por eles na tomada de decisão.
Uma grande parte da necessidade da escolha baseada em heurística está assentada sobre a incrivel dificuldade que o cérebro humano tem para lidar com fenônemos probabilísticos. Tversky e Kahneman reuniram pessoas para a realização de um teste, e deram a eles a seguinte descrição de “Linda”:
“Linda tem 31 anos, é solteira, franca e muito inteligente. Ela é formada em filosofia e, em seus tempos de estudante, sempre esteve profundamente envolvida com questões de discriminação e justiça social. Ela também participou de manifestações antinucleares”. Em seguida os participantes tinham que marcar qual era a declaração mais provável, em um conjunto de pares de afirmações. Entre as declarações estava esta:
A- “Linda trabalha como caixa em um banco”, e
B- “Linda trabalha como caixa em um banco e é muito ativa no movimento feminista”.
As pessoas exibiram forte tendência para escolher B como a afirmação mais provável, por ela parecer mais descritiva do personagem Linda. No entanto, o conjunto descrito em B é um subconjunto de A, e não pode ser mais provável que ele. Ou seja: todos os caixas de banco que são feministas são caixas de banco.
Considerando a manifestação de “rebanho” da sociedade alemã, um dos vieses mais proeminente no comportamento de grupos, Bonhoeffer sugeriu que a estupidez é orgulhosa de si mesma, principalmente quando o indivíduo recebe a chancela do grupo, da “maioria”. Para ele, conhecer a natureza da estupidez é urgente para evitar ela predomine e cause danos graves à sociedade.
Existe um evento descrito pelo neurologista inglês Oliver Sacks sobre como foi a recepção do discurso do presidente dos EUA, Ronald Regan, transmitida pela TV e observado em um ambiente de um hospital psiquiátrico. Os pacientes com transtornos gerais de esquizofrenia e portavam dois tipos de disfunção cognitiva: aqueles com afasia global são incapazes de compreender os sentidos das palavras em seu sentido literal, e se apegavam aos aspectos não verbais do discurso; e aqueles com agnosia tonal, incapazes de compreender a expressividade da comunicação, sendo obrigados a se apegar ao texto literal da linguagem, de modo puramente semântico. Reagan não conseguiu persuadir ninguém daquele público restrito. Os pacientes se sentiram ultrajados, alternando suas reações entre risos e escárnio. Enquanto isso as pessoas ditas normais julgaram que Reagan era um grande comunicador, persuasivo e lógico.
Horrorizado com os absurdos da guerra e a aceitação tácita da sociedade alemã, Bonhoeffer passou a fazer oposição ferrenha ao grande grupo de cristãos que aderiram à ascensão do nazismo. Ele encontrou uma única explicação para o crescimento da intolerância e aceitação do regime totalitário que trouxe uma guerra total na Europa e no resto do mundo. Esse motivo era a estupidez – tornava-se urgente compreender a natureza dessa característica humana. Para isso era necessário se livrar da crítica moral: estupidez não é apenas falta de caráter. Na verdade, para ser estudada com consideração objetiva e científica ela deve ser tratada como uma categoria psico-sociológica.
A estupidez tem raízes profundas no psiquismo, impulsionada pelo funcionamento básico da experiência humana e o fato de que humanos são animais sociais. A própria sociabilidade está na base da estupidez. Pessoas que vivem isoladas, por qualquer motivo, estão menos vulneráveis a esse problemas, o que reforça a natureza social da estupidez. Um indivíduo pode agir de modo estúpido sem afetar seu ambiente social. Mas, quando a estupidez se difunde e é adotada pelo grupo, o indivíduo fica gravemente afetado, gerando um efeito de realimentação. O comportamento de rebanho é uma das causas principais da estupidez.
Bonhoeffer afirmava que “o poder de um precisa da estupidez do outro”. Isso não significa que o intelecto e outras habilidades fiquem atrofiadas ou desapareçam. A observação do fenômeno parece mostrar que, sob a pressão crescente de grupo, os indivíduos são privados de sua independência pessoal e desistem, de modo mais ou menos consciente, de manter sua autonomia em relação ao ambiente opressor. “Pessoas estúpidas são frequentemente teimosas, o que não significa que sejam independentes” (Bonhoeffer). Essas pessoas têm a sua parte lógica do cérebro prejudicada, passando a agir como zumbis políticos e sociais. Eles se apegam a slogans, palavras de ordem e gritos de guerra de nível emocional.
Com essa constatação Bonhoeffer fornece elementos para se compreender a história exótica sobre Ronald Reagan, contada por Oliver Sacks. Aqueles pacientes psiquiátricos estavam concentrados em seu mundo interior, distantes do convívio social. Isso os tornou imunes à loucura coletiva do pensamento conforme à pressão de massa. Eles enxergaram Ronald Reagan como um ator canastrão que mal conseguia concluir suas falas, nem passava sinais de autenticidade ou credibilidade.
Viéses Cognitivos
O uso de processamento de informações por meio de atalhos mentais (a chamada heurística) são resultado de um processo evolutivo especial que nos permite atingir conclusões e julgamentos rápidos, muito úteis para a nossa sobrevivência. Mas a mesma faculdade pode se transformar em vieses de cognição de muitas formas, de desvios sistemáticos de lógica e decisões irracionais. São partes desses desvios os ruídos mentais, crenças infundadas, a escalada irracional de compromisso, que consiste em persistir em uma decisão prejudicial que já recebu muito investimento. Entre estes desvios, o comportamento de manada, de seguir a maioria, é o mais proeminente. Podemos facilmente imaginar situações em nosso passado evolutivo onde, dentro de um grupo frágil de pequenos mamíferos, se torna importante aceitar a decisão da maioria, tal como quando se foge de um predador. Se a informação é escassa vale a pena fazer o mesmo que todos os demais estão fazendo. No entanto, é muito claro que isso não é uma boa decisão em todas as situações, principalmente na modernidade.
O estudo da História revela inúmeras situações em que a maioria estava errada, e que seguir o bando pode trazer resultados catastróficos. Por isso Bonhoeffer enfatizava que lutar contra a estupidez é mais difícil do que combater o mal. É mais fácil discernir as atitudes maléficas, expô-las para a coletividade e encontrar parceria para combater o mal. A estupidez , por outro lado, é difusa. O indivíduo não parece estar prejudicando voluntariamente as pessoas a seu redor. Além disso elas sempre têm um grupo de apoio. Canalhice e má-intenção são falhas de caráter individual. A estupidez é um fenômeno coletivo.
Canalhas e covardes devem se esconder para tirar vantagens pessoais, muitas vezes gerando infortúnio individual ou coletivo com seu comportamento imoral. A estupidez gera uma situação de amoralidade. Estúpidos se orgulham da própria estupidez porque são chancelados pelo grupo. Eles sabem que não estão sozinhos, se apoiam no coletivo e podem pedir ajuda. Humanos temem a solidão, e permanecem em grupos não pelo poder hipnótico de seus líderes, como já foi sugerido, mas sim pelo vínculo formado com eles e outros de seus subordinados. As redes sociais tornaram esse problema muito mais grave, com o seu poder de formação de bolhas, de amplificação da mensagem por meio de seguidores fiéis e de robôs, criando grandes manadas tomadas por vieses cognitivos. Nas palavras de Umberto Eco, a Internet deu voz a uma “legião de imbecis”. A uniformização do pensamento e a rejeição da autoridade, principalmente de natureza científica e acadêmica, são terreno fértil para a propagação da teorias da conspiração, para ambientes de ódio à grupos minoritários e para a radicalização das bolhas que hoje são praticamente impossíveis de serem rompidas. Tudo isso sem esquecer dos oportunistas que, mesmo sem participar inteiramente da bolha, fazem uso dela para atingir seus fins econômicos e políticos.
Bibliografia
- A mente é Maravilhosa, Valeria Sabater: A Teoria da Estupidez de Bonhoeffer
- Café com Sociologia, Bonhoeffer, Dietrich: Teoria da Estupidez, 2023.
- VeryWell Mind: What Are Heuristics?
- Psychology Today: Heuristics
- Wikipedia: Dietrich Bonhoeffer
- Wikipedia: Heuristic (psychology)
- Youtube, Matematizei, O que é a Teoria da Estupidez?
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