O que é Álgebra Linear
A álgebra linear1 é o ramo da matemática que estuda os espaços vetoriais, ou espaços lineares, além de funções (ou aplicações, ou transformações) lineares que associam vetores entre dois espaços vetoriais. Espaços vetoriais são uma generalização do espaço \(\mathbb{R}^3\) cotidiano e de senso comum onde vivemos, com dimensões tais como largura, altura e profundidade. Os pontos de \(\mathbb{R}^3\) podem ser associados a vetores, visualizados nos cursos básicos como setas que tem a base na origem, o ponto \((0,\,0,\,0)\), e extremo oposto no ponto em questão. Sob diversos aspectos diferentes é equivalente dizer que o próprio espaço \(\mathbb{R}^3\) é um conjunto de pontos, ou de vetores. Estes vetores e sua álgebra (o conjunto de operações que podem ser realizadas sobre eles) são uma ferramenta importante em diversas áreas da ciência, notadamente na física. Além disto é possível mostrar, como faremos neste texto, que vários outros espaços possuem propriedades semelhantes ao \(\mathbb{R}^3\). Estes espaços, chamados de forma generalizada de espaços vetoriais, podem ser profundamente diferentes dos espaços que consistem de “setas”. Por isto a noção primária de uma seta, assim como a notação usual de uma seta desenhada sobre o nome do vetor, deve ser abandonada.
Provavelmente o curso de álgebra linear é o curso, dentro das disciplinas da matemática, de maior importância para estudantes e profissionais de diversas áreas fora da própria matemática. Ele é essencial nas engenharias e, particularmente, na ciência da computação. Por outro lado, para alunos de matemática, ele significa a primeira grande incursão no terreno da abstração, onde conceitos bastantes concretos, válidos para os vetores de três dimensões, são aplicados em outros espaços de dimensões arbitrárias e de natureza diversa e muitas vezes surpreendente. Nem sempre é trivial a passagem entre tópicos tais como a solução de sistemas de n equações lineares com m incógnitas para outro como núcleos de transformações lineares, homomorfismos e isomorfismos.
O campo de aplicação da disciplina é muito vasto. A computação gráfica, por exemplo, a manipulação de imagens, rotação, redimensionamento, alteração de cores são operações lienares. Por outro lado, evidentemente nem todos os processos da natureza podem ser descritos por meio de sistemas ou equações lineares. No entanto muitos sistemas e aplicações importantes são lineares, o que por si já justificaria seu estudo. Além disto a matemática envolvida na solução de sistemas não lineares é complicada e ainda está sendo desenvolvida na atualidade. Por isto sua solução passa muitas vezes pela solução de um sistema linear que melhor representa o sistema em estudo. A partir das soluções aproximadas existem métodos para se obter soluções mais próximas do sistema real.
Um bom entendimento da geometria analítica contribui muito para o estudo da álgebra linear. Para aqueles que não tem este entendimento se recomenda uma revisão de alguns tópicos, notadamente dos vetores e suas operações. Em particular considerar a definição de um vetor, soma e subtração, módulo e produto interno e vetorial. Por outro lado, um aluno de matemática com pouca familiaridade com a álgebra linear terá dificuldade em seus cursos posteriores.
História resumida
O conceito de matriz e determinantes, básicos na álgebra linear, surgiu da necessidade de se resolver sistemas de equações lineares com coeficientes constantes. Leibnitz utilizava o determinante já em 1693, enquanto as matrizes foram pimeiramente utilizadas por Lagrange no final dos anos 1700. Lagrange buscava um método para determinar máximos e mínimos de funções com várias variáveis. Para isso ele exigiu que as derivadas parciais de primeira ordem fossem nulas e que uma matriz, construida com as derivadas de segunda ordem obedecesse uma determinada condição. Lagrange, no entanto não mencionou explicitamente a palavra ou conceito de matriz. Em 1772 Laplace discutiu a solução de sistemas lineares associados ao estudo de órbitas planetárias e apresentou seu método de cálculo usando cofatores e “matrizes menores”. Cramer apresentou sua fórmula em 1750, a que hoje chamamos de Regra de Cramer.
Apesar da existência de manuscritos chineses muito antigos mostrando a solução de sistemas de três equações em três incógnitas por “eliminação”, o método de Gauss só foi apresentado em 1800. Este método foi usado inicialmente apenas em aplicações e sua importância teórica ignorada. A introdução definitiva de método de Gauss na matemática se deu com a contribuição de Wilhelm Jordan que aplicou o método de Gauss na solução de problemas associados à medição e representação da superfície terrestre, a geodesia. O método é citado em seu livro Textbook of Geodesy, 1888.
(2) Não consegui verificar se, de fato, Cayley provou o teorema do determinante de produto de matrizes.
Sylvester, em 1848, usou pela primeira vez o termo matriz (uma palavra com origem no latim, significando útero, como sendo a base de onde surgem os números), apresentou a notação moderna para designá-las. A álgebra das matrizes foi elaborada por Arthur Cayley em 1855, em seu estudo de transformações lineares e suas composições. Cayley mostrou que, se duas transformações podem ser representadas pelas matrizes S e P, a transformação composta será representada pela matriz produto ST, desde que este produto seja devidamente definido. Cayley estudos ainda a álgebra dessas composições e, como decorrência, as matriz inversas, e mostrou2 que, dadas as matrizes A e B de dimensões apropriadas o determinate de seu produto é \(\det\,(AB) = \det\,(A)\det\,(B)\).
Progresso e Aplicações Modernas
Os principais passos posteriores estão além do que é descrito neste texto, e são citados aqui muito resumidamente. O estudo das matrizes continuou associado d perto ao das transformações lineares. A definição de espaço vetorial moderna foi introduzido por Peano em 1888. Ele também estudos espaços vetoriais abstratos, por exemplo aqueles constituídos por funções. Grassmann apresentou em 1844 o primeiro produto de vetores não comutativos (onde a ordem dos fatores é relevante no cálculo). Com o desenvolvimento dos computadores houve um ressurgimento no interesse em matrizes, particularmente no cálculo numérico.
A álgebra abstrata representa uma generalização moderna, introduzida na metade do século XX. Tensores, como generalização de vetores, surgiram no final do século XIX. Todo essas ferramentas são amplamente utilizadas na mecânica quântica, relatividade, e estatística, o que contribuiu para que o estudo da álgebra linear se tornasse generalizado para estudantes de ciências exatas. Ela é, ainda, uma importante base para o desenvolvimentos de tópicos teóricos avançados modernos.