Um universo paralelo onde o tempo anda para trás?

A NASA encontrou evidências de um universo paralelo onde o tempo anda para trás?

Temos discutido aqui no phylos.net como a imprensa leiga divulga mal as notícias relativas à ciência. Desta vez, no mês de maio de 2020, notícias circularam o mundo com chamadas sobre um artigo do físico Peter Gorhan e sua equipe, supostamente cientistas da NASA, que teriam informado a descoberta de um universo paralelo com propriedades físicas simétricas mas invertidas, inclusive com o tempo correndo invertido (do futuro para o passado).

Grupos importantes de pesquisa no mundo, tais como as grandes universidades e o CERN, mantém contato com a mídia através de seu pessoal de relações públicas. Esse pessoal convoca coletivas de imprensa para fazer seus anúncios. Mesmo nessas situações é muito comum que um jornalista não especializado em ciência interprete mal as informações, ou exagere as novidades como forma de atrair leitores. Mais tarde suas notícias são replicadas pelo mundo todo, quase sempre mantendo ou piorando os erros originais. Não é raro que uma notícia completamente falsa, ou até mesmo uma piada, seja copiada e espalhada, alimentando os que gostam de pseudo-ciência e teorias conspiratórias. É extremamente importante que você descubra sites, canais na internet, revistas e jornais de confiança para se informar sobre ciência.

A maioria dos headlines de jornais e vídeos menciona um experimento com raios cósmicos na Antártida que teriam revelado evidências de que um universo paralelo formado durante o Big Bang e próximo ao nosso universo. Nele as leis da física seriam completamente opostas e o tempo corre para trás.


“Vimos algo que se parecia com um raio cósmico, como se visto em seu reflexo na camada de gelo, mas não estava refletido. Era como se o raio cósmico estivesse saindo do gelo. Uma coisa muita estranha”.

Na foto Peter Gorhan, professor Universidade de Manoa, no Havaí, principal investigador do projeto ANITA, com uma das antenas.

Procurando por informações mais abalizadas descobrimos que nenhuma das pessoas envolvidas é cientista da NASA. Claro que, em si, esse erro não invalida as afirmações mas representa um alerta de que esses jornais não fizeram boa pesquisa ao relatar a descoberta. Em termos gerais, embora é claro que não se possa generalizar, notícias da mídia não especializada são absolutamente inúteis para nos informar sobre avanços recentes da ciência. Infelizmente!

A notícia foi inicialmente veiculada em tablóides americanos e inglese e copiadas pelas jornais brasileiros. Uma descoberta de tal magnitude seria veiculada com entusiasmo pelas principais revistas científicas. No entanto nenhuma delas contém menções à descoberta de “um universo paralelo”.

Então, o que sabemos sobre o experimento? Os cientistas da Universidade de Manoa, no Havaí, estavam trabalhando no experimento Anita montado na Antártica, que consiste em uma série de antenas em solo e outras instaladas em balões de hélio que sobem a uma altura e até 37 mil metros para estudar partículas de altas energias, em particular neutrinos. O projeto Anita foi financiado por um consórcio de várias instituições, inclusive a NASA e do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Essa formação de consórcios é comum nos dias de hoje pois os experimentos estão cada vez mais caros e não podem ser bancados por uma única universidade ou mesmo por um país.

Aparelho detector do ANITA, antes de ser lançado em balão.

O experimento ANITA detecta (indiretamente) neutrinos que são partículas com pequena massa de repouso, viajam com velocidades próximas (mas inferiores) a da luz e interagem muito pouco com a matéria ordinária. Por isso um neutrino pode atravessar o planeta Terra sem interagir com nenhuma de suas partículas. Neutrinos, no entanto, existem em variedades distintas. Eles estavam estudando um tipo de neutrino, o neutrino tau, uma das partículas fundamentais, que não poderiam atravessar a Terra com tanta facilidade. Eles tem origem cósmica e deveriam incidir sobre a Terra vindos do espaço. No entanto eles detectaram esse tipo de neutrino partindo do solo e acharam esse comportamento estranho. Peter Gorhan, um físico experimental de partículas descreveu esse fenômeno como sendo impossível com as atuais leis da física conhecidas. A possibilidade de um neutrino tau atravessar o planeta e sair pela superfície, do outro lado, é inferior a de 1 por 1 milhão. Como a equipe do ANITA detectou alguns desses eventos, Gorhan propôs que eles poderiam ser partículas voltando no tempo, em um universo paralelo. Há relatos de que a própria equipe de Gorhan tenha se sentido desconfortável com a hipótese exagerada do seu coordenador.

É necessário explicar que o modelo padrão de partículas da física atual é extremamente bem sucedido em explicar os fenômenos conhecidos. Um resultado que contradiga esse modelo geraria o que chamamos de uma nova física. É óbvio que a maior parte dos físicos apreciaria uma quebra de paradigma com a abertura de pesquisas em uma física diferente e mais ampla do que a que conhecemos hoje. Mas para tal seria necessário o surgimento de evidências muito fortes.

Já em 2018 o físico Peter Gorhan anunciou ter descoberto partículas na Antártica que não se encaixam no modelo padrão de física as partículas. Em sua descrição elas se pareciam com um raio cósmico visto em um reflexo na camada de gelo, como se o raio tivesse saído de dentro do gelo. Uma coisa muito estranha, de fato. Mas é muito pouca evidência para se concluir que o modelo padrão está incorreto. E muito menos para sugerir que existe outro universo onde o tempo é invertido.

O experimento ANITA

ANITA (Antena Impulsiva Transiente Antártica) é um experimento desenhado para estudar neutrinos cósmicos de energia muito alta. Ele usa um conjunto de antenas de rádio suspensas em um balão de hélio voando a 37.000 metros, capazes de detectar ondas de rádio (eletromagnéticas, portanto) que são emitidas quando os neutrinos de origem cósmica atingem a camada de gelo. Acredita-se que esses neutrinos cósmicos de alta energia são criados pela interação de raios cósmicos de energia muito alta (que são são partículas incidentes do espaço) com os fótons da radiação cósmica de fundo em microondas (gerada durante o Big Bang). O experimento busca, em parte, explicar a origem desses raios cósmicos.

Em janeiro de 2020, a ANITA realizou quatro vôos e detectou vários raios cósmicos vindos do céu dentro do campo de visão do experimento. Essas ondas de rádio são refletidas no gelo antes de atingirem a ANITA. A análise dos eventos mostram que dois deles captaram ondas originadas no solo, o que é inesperado pois a Terra deveria absorver os raios cósmicos nessa faixa de energia. Outro experimento chamado IceCube tentou reproduzir esse achado, sem sucesso.

Um pouco mais de física

Raios cósmicos são partículas de energia muito alta (geralmente entre 108 e 1019 elétron-volts, constituídos principalmente por prótons e por outros núcleos atômicos (combinações de prótons e neutrôns). Também existem neles elétrons, pósitrons (a antipartícula do elétron), antiprótons (a antipartícula do próton), neutrinos e fótons gama. Quando atingem a atmosfera essas partículas colidem com os núcleos dos átomos no ar na parte mais alta da atmosfera, dando origem a outras partículas e formando uma “chuva” de partículas com menor energia, os raios cósmicos secundários. Ao nível do mar chegam, em média, uma partícula por segundo em cada centímetro quadrado.

Esses raios secundários tem sua trajetória alterada pela campo magnético da Terra, produzindo ondas de rádio que se espalham à frente do chuveiro. As antenas de ANITA podem receber essas ondas de rádio depois que se refletem no gelo, chegando até o balão. Em algumas poucas situações elas podem detectar ondas ainda não refletidas, quando elas viajam no sentido horizontal.

Esses sinais são bem diferentes pois sua polarização muda quando as ondas de rádio são refletidas no gelo. Por duas vezes em 2006, e depois em 2014, ANITA detectou ondas saindo da superfície com a polarização idêntica às das ondas horizontais, sugerindo que essas ondas produzidas por chuveiros de partículas viradas para o alto, somo se acionados por partículas que atravessaram a Terra. Sabemos que os neutrinos podem fazer com facilidade e, portanto, à primeira vista não há contradição com o modelo padrão.

Mas, em exame mais minucioso, estas partículas com movimento ascendente tinham energia muita alta, suficiente para que tenham colidido com algum núcleo da matéria terrestre ao longo de sua viagem de 5700 quilômetros através do planeta. Os pesquisadores argumentaram que nenhuma partícula tão energética atravessaria a Terra sem ter interagido e se espalhado (afastando de sua direção original).

Existem aqueles pesquisadores que vêm nisso a necessidade de lançar mão de novo arcabouço teórico, em particular a hipótese da supersimetria, muito estudada mas ainda não comprovada. Eles alegam que é possível que um raio cósmico de energia muito alta tenha penetrado a Terra pelo lado oposto gerando um novo tipo de partícula (que não está no modelo padrão), com massa 500 vezes superior à do próton. Essa nova partícula poderia atravessar o planeta e gerar o chuveiro ascendente observado. Segundo eles o experimento IceCube, que consiste em uma malha gigante de detectores de partículas inseridos em buracos profundos afundados no gelo antártico, também detecta evidências desses eventos incomuns.

Essas observações podem fazer com que a comunidade científica considere com seriedade a possibilidade de uma nova física baseada nos resultados da ANITA. Mas eles sabem que têm, por enquanto, poucos elementos para reivindicar a descoberta de uma nova partícula e, em sua maioria, lamentam a divulgação espalhafatosa e excessivamente especulativa que tem sido associada com esse caso.

Referências

A Revista inglesa online NewScientist foi a primeira a divulgar a artigo copiado pelas demais mídias:
Jon Cartwright: NewScientist, We may have spotted a parallel universe going backwards in time, 8 de abril de 2020, acessado em maio de 2020.

Em 2017 a revista Science já havia publidado um artigo com a sugestão de que uma nova física poderia ser necessária:
Adrian Cho, Science: Oddball particles tunneling through earth could point new physics, sep. 27, 2018, acessado em maio de 2020.

Wikipedia: Cosmic Ray, acessado em maio de 2020.

Torre de perfuração do experimento IceCube, Dezembro de 2009. From Wikimedia Commons, the free media repository Jump to navigation Jump to search Foto: User Amble from English-language Wikipedia

Leia um pouco mais

Sobre possibilidades de universos alternativos: Universo e Multiverso
Sobre neutrinos e a matéria escura: Matéria Escura

Onde se informar?

Além desse site, é claro, existem muitas boas publicações na internet, livros e revistas de divulgação.  Os vídeos abaixo são bons exemplos.

 


 

Matéria Escura (Dark Matter)

No início da década de 1930 o astrônomo suíço Fritz Zwicky estava usando um novo tipo de telescópio no topo do Monte Palomar, Califórnia, para fotografar grandes áreas do céu em tomadas rápidas e com pouca distorção. Ele construiu um grande mapa com centenas de milhares de galáxias, o Catálogo Zwicky de Galáxias. Fazendo isso ele e seus colegas descobriram que as galáxias tendem a se juntar em aglomerados. Estudando o Aglomerado de Galáxias de Coma, sob a luz das descobertas de Hubble, ele notou uma anomalia no movimentos das galáxias dentro de aglomerados.

De acordo com as leis de Newton objetos que se movem mais afastados do centro de massa a que estão ligados devem se mover mais lentamente. Este princípio se reflete em uma das leis de Kepler para o movimento dos planetas no sistema solar. No entanto Zwicky percebeu que mesmo as galáxias mais afastadas mantinham velocidades altas demais em relação à massa observada do aglomerado.

ZwickyFritz Zwicky (1898 — 1974) foi um astrônomo suíço que trabalhou a maior parte de sua vida nos EUA. Zwicky foi o primeiro astrónomo a usar o teorema do virial para fazer inferências sobre a existência da não-observada matéria escura, descrevendo-a como dunkle Materie (dark matter ou matéria escura). Ele foi também o primeiro a observar estrelas super brilhantes, que ele denominou supernovas, que se formam quando as estrelas estão em sua fase final de evolução, depois de usar a maior parte de seu combustível nuclear. Supernovas são a fonte de grande parte dos raios cósmicos que chegam a Terra e marcam a transição entre estrelas comuns e as estrelas de neutrons. Zwicky propôs a existência das lentes gravitacionais, uma consequência da teoria da gravitação de Einstein.

Mais especificamente, Zicky aplicou o Teorema do Virial que relaciona a energia potencial gravitacional com o movimento das partes de um sistema. Nas velocidades observadas as galáxias deveriam romper com a atração gravitacional exercida pelo grupo e partir em voo livre pelo espaço. Em resumo, a massa do aglomerado, deduzida à partir da observação da luz por elas emitidas, era insuficiente para explicar por que as galáxias mais afastadas do centro permaneciam ligadas ao aglomerado.

Para resolver esta anomalia Zwicky apresentou a hipótese de que grande parte da massa no aglomerado era constituída por um novo tipo de matéria, que já havia sido cogitado por outros astrônomos, denominado Dark Matter ou matéria escura. Esta matéria deveria ser diferente da usual, exercendo atração gravitacional sobre outros corpos mas não interagindo com eles de nenhuma outra forma. Naturalmente, dada a exoticidade da sugestão, algum tempo se passou até que outras evidências foram encontradas para dar suporte à hipótese e a matéria escura fosse amplamente aceita pelas astrônomos e cosmólogos.

O mesmo princípio foi usado pelo astrônomo francês Le Verrier. Percebendo anomalias no movimento de Urano ele postulou a existência de outro corpo em órbita depois deste planeta. Seus cálculos foram precisos o suficiente para que ele anunciasse a existência de Plutão, que foi observado por astrônomos na posição prevista com erro de apenas um grau. O mesmo Le Verrier também notou variações inesperadas no movimento de Mercúrio e sugeriu a existência do planeta Vulcano órbita próxima ao Sol. Nesse caso ele estava errado e o fenômeno só foi explicado mais tarde pela teoria de Einstein.
Vera Rubin foi uma astrônoma dos EUA, uma das primeiras pessoas a estudar as curvas de rotação de galáxias espirais. Ela mostrou que a velocidade de rotação das estrelas afastadas do centro galático é muito maior do que o esperado se considerarmos apenas a matéria visível. Considera-se que a discrepância pode ser explicada pela existência da matéria escura.

Em 1965 a astrofísica americana Vera Rubin estava trabalhando com amplificadores eletrônicos de luz que permitiam a coleta rápida de espectros de emissão de galáxias. Ela estudava a rotação de galáxias como Andrômeda, nossa vizinha, e descobriu coisas interessantes e inesperadas. Com esses aparelhos sensíveis ela obteve as curvas de rotação para objetos dentro da galáxia.

Galáxias espirais possuem longos braços que giram em torno do centro galático. A densidade de massa luminosa decai quando de afasta do centro em direção às bordas. Estrelas (e outros objetos) mais afastadas deveriam ter velocidades cada vez menores, de acordo com a segunda lei de Kepler, da mesma forma que acontece com os planetas no sistema solar. Mas, como observou Rubin, isso não ocorre. Surpreendentemente as velocidades ficam quase inalteradas com o distanciamento do centro. Esse efeito pode ser explicado postulando a existência de um halo, algo como uma bola oca gigante envolvendo a galáxia, feito de algum material com atração gravitacional. O problema está em que esse halo não aparece nas fotos dos telescópios nem nas imagens geradas pelos radiotelescópios.

Intrigados com a observação, Rubin e vários outros pesquisadores começaram a coletar dados sobre outras galáxias e, em todos os casos, o mesmo fenômeno foi verificado. Mais uma vez se levantou a hipóteses de que existe um agente de atração não detectado dentro do conjunto estudado. Rubin estimou que deveria existir em torno de 6 vezes mais massa do que a observada por meios luminosos.

Curvas de rotação na galáxia
Curvas de rotação de estrelas dentro da galáxia Messier 33. A linhas tracejada mostra as velocidades em função da distância do centro para a galáxia constituída apenas por matéria visível. A curva superior, contínua, mostra as velocidades de fato observadas. Os primeiros pontos são obtidos na faixa de luz visível, os demais na radiação de 21cm do hidrogênio.
Dark Matter (artístico)
Imagem artística da possível densidade de matéria escura na Via Láctea.

Hoje pelo menos três tipos de observações independentes confirmam a existência da matéria escura. A velocidade das galáxias em aglomerados ou de estrelas dentro das galáxias, a emissão de raios-X pelo gases que permeiam os aglomerados e as lentes gravitacionais. Por todos esses meios se constata que em torno de 80% da massa dos aglomerados, em média, é formada por um tipo de matéria exótica que não emite luz nem nenhuma outra forma de radiação eletromagnética detectável.

Lentes Gravitacionais

De acordo com a Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein a presença da matéria deforma o espaço em torno dela. Um feixe de luz, emitido por uma estrela distante, passando perto do Sol, por exemplo, se desvia fazendo com que a estrela pareça estar em outro ponto no céu. Esse efeito foi usado em 1919, Sobral, nordeste do Brasil, para prover a primeira verificação observacional da TRG. Aproveitando-se de um eclipse solar astrônomos ingleses puderam mostrar que o desvio da luz era compatível com aquele previsto na teoria de Einstein.

Cinco imagens com aparência de estrelas aparecem quando a luz de um único quasar passa por uma lente gravitacional. Telescópio Hubble, NASA.

Zwicky já havia proposto que seria possível usar um aglomerado de matéria no espaço como lente gravitacional, uma vez que o espaço deforma a luz que foi emitida por trás. Essas lentes são observadas através de efeitos peculiares, tais como a formação de imagens múltiplas de um mesmo objeto ou arcos e anéis formados por deformação da imagem. Através das medidas de distorção é possível se calcular a massa da lente, o objeto que causou essa distorção. Desta forma é possível confirmar que existe uma deformação maior do que aquela que seria causada apenas pelos objetos luminosos, o que vem a fortalecer a hipótese de que existe matéria escura presente nesse objeto.

Evidência Cosmológica

Edwin Hubble observou que a maioria das galáxias estão se afastando de nós e que quanto mais distantes elas estão maiores suas velocidades. O afastamento é percebido pelo desvio para o vermelho da luz por elas emitidas.

Outra indicação importante de que a matéria escura realmente existe é dada pela cosmologia. A Teoria do Big Bang, a mais amplamente aceita na atualidade, é uma aplicação direta da TRG sob a hipótese de que o universo é bastante uniforme, em grandes escalas. Dependendo da densidade de massa nesse modelo a geometria universal assume uma das três formas possíveis de espaços homogêneos (igual em todos os pontos) e isotrópicos (igual em todas as direções). Se a densidade de massa no universo (massa dividida pelo volume) for acima de um certo número crítico o universo seria formado por seções esféricas (ou seja, a cada momento ele seria uma hiper-esfera de 3 dimensões, de curvatura positiva). Se a densidade for abaixo do número crítico o universo teria seções como selas (de curvatura negativa). Mas a observação não mostra curvatura mensurável indicando que estamos exatamente sobre o caso crítico de um universo com densidade tal que o espaço contém seções planas, de curvatura nula. No entanto a massa visível, observada em estrelas e galáxias e todos os demais corpos luminosos, é bem inferior a essa massa crítica, o que leva a crer, mais uma vez, que grande parte dela está sob a forma de matéria escura.

No modelo padrão das partículas elementares a matéria bariônica é toda aquela composta por prótons, neutrons e elétrons, como a matéria ordinária que conhecemos. No modelo cosmológico do Big Bang a maior parte da matéria bariônica foi formada por hidrogênio e um pouco de hélio. Os elementos mais pesadas foram formados mais tarde, no interior das estrelas e nas explosões de supernovas. Uma hipótese é a de que a matéria escura seja não bariônica, como veremos.

Outra consequência observada do Big Bang é a chamada radiação cósmica de fundo, um resíduo deixado pela radiação inicial de alta temperatura. Com a expansão essa radiação se encontra hoje muito mais fria, aproximadamente de 3ºC, com vibração na faixa de micro-ondas. Ela pode ser mapeada com precisão, sendo uniforme o bastante para embasar o modelo cosmológico padrão, mas possuindo granulação suficiente para a geração das estruturas formadas mais tarde, como galáxias, aglomerados e filamentos. A matéria escura e a ordinária não se comportam da mesma forma com a expansão do espaço. Embora as duas interajam gravitacionalmente, a matéria bariônica (ordinária) passou por um período de interação forte com a radiação nos momentos primordiais da evolução. Essas interações alteram a forma como a granulação inicial evoluiu mais tarde formando estruturas. A observação do universo hoje, comparado com as granulações da radiação de fundo, corrobora a hipótese de que grande porção da massa hoje existente é formada por matéria escura.

Penzias e Wilson descobriram a radiação cósmica de fundo.

Boa parte da pesquisa moderna em astronomia se concentra na busca dessa matéria e sua natureza permanece em debate. Inicialmente se considerava que essa matéria fosse formada por estrelas frias e pouco brilhantes, por planetas escuros e errantes, por gases ou por corpos macroscópicos ou não, espalhados no meio intergalático. Houve a sugestão de que buracos negros poderiam ser abundantes a ponto de fornecer essa massa oculta. Mas, se esse fosse o caso, os atuais buracos negros seriam feitos de matéria ordinária antes que estas estrelas colapsassem. Toda essa matéria ordinária estaria presente nos primeiros momentos do universo, o que estaria em discordância com a quantidade de matéria escura esperada pela análise da radiação cósmica de fundo.

Buracos negros são formados por estrelas de grande massas, quando seu combustível nuclear é esgotado. O gás estelar é comprimido para volumes pequenos até que a densidade seja tão alta que nem a luz pode escapar de sua atração gravitacional.

Teoricamente um tipo diferente de buraco negro pode existir e estas entidades hipotéticas foram consideradas como partes de matéria escura. Buracos negros primordiais podem ter sido criados no início do universo quando a própria matéria comum estava se formando. Eles poderiam ter se originado de flutuações do espaço-tempo logo após o Big Bang, fortes o bastante para aglomerar blocos de massa em um volume muito pequeno, formando buracos negros diminutos. A modelagem computacional sugere que eles poderiam ter massas bem pequenas e poderiam ser responsáveis por parte do efeito atribuído à matéria escura. Em 2018 foi realizada uma pesquisa em 740 supernovas em busca de efeitos de lentes gravitacionais causadas por esses objetos e o resultado indica que eles não podem explicar mais que 40% do efeito da matéria escura. Pelo contrário, surgiram indicações de que esta não é uma boa hipóteses e que buracos negros primordiais não contribuem nessa questão. Além disso não existem evidências de eles existam de fato.

Portanto a hipótese da matéria escura como constituída por matéria ordinária entra em conflito com o que é observado e nenhum dos modelos propostos foi capaz de explicar as anomalias observadas. A teoria mais aceita é a de que esta matéria é não bariônica, o que significa que não é composta de prótons e nêutrons como a matéria ordinária que conhecemos. A primeira possibilidade consiste em explorar os neutrinos.

Neutrinos

Primeira observação de um neutrino colidindo com um próton em uma câmara de bolhas (colisão ocorre no ponto onde os três riscos à direita da foto).

A existência dos neutrinos foi proposta em 1930, 26 anos anos de sua detecção experimental. Durante o decaimento beta a força nuclear fraca, dentro do núcleo atômico, quebra um nêutron em um próton mais um elétron, que é ejetado do átomo. Apesar de que a carga criada no próton (+) fica balanceada pelo elétron (-), Wolfgang Pauli notou que seria necessária a criação de outra partícula para equilibrar a energia, o momento linear e o momento angular do átomo inicial.

Curiosamente o neutrino foi proposto 2 anos antes da descoberta do nêutron, por James Chadwick. Neutrinos possuem massa, portanto tem efeito gravitacional, mas não interagem por meio da força eletromagnética.Neutrinos são difíceis de serem detectados.

Hoje, com o avanço da tecnologia, é possível saber se um neutrino foi emitido pelo Sol, por outros objetos no sistema solar ou na Via Láctea, ou mesmo por fontes fora de nossa galáxia.

Uma das hipóteses feitas para solucionar o mistério da matéria escura consiste em apelar para o Modelo Padrão de Partículas da física. Neste modelo, que é muito bem sucedido na explicação das partículas conhecidas, existem os neutrinos, partículas estáveis (de longa vida) que não interagem com outras partículas por meio do eletromagnetismo nem das interações nucleares fortes. Neutrinos atravessam grandes amontoados de matéria (como o planeta Terra, por exemplo) sem sofrer alterações. O modelo dos WIMPs (weakly interacting massive particles, partículas massivas de interação fraca) inicialmente considerou neutrinos formados no início do universo, deixados como resíduos da grande explosão inicial, como os responsáveis pela atração da matéria não luminosa.

Na década de 1980 as simulações numéricas realizadas em computador começaram a ganhar importância no estudo da evolução do universo e da formações de estruturas, como galáxias, aglomerados e grandes filamentos cósmicos. No modelo padrão é predito que os neutrinos foram formados com altíssimas velocidades, comparáveis (mas inferiores) à velocidade da luz. De acordo com as simulações estas partículas quentes (por que muito velozes) favoreceriam a formação inicial de estruturas muito grandes que apenas mais tarde se quebrariam em blocos menores, formando coisas tais como as galáxias.

Em contraste, partículas mais frias (lentas) estimulariam a formação de pequenos aglomerados de matéria, que bem mais tarde se fundiriam formando estruturas maiores. Comparando estes resultados teóricos com as estruturas observadas se descartou a predominância de neutrinos super velozes na composição da matéria escura. As simulações deixaram claro que pelo menos uma partícula desconhecida, não presente no modelo padrão de partículas, deveria existir.

Uma outra partícula proposta para explicar efeitos da matéria escura são os áxions, partículas ainda não detectadas, por enquanto apenas uma conjectura teórica proposta para resolver outro problema existente na cromodinâmica quântica. Se existirem eles interagiriam pouco com a matéria comum e radiação, teriam massa bem pequena. Eles poderiam, no entanto, existir em quantidade suficiente para explicar os efeitos da massa desaparecida.

Gravitação Alternativa

Em 1983 o astrofísico Mordehai Milgrom sugeriu um mecanismo alternativo para explicar as anomalias observadas nos movimentos galáticos. Ou invés de buscar fontes desconhecidas de atração gravitacional ele optou por sugerir alterações na teoria gravitacional. Sua hipótese foi denominada Dinâmica Newtoniana Modificada (Modified Newtonian Dynamics) ou MOND.

A gravitação Newtoniana está muito bem verificada na escala de experiência cotidiana, em experimentos feitos na Terra. Não há garantia absoluta de que ela continua funcionando da mesma forma em escalas galáticas. Assim como a Gravitação de Einstein se reduz à Newtoniana para a escala cotidiana, Milgrom propôs uma teoria alternativa que age um pouco diferente em grandes escalas.

Algumas galáxias parecem se movimentar em bom acordo com a teoria MOND mas ela não resolve todos os problemas. Resta, no entanto, explorar outros modelos, com novas descrições da gravitação, até que todas as anomalias fiquem bem explicadas.

Conclusão

Imagem 3D da distribuição de matéria escura pelo universo observável. O mapeamento foi feito por meio de lentes gravitacionais, pelo Telescópio Espacial Hubble.
Existe também o problema não resolvido da energia escura que causa efeito contrário ao da matéria escura, impulsionando galáxias e aglomerados para que se acelerem no movimento de expansão. Esse assunto será tratado em outro artigo neste site.

A questão da natureza da matéria escura e da energia escura permanece em aberto, juntamente com muitos outros problemas importantes ainda não foram resolvidos pela ciência. Pela própria natureza da investigação científica cada resposta obtida abre um leque de dúvidas e caminhos para futuras pesquisas. O tema é de grande interesse porque, entre outras coisas, ele pode levar a uma expansão da física para novos domínios, da mesma forma que a mecânica quântica e a relatividade expandiram a física clássica. Se existem partículas fora do modelo padrão de partículas então uma nova física tem que ser desenvolvida para acomodá-las.

Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (em inglês: Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory – LIGO) é um projeto que busca detectar ondas gravitacionais de origem cósmica.

Novos detetores e novas táticas de busca são desenvolvidos a todo momento para tentar verificar ou descartar alguma hipótese. Em outubro de 2017 o Observatório LIGO conseguiu detetar ondas gravitacionais geradas pela interação de duas estrelas de nêutrons girando em órbitas muito próximas e espiralando para seu centro de massa. A observação dessas ondas abre uma nova página na investigação do cosmos e deverá ser usada também para testar hipóteses sobre a matéria escura, em particular a existência de buracos negros primordiais.

É possível que a anomalia observada (o problema da matéria escura) seja devida a erros nos pressupostos cosmológicos, sendo o principal deles considerar que o universo é uniforme, aproximadamente igual em todas as direções e em todas as partes. No estado atual do conhecimento é impossível descartar que nossa posição no universo seja de alguma forma incomum, nos dando uma falsa visão de como seria o todo. Também é possível que uma nova forma da interação gravitacional seja válida para escalas cósmicas, ou que existam forças desconhecidas, além das quatro forças fundamentais. Também devemos nos lembrar que os dados obtidos nessa área são difíceis de se obter e analisar. Mesmo assim grande parte dos cosmólogos e astrofísicos defende que existe a matéria escura. Aqueles que acreditam em coisas diferentes estão propondo teorias alternativas, nenhuma delas ainda com sucesso.

A própria existência de um problema tão importante sem solução até o momento torna a pesquisa ainda mais interessante. A ciência é uma aventura com desdobramentos inesperados. Pessoas no mundo inteiro se unem e trabalham na solução desses problemas. Infelizmente, o processo científico se torna cada vez mais especializado e inacessível para pessoas sem treinamento específico. Para isso servem artigos (como este) e livros de divulgação. A aventura é coletiva e deve ser partilhada com todos.

Bibliografia

Clegg, Brian: Dark Matter & Dark Energy, Icon Books, Agosto 2019.

Bertone, Gianfranco; Hooper, Dan: A History of Dark Matter https://arxiv.org/abs/1605.04909 (16 May 2016).

Panek, Richard: The 4% Universe, Dark Matter, Dark Energy, and The Race to Discover the Rest of Reality, HMH Books & Media, New York, 2011.

Science History: Fritz Zwicky and the whole Dark Matter thing
https://cosmosmagazine.com/physics/science-history-fritz-zwicky-and-the-whole-dark-matter-thing

Dinâmica relativística


Até o momento discutimos o movimento de partículas livres e a transformação de seu movimento entre dois referenciais inerciais. Partículas livres descrevem retas em \(M_4\) e estas retas são levadas em outras retas por meio de transformações de Lorentz, já que elas são transformações lineares. Concluímos que, assim como acontece na mecânica clássica sob transformações de Galileu, a inércia não fica alterada de um referencial para outro. Qualquer desvio na linearidade do movimento de uma partícula deve ser atribuído à presença de alguma interação, uma força agindo sobre ela.

Para construir uma dinâmica devemos definir massa e momento sobre esta teoria. Na teoria Newtoniana a massa é uma constante de proporcionalidade entre a aceleração e a força. Na TRE tentamos seguir de perto, tanto quanto possível, as definições e conceitos da mecânica clássica, principalmente tendo em mente que a teoria relativística deve se reduzir à clássica no caso limite de baixas velocidades, em particular no que se refere às leis de conservação.

Construímos, na seção anterior, os quadrivetores
$$
u^{\mu} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau} = \left( \gamma c, \gamma v \right), \text{} p^{\mu} = mu^{\mu} = \left( \gamma mc, \gamma mv \right) .
$$

Vimos que as partes espaciais destes quadrivetores se relacionam com a velocidade e o momento linear ordinários em 3 dimensões de forma simples,
$$
u_{\left( 4 \right)}^i = \gamma v_{\left( 3 \right)}^i ; p_{\left( 4
\right)}^i = \gamma p_{\left( 3 \right)}^i .
$$

Gostaríamos agora de explorar um pouco mais o significado do componente temporal \(p^0\) do quadrivetor momento, o que faremos na próxima seção, juntamente com o conceito de força generalizada.

Além dos vetores \(u^{\mu}\) e \(p^{\mu}\) , contruídos à partir da linha mundo \(x^{\mu} \left( \tau \right)\) , podemos definir um terceiro vetor
interessante
$$
K^{\mu} = m \frac{d^2 x^{\mu}}{d \tau} = \frac{dp^{\mu}}{d \tau} =
\frac{d}{d \tau} \left( \gamma mc, \gamma mv \right) .
$$

a chamada força generalizada de Minkowsky.\(\mathbb{}\) Denotaremos o componente espacial desta força de \(\vec{F}\) e portanto \(K = \left( K^0, \vec{F} \right)\). Em particular estamos interessados em descobrir as quantidades que se conservam nesta teoria.

Contraindo a força generalizada e a 4-velocidade podemos obter um esclarecimento sobre \ natureza do componente \(p^0\) do momento. Começamos
por notar que
$$
u^{\mu} K_{\mu} = mu^{\mu} \frac{du_{\mu}}{d \tau} = 0.
$$

A expressão acima se anula pois
$$
0 = \frac{d}{d \tau} \left( u_{\mu} u^{\mu} \right) = u_{\mu}
\frac{du^{\mu}}{d \tau} = \left( \frac{du_{\mu}}{d \tau} \right) u^{\mu} =
2 u_{\mu} \frac{du^{\mu}}{d \tau},
$$

já que \(u_{\mu} u^{\mu} = – c^2\) é uma constante. Observe também que usamos neste cálculo o fato de que \(\eta_{\mu \nu}\) é formado por constantes e portanto
$$
u^{\mu} \frac{du_{\mu}}{d \tau} = u^{\mu} \frac{d \left( \eta_{\mu \nu}
u^{\nu} \right)}{d \tau} = \eta_{\mu \nu} u^{\mu} \frac{du^{\nu}}{d \tau}
= u_{\mu} \frac{du^{\mu}}{d \tau} .
$$

Por outro lado
$$
0 = u^{\mu} K_{\mu} = – \left( u^0 K^0 \right) + u^i K_i = – \gamma cK^0 +
\gamma v^i K_i,
$$

de onde tiramos uma expressão para \(K^0\) ,
$$
K^0 = \frac{1}{c} v^i K_i = \frac{1}{c} \vec{v} . \vec{F} .
$$

Prosseguindo na analogia com o caso clássico relembramos a equação 2. Se \(T\) é a energia cinética de uma partícula então
$$
\frac{dT}{dt} = \vec{F} . \vec{v},
$$

o que sugere a adoção da seguinte notação: fazemos
$$
P^0 = \gamma mc = \frac{E}{c}
$$

e, por conseguinte,
$$
K^0 = \frac{1}{c} \frac{dE}{d \tau},
$$

onde \(E\) é a energia total da partícula, cujo sentido exploraremos em seguida. Usando estas definições temos

(7)

$$
E = \gamma mc^2 \text{e} \vec{p} = \gamma m \vec{v}, \label{emc2}
$$
generalizações da energia e do momento ordinário, podemos escrever o vetor quadri-momento como

(8)

$$
p^{\mu} = \left( \frac{E}{c}, \vec{p} \right) . \label{pmu}
$$
A norma deste vetor é invariante,
$$
p^{\mu} p_{\mu} = – \left( \frac{E}{c} \right)^2 + p^2 = – m^2 c^2,
$$

sendo \(p = \left| \vec{p} \right|\). Uma expressão útil pode ser obtida daí,
$$
E^2 = m^2 c^4 + p^2 c^2,
$$

uma expressão que associa a energia total da partícula com sua massa e velocidade. No referencial comóvel, onde \(\gamma = 1\) e \(p = 0\) temos a famosa equação de Einstein
$$
E = mc^2,
$$

válida, como já indicado, apenas no referencial da partícula. Outra relação interessante pode ser obtida para o caso de baixas velocidades, \(\beta \ll 1\). Neste caso usamos a expansão em séries de potências mantendo apenas os termos mais relevantes para escrever \(\gamma \approx \left( 1 + \beta^2 / 2 \right)\) e a equação 7 para a energia se torna
$$
E = \gamma mc^2 \approx \left( 1 + \frac{\beta^2}{2} \right) mc^2 = mc^2 +
\frac{1}{2} mv^2 .
$$

Para baixas velocidades a energia definida na equação 7 é a energia cinética ordinária mais um termo constante que denominaremos energia de repouso da partícula.

Diversos fenômenos observados confirmam a correção destas expressões. Um exemplo interessante é o da aniquilação de um elétron e um pósitron que resulta na completa aniquilação da massa de repouso das partículas iniciais resultando na emissão de fótons com massa de repouso nula que transportam toda a energia inicial do sistema. Reações atômicas que ocorrem dentro de reatores nucleares ou bombas atômicas se utilizam da fissão nuclear, a quebra de núcleos, para a liberação de grandes quantidades de energia. Os núcleos partidos possuem massa menor que a massa inicial, a diferença sendo liberada sob forma de energia transportada por radiação eletromagnética. Um processo análogo, porém inverso, ocorre no interior das estrelas onde núcleos leves, basicamente hidrogênio e hélio, são fundidos em núcleos mais pesados, resultando na liberação de energia.

Leis de conservação

Na Mecânica Clássica as simetrias do sistema considerado levam às leis de conservação. Um sistema homogêneo por translações de coordenadas exibe conservação do momento linear enquanto sistemas isotrópicos apresentam conservação do momento angular. Se um sistema é homogêneo por translaçãoes temporais então ele possue a energia total conservada.

Na Teoria da Relatividade Especial os escalares são as quantidades conservadas. Escalares são invariantes quando se troca de um sistema de coordenada estabelecido em um referencial inercial para outro sistema inercial. Em um referencial comóvel uma partícula tem o 4-momento
$$
p^{\mu} = \left( m_0 c, \vec{0} \right),
$$

onde \(m_0\) é a chamada massa de repouso da partícula, a massa medida por um observador no referencial comóvel. Calculamos \(p^{\prime \mu}\) obtido por meio de uma transformação de Lorentz sobre o momento anterior
$$
p^{\prime \mu} = \Lambda_{\hspace{0.75em} \alpha}^{\mu} p^{\alpha} = \left[
\begin{array}{cccc}
\gamma & \gamma v / c & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
\gamma v / c & \gamma & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 1 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 1
\end{array} \right] \left[ \begin{array}{c}
m_0 c\\
0\\
0\\
0
\end{array} \right] = \left[ \begin{array}{c}
\gamma m_0 c\\
\gamma m_0 v\\
0\\
0
\end{array} \right],
$$

ou seja,
$$
p^{\prime \mu} = \gamma \left( m_0 c, \hspace{0.25em} m_0 v
\hspace{0.25em}, 0 \hspace{0.25em}, 0 \right) .
$$

Se pretendemos manter a expressão para o momento como composto por energia e momento, \(p^{\mu} = \left( \frac{E}{C}, \hspace{0.75em} m \mathbf{v} \right)\) teremos então que definir
$$
m = \gamma m_0 = \frac{m_0}{\sqrt{1 – \beta^2}}
$$

que mostra a dilatação da massa para partículas em altas velocidades. Nenhum objeto com massa de repouso não nula pode ser acelerado até uma velocidade igual ou superior à velocidade da luz.

Podemos mostrar que, na TRE, o quadrivetor momento-energia é uma entidade conservada em um sistema de partículas. Definindo a variação total de momento-energia em um referencial como
$$
\Delta p^{\mu} = \left( \sum^n_a p_a^{\mu} \right)_{final} – \left(
\sum^n_a p_a^{\mu} \right)_{inicial}
$$

onde a soma é realizada sobre todas as partículas do sistema. Em outro referencial os momentos são transformados, para cada partícula, da seguinte forma
$$
p_a^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
$$

e, portanto, a variação total do momento-energia é
$$
\Delta p^{\prime \mu} = \left( \sum^n_a \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
\right)_{final} – \left( \sum^n_a \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
\right)_{inicial} = \Lambda_{\nu}^{\mu} \Delta p^{\nu} = \Delta p^{\mu} .
$$

Isto significa que se a variação total é nula em um referencial então ela será nula em qualquer referencial inercial. Observe que, para concluir isto, seria suficiente afirmar que a variação total, sendo composta por somas de vetores, é também um vetor. Se transformarmos este vetor para o referencial comóvel os componentes de \(\mathbf{p}\) são, como vimos na equação 8, a energia e o momento ordinário, ambos quantidades conservadas em qualquer reação ou interação de forma que a variação total do sistema será \(\Delta p^{\prime \mu} = 0\). Concluimos assim que
$$
\Delta p^{\mu} = 0
$$

em qualquer referencial inercial. Note, no entanto, que o momento e a energia não se conservam isoladamente.

Convenções e notação

O espaço-tempo é denominado \(M_4\) , o espaço de Minkowsky, cujos pontos são os eventos
$$
\mathbf{x =} \left( x^0, x^1, x^2, x^3 \right) \text{ ou, resumidamente, }
\mathbf{x =} \left\{ x^{\mu} \right\} .
$$

Vetores de \(M_4\) são representados por letras em negrito, \(\mathbf{x, u, p}\) enquanto vetores de \(I \hspace{-4pt} R^3\) são representados por meio de setas \(\vec{x} = \left( x, y, z \right)\) ou \(\vec{x} = \left\{ x^i \right\}\).Algumas vêzes é interessante separar o vetor em suas partes temporal e espacial fazendo, por exemplo,
$$
\mathbf{p} = \left( p^0, \vec{p} \right)
$$

Usamos índices gregos como índices do espaço-tempo,
$$
\alpha, \beta, \mu, \nu = 0, 1, 2, 3,
$$

enquanto índices latinos são puramente espaciais:
$$
i, j, k = 1, 2, 3.
$$

\(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) é a base canônica de \(M_4\), onde \(\mathbf{\hat{e}}_0\) é um vetor unitário puramente temporal e \(\mathbf{\hat{e}}_1 = \hat{\imath}, \mathbf{\hat{e}}_2 = \hat{\jmath}, \mathbf{\hat{e}}_3 = \hat{k}\).A métrica de Minkowsky é \(\eta_{\mu \nu} = \textit{diag} \left( -, +, +, + \right)\). A base canônica \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) é ortonormal em relação à métrica de Minkowsky, ou seja

$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0, \mathbf{\hat{e}}_0 \right) = – 1,
$$

$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_i, \mathbf{\hat{e}}_j \right) = \delta_{ij} .
$$

A convenção de Einstein para o somatório, onde índices repetidos são somados, é adotada em quase todo o texto. Com ela podemos escrever, por exemplo,

$$
ds^2 = \sum^3_{\mu, \nu = 0} dx^{\mu} dx^{\nu} \eta_{\mu \nu} = dx^{\mu}
dx^{\nu} \eta_{\mu \nu} .
$$

Bibliografia

  • Carrol, Sean, M.: Lecture Notes in General Relativity, gr-qc/9712019, Santa Barbara, 1997.
  • Lopes, J. L.: A Estrutura Quântica da Matéria, Editora UFRJ, Rio e Janeiro, 1993.
  • Misner, C., Thorne, K., Wheeler, A.: Gravitation, W. H. Freeman and Co., San Francisco, 1970.
  • Ohanian, H., Ruffini: Gravitation and Spacetime, W. W. Norton & Company, New York, 1994.
  • Ramond, P.: Field Theory, A Modern Primer, Addison-Wesley, New York, 1990.
  • Weinberg, S.: Gravitation and Cosmology, Principles and Applications of General Theory of Relativity, John Wiley and Sons, New York, 1971.

 

Início: TRE

A estrutura do espaço-tempo

Um evento

O espaço onde os fenômenos ocorrem, segundo a TRE, é um espaço vetorial de quatro dimensões que denotaremos por \(M_4\), o espaço de Minkowsky (que é similar ao \(R^4\), mas não euclidiano, como veremos). Cada ponto deste espaço é denominado um evento e será marcado com as coordenadas \((ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z)\) que descrevem quando e onde o evento ocorreu. Cada ponto, portanto, pode ser associado a um quadrivetor \(\mathbf{x} = \left\{ x^{\mu} \right\} = \left( ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z \right)\).

Com esta definição podemos reescrever a separação infinitesimal na forma
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 = – \left( dx^0 \right)^2 + \left(
dx^1 \right)^2 + \left( dx^2 \right)^2 + \left( dx^3 \right)^2 = \eta_{\mu
\nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

onde escrevemos

(6)

$$
\eta_{\mu \nu} = \left( \begin{array}{cccc}
– 1 & 0 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 1 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 1 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 0 & 1
\end{array} \right) . \label{etaMikowsky}
$$
Por construção as transformações de Lorentz deixam invariante este intervalo. Estas transformações, dadas pelas equações 5, podem ser escrita da seguinte forma:
$$
x^{\prime 0} = \gamma \left( x^0 – \frac{v}{c} x^1 \right),
\hspace{1.5em} x^{\prime 2} = x^2
$$

$$
x^{\prime 1} = \gamma \left( x^1 – \frac{v}{c} x^0 \right), \hspace{1.5em} x^{\prime 3} = x^3 .
$$

Em forma matricial temos
$$
\left[ \begin{array}{c}
x^{\prime 0}\\
x^{\prime 1}\\
x^{\prime 2}\\
x^{\prime 3}
\end{array} \right] = \left[ \begin{array}{cccc}
\gamma & – \gamma v / c & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
– \gamma v / c & \gamma & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 1 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 1
\end{array} \right] \left[ \begin{array}{c}
x^0\\
x^1\\
x^2\\
x^3
\end{array} \right]
$$

ou ainda, em forma compacta,
$$
x^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} x^{\nu}, \hspace{0.75em} \mu = 0, 1, 2, 3;
$$

onde a soma sob o índice \(\nu\) está subentendida. A invariância do intervalo, \(ds^{\prime 2} = ds^2\) , implica em
$$
\eta_{\mu \nu} dx^{\prime \mu} dx^{\prime \nu} = \eta_{\mu \nu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu} dx^{\alpha} \Lambda_{\hspace{0.3em}
\beta}^{\nu} dx^{\beta} = \eta_{\mu \nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

e, por conseguinte, vale
$$
\eta_{\mu \nu} \Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \beta}^{\nu} = \eta_{\alpha \beta} .
$$

A exigência da invariância entre separações de eventos define uma métrica \(\eta\) no espaço-tempo, a chamada métrica de Minkowsky. Tomando \(\mathbf{x}\) e \(\mathbf{y}\) como vetores de \(M_4\) definimos uma aplicação bilinear e simétrica satisfazendo

  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) = \left|
    \mathbf{x} \right|^2\) , onde \(\left| \mathbf{x} \right|\) é a norma ou comprimento de \(\mathbf{x}\)
  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{y} \right) = \mathbf{\eta}
    \left( \mathbf{y, x} \right)\)
  • \(\eta \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) \hspace{0.75em} \left\{
    \begin{array}{c}
    = 0\\
    > 0\\
    < 0
    \end{array} \right. \begin{array}{c}
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo luz,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo espaço,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo tempo.}
    \end{array}\)
Tipo de vetores

Observe, no entanto, que ela não é positiva como a métrica euclidiana, definida pelo produto interno ou produto escalar. Dizemos que \(M_4\) é um espaço pseudo-euclidiano.

Usando como base de \(M_4\) os vetores \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\} = \left\{ \hat{t}, \hat{\imath}, \hat{\jmath},
\hat{k} \right\}\) podemos obter os componentes da métrica
$$
\eta_{\mu \nu} = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \mathbf{,
\hat{e}_{\nu}} \right) = \left\{
\begin{array}{cl}
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}_0} \right) & =
– 1\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_i \mathbf{, \hat{e}}_j \right) & =
\delta_{ij}\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}}_i \right) & =
0.
\end{array} \right. .
$$

São estes os componentes já exibidos na equação (5).

Observe que dois eventos ligados por um feixe de luz, como a emissão e captação de um fóton, por exemplo, estão separados por uma distância nula, ou seja, um vetor não nulo pode ter comprimento zero. Para ver isto fazemos
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 =
$$

$$
= dt^2 \left[ – c^2 + \frac{dx^2}{dt^2} + \frac{dy^2}{dt^2} +
\frac{dz^2}{dt^2} \right] = dt^2 \left[ – c^2 + v^2 \right] = 0
$$

já que para o fóton \(v = c. \hspace{0.75em}\) Observe ainda que um vetor pode ter norma negativa ou, ainda, um vetor não nulo pode ter norma nula.
Este é o caso de vetores sobre o cone de luz
$$
– c^2 t^2 + x^2 + y^2 + z^2 = 0,
$$

Figura 6: Cone de luz

ilustrado na figura 6. A partir de um evento colocado na origem \(O\), o espaço fica dividido em três regiões distintas: o futuro e o passado de \(O\) , dentro do cone, e uma região sem conexão causal com \(O\).

O passado é composto por pontos onde ocorreram eventos que podem influenciar o evento em \(O\) por meio de alguma interação causal. Por outro lado \(O\) pode influenciar todos os eventos dentro do cone do futuro. Nenhum evento fora do cone pode afetar \(O\) nem ser por ele afetado pois não podem estar conectados por nenhuma interação com velocidade menor ou igual à da luz. A velocidade da luz é uma velocidade limite para a transmissão de qualquer informação dentro do panorama de Relatividade Especial.

Vetores e tensores de M4

(8) Com frequência usaremos um abuso de linguagem, comum na literatura, dizendo que o vetor \(\mathbf{x}\) é simplesmente \(x^{\mu}\).

O espaço-tempo é um espaço vetorial de quatro dimensões onde a métrica ou produto interno foi definido de modo a manter invariante a separação entre eventos. Se \(\mathbf{x} \in M_4\) então \(\mathbf{x =} x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}\). Usaremos a notação(8)
$$
\mathbf{x =} \left( x^0, x^1, x^2, x^3 \right) \text{ ou, abreviadamente, } \mathbf{x =} \left\{ x^{\mu} \right\} .
$$

Observe que \(\mathbf{x}\) é um objeto geométrico que nada tem a ver com o sistema de coordenadas escolhido enquanto enquanto os componentes \(x^{\mu}\) dependem da escolha da base \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) e, portanto, do sistema de coordenadas utilzado. De acordo com a definição da norma temos
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x}
\right) = \mathbf{\eta} \left( x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, x^{\nu}
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu} \mathbf{\eta} \left(
\mathbf{\hat{e}}_{\mu}, \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu}
\eta_{\mu \nu}
$$

e, portanto, \(\mathbf{x}\) tem comprimento invariante sob transformações de Lorentz. Diremos que \(x^{\mu}\) são os componentes contravariantes do vetor enquanto
$$
x_{\mu} = \eta_{\mu \nu} x^{\nu}
$$

são os componentes covariantes. Observe que \(x_0 = \eta_{0 \nu} x^{\nu} = – x^0\) e que, com esta notação,
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = x^{\mu} x_{\mu} = – \left( x^0 \right)^2 +
x^i x_i = – \left( x^0 \right)^2 + \vec{x} \cdot \vec{x} .
$$

Se definirmos como \(\eta^{\mu \nu}\) como os componentes da matriz inversa de \(\mathbf{\eta,}\) de forma que
$$
\mathbf{\eta}^{- 1} \mathbf{\eta = I} \Rightarrow \eta^{\mu \alpha}
\eta_{\alpha \nu} = \delta_{\nu}^{\mu}
$$

então podemos retornar aos componentes contravariantes fazendo
$$
x^{\mu} = \eta^{\mu \nu} x_{\nu} .
$$

Definiremos como vetores de \(M_4\) todas as quantidades que se transformam da mesma forma que \(\mathbf{x.}\) O comprimento de todos os vetores, assim como o produto interno de dois vetores
$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{u}, \mathbf{v} \right) = \mathbf{\eta} \left(
u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, v^{\nu} \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) =
u^{\mu} v^{\nu} \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = u^{\mu} v^{\nu} \eta_{\mu \nu} = u^{\mu}
v_{\mu},
$$

denominado a contração de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{v,}\) são escalares, independentes do sistema de referência. Em particular será útil definir os vetores velocidade e momento, o que faremos a seguir.

Uma trajetória em \(M_4\) é uma curva parametrizada também chamada de linha mundo da partícula,
$$
P \left( \tau \right) = \mathbf{x} \left( \tau \right) = x^{\mu} \left(
\tau \right) \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(\tau\) é um parâmetro qualquer embora, com frequência, seja conveniente usar o tempo próprio. Como \(\mathbf{x}\) é um vetor de \(M_4\) então
$$
\mathbf{u =} \frac{d \mathbf{x}}{d \tau} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau}
\mathbf{\hat{e}}_{\mu} = u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}
$$

onde definimos
$$
u^{\mu} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau} .
$$

\(\mathbf{u,}\) a quadri-velocidade, é também um vetor, tangente à linha mundo. Seus componentes são
$$
u^0 = \frac{dx^0}{d \tau} = \frac{cdt}{d \tau} = \frac{c}{\sqrt{1 –
\beta^2}},
$$

$$
u^i = \frac{dx^i}{d \tau} = \frac{dt}{d \tau} \frac{dx^i}{dt} =
\frac{v^i}{\sqrt{1 – \beta^2}} .
$$

Portanto
$$
\mathbf{u} = \left( \frac{c}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_x}{\sqrt{1 –
\beta^2}}, \frac{v_y}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_z}{\sqrt{1 – \beta^2}}
\right) = \gamma \left( c, \hspace{0.75em} \vec{v} \right) .
$$

A partir desta velocidade construimos outro vetor paralelo à 4-velocidade, o 4-momento
$$
\mathbf{p =} m \mathbf{u} = mu^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(m\) é a massa da partícula. Seus componentes são
$$
\mathbf{p} = \left( \frac{mc}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{m \vec{v}}{\sqrt{1
– \beta^2}} \right) = m \gamma \left( c, \sim \vec{v} \right) .
$$

No referencial comóvel \(\vec{v} = 0\) e \(\gamma = 1\) e, portanto, estes vetores assumem as formas particulares
$$
u^{\mu} = \left( c, \vec{0} \right) \hspace{1.5em} \text{ e } \hspace{1.5em} p^{\mu} = \left( mc, \vec{0}
\right) .
$$

Como se verá \(\mathbf{p}\) é uma constante do movimento enquanto o momento linear tridimensional \(\vec{p} = m \vec{v} \mathbf{,}\) que é uma quantidade conservada classicamente, não se conserva na TRE. As normas de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{p,}\) em qualquer referencial inercial, são
$$
\left| \mathbf{u} \right|^2 \mathbf{=} u^{\mu} u_{\mu} = – \left( u^0
\right)^2 + u^i u_i = \gamma^2 \left( – c^2 + v^2 \right) = \frac{- c^2 +
v^2}{1 – \beta^2} = – c^2 ;
$$

$$
\left| \mathbf{p} \right|^2 = p^{\mu} p_{\mu} = m^2 u^{\mu} u_{\mu} = – m^2
c^2 .
$$

Tensores do espaço-tempo O mais simples dos tensores é um escalar, um tensor de ordem zero. Escalares são invariantes sob transformações de Lorentz, como ocorre com a separação de eventos \(ds^2\) , com o tempo próprio \(\tau\) , ou com a norma do vetor quadrivelocidade, \(\left| \mathbf{u} \right|^2 = – c^2\).

Um vetor é um tensor de ordem um, um objeto de quatro componentes que se transforme como \(x^{\mu}\) :
$$
A^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} A^{\nu} .
$$

O vetor quadri-velocidade e o quadri-momento são exemplos. Um tensor mais geral, de ordem \(r\) é um objeto com \(4^r\) componentes que se transforma deacordo com
$$
A^{\prime \alpha \beta \ldots \gamma} = \Lambda_{\mu}^{\alpha}
\Lambda_{\nu}^{\beta} \ldots \Lambda_{\rho}^{\gamma} A^{\mu \nu \ldots
\rho} .
$$

Um exemplo é o tensor formada pelo produto externo \(x^{\mu} x^{\nu}\).

 

Dinâmica Relativística

As Transformações de Lorentz


A teoria da relatividade afirma que observadores em movimento relativo concordam quanto à forma das equações que descrevem os fenômenos observados. é necessário então descobrir a lei de transformação que leva à descrição feita em um referencial para o outro. Matematicamente esta é uma transformação particular de coordenadas, que passamos a explorar.

Suponhamos que dois observadores em movimento relativo analisam um pulso de luz. Cada observador está em repouso nos referenciais \(S\) e \(S^{\prime}\) com origens respectivamente em \(O\) e \(O^{\prime} . \hspace{0.75em} S^{\prime}\) se move com velocidade \(v\) no direção do eixo \(Ox\) em relação a \(S\). Como a velocidade da luz é a mesma em todos os referenciais inerciais, o que foi demonstrado pelo experimento de Michelson-Morley, os observadores devem ver o pulso de luz se afastando de forma esférica. Se isto não fosse verdade um dos observadores seria capaz de determinar seu movimento relativo em relação ao outro, o que contradiz o princípio da relatividade. Consideremos ainda dois eventos infinitesimalmente próximos ligados por este raio de luz. Para os observadores em \(S\) e \(S^{\prime}\) estes eventos estarão separados por \(ds^{\prime}\) e \(ds^{\prime,}\) respectivamente dados por
$$
ds^2 = – dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2,
$$

$$
ds^{\prime 2} = – dt^{\prime 2} + dx^{\prime 2} + dy^{\prime 2} +
dz^{\prime 2} .
$$

(5) Na verdade esta conclusão é uma inferência. Experimentalmente não é possível
observar o movimento de uma partícula em um ambiente totalmente livre de campos de força.

(6) Transformação lineares levam retas em retas.

Devido à invariância da velocidade da luz estas separação deverão ser iguais, \(ds^{\prime 2} = ds^2\). Observamos que a transformação de Galileu não deixa invariante uma frente de onda de luz que satisfaz, no referencial em repouso com relação à fonte, a equação \(x^2 + y^2 + z^2 = c^2 t^2\). Sabemos da observação(5) que partículas livres seguem trajetórias que são linhas retas e isto deve ser preservado em qualquer referencial inercial. Procuramos então uma transformação linear(6) na forma de
$$
\begin{array}{cl}
x^{\prime} & = \alpha x + \mu t\\
y^{\prime} & = y\\
z^{\prime} & = z\\
t^{\prime} & = \lambda x + \delta t,
\end{array}
$$

onde \(\alpha, \hspace{0.75em} \beta, \hspace{0.75em} \gamma \hspace{0.75em} \text{e} \hspace{0.75em} \delta \hspace{0.75em} \) são constantes a determinar. Sem perda de generalidade podemos colocar o observador fixo na origem de \(S^{\prime}\) e, portanto, sua coordenada \(x^{\prime} = 0\) enquanto \(x\) será sua coordenada do ponto de vista do observador em \(S\). Como consequência
$$
x^{\prime} = \alpha x + \mu t = 0 \Rightarrow \frac{x}{t} = v = –
\frac{\mu}{\alpha} .
$$

Já um observador fixo na origem de \(S\) \(\left( x = 0 \right)\) terá em \( S^{\prime} \) as coordenadas
$$
x^{\prime} = – \alpha vt ; \hspace{0.75em} t^{\prime} = \delta t.
$$

O referencial \(S\) se afasta de \(S^{\prime}\) com velocidade \(– v\) e
$$
\frac{x^{\prime}}{t^{\prime}} = – v = – \frac{\alpha}{\delta} v
$$

e, portanto \(\alpha = \delta\). Resta descobrir \(\alpha\) e \(\gamma\) na transformação
$$
\begin{array}{cl}
x^{\prime} & = \alpha \left( x – vt \right)\\
t^{\prime} & = \lambda x + \alpha t.
\end{array}
$$

Para o observador em \(S^{\prime}\) a frente de onda será vista como
$$
x^{\prime 2} + y^{\prime 2} + z^{\prime 2} = c^2 t^{\prime 2} \Rightarrow
\alpha^2 \left( x – vt \right)^2 + y^2 + z^2 = c^2 \left( \lambda x +
\alpha t \right)^2 \Rightarrow
$$

$$
x^2 \left( \alpha^2 – \lambda^2 c^2 \right) + y^2 + z^2 – 2 xt \left(
\alpha^2 v + c^2 \alpha \lambda \right) = c^2 t^2 \left( \alpha^2 –
\alpha^2 v^2 / c^2 \right) .
$$

Para igualarmos esta expressão à \(x^2 + y^2 + z^2 = c^2 t^2\) devemos ter
$$
\alpha^2 – \lambda^2 c^2 = 1 ; \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \alpha^2 – \alpha^2 v^2 / c^2 ;
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \alpha^2 v
+ c^2 \alpha \lambda = 0,
$$

cuja solução é
$$
\alpha = \frac{1}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}}, \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \lambda = \frac{- v /
c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}} .
$$

As transformações de coordenadas que deixam invariante a frente de onda luminosa são as chamadas transformações de Lorentz e são dadas por

(5)

$$
x^{\prime} = \frac{x – vt}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y^{\prime} = y
$$

$$
t^{\prime} = \frac{t – vx / c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} z^{\prime} =
z. \label{TransfLorentz}
$$
As transformações inversas, para se transformar a descrição do referencial \(S^{\prime}\) para \(S\) , pode ser obtida simplesmente lembrando que \(S\) se move com velocidade \(– v\) em relação a \(S^{\prime}\). Portanto
$$
x = \frac{x^{\prime} + vt^{\prime}}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y = y^{\prime}
$$

$$
t = \frac{t^{\prime} + vx^{\prime} / c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c
\right)^2}}, \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} z = z^{\prime} .
$$

Revisando a contração espacial e dilatação temporal

Uma vez obtidas as transformações de Lorentz os efeitos da contração espacial e dilatação \ temporal se tornam mais fáceis de serem verificados. Suponha por exemplo, que queremos medir o comprimento de uma régua que tem uma ponta em \(x_1\) e a outra em \(x_2\). No referencial de repouso seu comprimento será
$$
L_0 = x_2 – x_1 .
$$

Para um observador em movimento, com velocidade \(v\) ao longo do comprimento da régua, seu comprimento será
$$
L = x_2^{\prime} \left( t^{\prime} \right) – x_1^{\prime} \left( t^{\prime}
\right) .
$$

Observe que as medidas de cada ponto devem ser feitas no mesmo instante, \(t^{\prime}\). De acordo com a transformação de Lorentz temos
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right) \Rightarrow x = \gamma \left(
x^{\prime} + vt^{\prime} \right)
$$

e, portanto,
$$
\begin{array}{cl}
x_2 = & \gamma \left( x_2^{\prime} + vt^{\prime} \right)\\
x_1 = & \gamma \left( x_1^{\prime} + vt^{\prime} \right)
\end{array} .
$$

Dai podemos concluir que o observador em movimento mede um comprimento \(L\) para a régua menor que o medido no referencial de repouso:
$$
L_0 = x_2 – x_1 = \gamma \left( x_2^{\prime} – x_1^{\prime} \right) =
\gamma L.
$$

Invariância da equação de onda

Um exercício interessante pode ser feito para mostrar que a equação a equação de onda para a luz é invariante sob a transformação de Lorentz. Das equações de Maxwell se pode deduzir que a luz obedece a equação
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^2} + \frac{\partial^2}{\partial y^2} +
\frac{\partial^2}{\partial z^2} – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial
t^2} \right] \Phi \left( x, y, z, t \right) = 0,
$$

que é a equação de onda se propagando com velocidade \(c\). Em um referencial em movimento \(S^{\prime}\) teremos
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} +
\frac{\partial^2}{\partial y^{\prime 2}} + \frac{\partial^2}{\partial
z^{\prime 2}} – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}}
\right] \Phi \left( x^{\prime}, y^{\prime}, z^{\prime}, t^{\prime} \right)
= 0
$$

sendo que \(\Phi\) é um escalar, satisfazendo portanto \(\Phi \left( x, y, z, t \right) = \Phi \left( x^{\prime}, y^{\prime}, z^{\prime}, t^{\prime} \right)\). Para simplificar as operações vamos considerar o caso de uma onda plana, com propagação na direção de \(x\) apenas, descrita por \(\Phi \left(x, t \right)\). Para relacionar as derivadas temos
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right) ; \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} t^{\prime} = \gamma \left( t – vx / c^2
\right),
$$

e, portanto, as derivadas espaciais e temporal em termos das novas
variáveis:
$$
\frac{\partial \Phi}{\partial x} = \frac{\partial \Phi}{\partial
x^{\prime}} \frac{\partial x^{\prime}}{\partial x} + \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} \frac{\partial t^{\prime}}{\partial x} = \gamma
\frac{\partial \Phi}{\partial x^{\prime}} – \frac{\gamma v}{c^2}
\frac{\partial \Phi}{\partial t^{\prime}},
$$

$$
\frac{\partial \Phi}{\partial t} = \frac{\partial \Phi}{\partial
x^{\prime}} \frac{\partial x^{\prime}}{\partial t} + \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} \frac{\partial t^{\prime}}{\partial t} = –
\gamma v \frac{\partial \Phi}{\partial x^{\prime}} + \gamma \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} .
$$

Os operadores derivadas se relacionam, nos dois sistemas de coordenadas, da seguinte forma:
$$
\frac{\partial}{\partial x} = \gamma \frac{\partial}{\partial x^{\prime}} –
\frac{\gamma v}{c^2} \frac{\partial}{\partial t^{\prime}} ;
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \frac{\partial}{\partial t}
= – \gamma v \frac{\partial}{\partial x^{\prime}} + \gamma
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} .
$$

Podemos construir a regra de transformação para as derivadas segundas,
$$
\frac{\partial^2}{\partial x^2} = \frac{\partial}{\partial x} \left(
\frac{\partial}{\partial x} \right) = \left( \gamma
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} – \gamma \frac{v}{c^2}
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) \left( \gamma
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} – \gamma \frac{v}{c^2}
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) =
$$

$$
= \gamma^2 \left( \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} – \frac{2
v}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime} \partial t^{\prime}} +
\frac{v^2}{c^4} \frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}} \right) ;
$$

$$
\frac{\partial^2}{\partial t^2} = \frac{\partial}{\partial t} \left(
\frac{\partial}{\partial t} \right) = \left( – \gamma v
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} + \gamma \frac{\partial}{\partial
t^{\prime}} \right) \left( – \gamma v \frac{\partial}{\partial x^{\prime}}
+ \gamma \frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) =
$$

$$
= \gamma^2 \left( v^2 \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} – 2 v
\frac{\partial^2}{\partial x^{\prime} \partial t^{\prime}} +
\frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}} \right) .
$$

Escrevendo a equação de onda no referencial em movimento temos
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^2} – \frac{1}{c^2}
\frac{\partial^2}{\partial t^2} \right] \Phi = 0 \Rightarrow
$$

$$
\gamma^2 \left[ \frac{\partial^2 \Phi}{\partial x^{\prime 2}} \left( 1 –
\frac{v^2}{c^2} \right) – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2 \Phi}{\partial
t^{\prime 2}} \left( 1 – \frac{v^2}{c^2} \right) \right] = 0,
$$

ou, simplesmente,
$$
\frac{\partial^2 \Phi}{\partial x^{\prime 2}} – \frac{1}{c^2}
\frac{\partial^2 \Phi}{\partial t^{\prime 2}} = 0,
$$

o que mostra a invariância da equação de onda sob transformações de Lorentz. De fato se pode mostrar que as equações de Maxwell são invariantes sob estas transformações. Lorentz deduziu corretamente a formas destas transformações à partir das equações do eletromagnetismo, mas não foi capaz de aplicá-las ao uso da mecânica, como fez Einstein.

Transformação de velocidades

A partir das transformações de Lorentz
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right), \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y^{\prime} = y, \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} z^{\prime} = z,
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} t^{\prime}
= \gamma \left( t – vx / c^2 \right),
$$

podemos obter uma expressão para a relação entre velocidades nos dois referenciais inerciais. Denotamos por
$$
u_x = dx / dt \text{e} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
u_x^{\prime} = dx^{\prime} / dt^{\prime}
$$

as velocidades em \(S\) e \(S^{\prime}\) respectivamente e calculamos as diferenciais
$$
dx^{\prime} = \gamma \left( dx – vdt \right), \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} dy^{\prime} = dy,
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} dz^{\prime}
= dz, \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
dt^{\prime} = \gamma \left( dt – v / c^2 dx \right) .
$$

O componente em \(x\) da velocidade é
$$
u_x^{\prime} = \frac{dx^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dx – vdt}{dt – v /
c^2 dx} = \frac{u_x – v}{1 – v / c^2 u_x} .
$$

Na última igualdade dividimos numerador e denominador por \(dt\). Da mesma forma podemos encontrar o componente \(y\) ,
$$
u_y^{\prime} = \frac{dy^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dy}{\gamma \left( dt
– v / c^2 dx \right)} = \frac{u_y}{\gamma \left( 1 – v / c^2 u_x \right)},
$$

e o componente \(z\) ,
$$
u_z^{\prime} = \frac{dz^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dz}{\gamma \left( dt
– v / c^2 dx \right)} = \frac{u_z}{\gamma \left( 1 – v / c^2 u_x \right)} .
$$

Isto mostra que os vetores velocidades não se somam da mesma forma que na mecânica de Newton.

Exemplo: Uma partícula A se move com velocidade \(v_A = 0, 5 c\) no referencial do laboratório, e emite uma partícula B com velocidade \(v_B = 0, 5 c\) em relação à sua própria velocidade. Qual a velocidade \(W\) da partícula B no laboratório? O laboratorio tem velocidade \(– v_A\) em relação a partícula:
$$
W = \frac{v_A + v_B}{1 + v_A v_B / c^2} = \frac{c}{1 + \left( 0, 5
\right)^2} = 0, 8 c.
$$

Tempo Próprio

Vimos que as medidas do tempo variam com a velocidade do observador que analisa o fenômeno sob consideração. O tempo próprio \(\tau\) de uma partícula é definido como o tempo medido por um observador que se move junto com a partícula, no chamado referencial comóvel. Neste caso \(dx = dy = dz = 0\) para o este observador. Como a separação em \(M_4\) é invariante temos, em comparação com um outro observador qualquer, temos que
$$
ds^2 = – c^2 d \tau^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2,
$$

ou seja,
$$
d \tau^2 = dt^2 – \frac{1}{c^2} \left( dx^2 – dy^2 – dz^2 \right) = \left(
1 – \frac{v^2}{c^2} \right) dt^2,
$$

onde foi feita a substituição
$$
v^2 = \left( \frac{dx}{dt} \right)^2 + \left( \frac{dy}{dt} \right)^2 +
\left( \frac{dz}{dt} \right)^2,
$$

sendo \(v\) a velocidade relativa entre os dois referenciais e, por conseguinte, a velocida da partícula estudada pelo observador não comóvel. Podemos ainda escrever
$$
d \tau = dt \sqrt{1 – \left( v / c \right)^2} = dt \sqrt{1 – \beta^2}
$$

e, como consequência
$$
\frac{dt}{d \tau} = \frac{1}{\sqrt{1 – \beta^2}} .
$$

O tempo próprio é um escalar
$$
d \tau^2 = \frac{- 1}{c^2} ds^2
$$

e portanto invariante sob mudanças de coordenadas que satisfazem as transformações de Lorentz. Por este motivo é um bom candidato a ser usado como parâmetro nas equações do movimento.

 

A estrutura do espaço-tempo

Consequências da invariância da velocidade da luz


Como veremos, a simples exigência de que a velocidade da luz seja a mesma quando medida por um observador em um referencial inercial qualquer implica em profundas consequências tanto para o entendimento da mecânica quanto da estrutura do espaço-tempo.

Simultaneidade

Considere a situação ilustrada na figura 2. Dois eventos ocorrem em \(P\) e \(P^{\prime}\) igualmente distantes do observador \(O\) que está em repouso. Está observador poderá, por exemplo, coletar luz emitida pelos eventos e concluirá que os eventos foram simultâneos.

Figura 2

Outro observador \(O^{\prime}\) está em movimento na direção da separação entre os eventos. Como os sinais de luz levam algum tempo para alcançá-lo ele terá se deslocado de \(\Delta x\) na direção de \( P^{\prime}\) e, portanto, afirmará que \(P^{\prime}\) ocorreu antes que \(P\). Isto mostra que a simultaneidade não é um conceito absoluto. No entanto um observador em movimento transversal com relação à separação \(PP^{\prime}\), com qualquer velocidade, afirmará que os eventos ocorreram ao mesmo tempo.

Dilatação temporal

Na apresentação da TRE Einstein muitas vezes considerou necessário descrever uma forma operacional para se medir uma determinada quantidade. Para medir um intervalo de tempo, por exemplo, nada melhor que construir um relógio de luz, dada a constância de sua velocidade para todos os referenciais inerciais. Considere que dois observadores medem um intervalo de tempo, um deles no referencial \(O\) que se move com velocidade v em relação a \(O^{\prime}\). Um sinal de luz é emitido do ponto \(P_1\) , refletido por um espelho e coletado de volta em \(P_2\) ,como ilustrado na figura 3.

Figura 3

O observador \(O\) carrega consigo o relógio de luz e verifica que o tempo completo de ida e volta do sinal de luz é \(T = 2 \Delta t\) onde
$$ \Delta t = \frac{L}{c} . $$

O observador \(O^{\prime}\) , por sua vez, vê o relógio passar com velocidade \(v\) e medirá um intervalo de tempo \(T^{\prime} = 2 \Delta t^{\prime}\). Observe na figura que, pelo teorema de Pitágoras, temos
$$
L^{\prime 2} + \left( v \Delta t^{\prime} \right)^2 = \left( c \Delta
t^{\prime} \right)^2
$$

e, portanto,
$$
L^{\prime 2} = \Delta t^{\prime 2} \left( c^2 – v^2 \right) .
$$

Concluimos dai que
$$
\Delta t^{\prime} = \frac{L^{\prime}}{\sqrt{c^2 – v^2}} =
\frac{L^{\prime}}{c} \frac{1}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}} .
$$

Observe que \(L^{\prime} = L\) , pois não há ambiguidade no comprimento de distâncias perpendiculares à direção do movimento, logo
$$
T = \frac{2 L}{c}, \hspace{0.75em} T^{\prime} = \frac{2 L}{c}
\frac{1}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}} .
$$

Concluimos que
$$
T^{\prime} = \frac{T}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
$$
ou seja, o observador \(O^{\prime}\) mede intervalos de tempo maiores para o relógio em movimento, se comparado com as medidas do observador \(O\) , que está em repouso em relação ao relógio.

Contração espacial

Colocamos agora uma régua para medir a distância entre \(P_1\) e \(P_2\) nos dois referenciais. No primeiro caso ilustrado na figura 4, um observador \(O^{\prime}\) em repouso em relaçao à régua vê o feixe de luz ser emitido em \(P_1\) e recoletado em \(P_2\).

Figura 4

Como, para este observador, o intervalo de tempo gasto pela luz para percorrer o trajeto de ida é volta é \(T^{\prime}\), dado pela equação 3, a distância medida é \(R_0 =\) \(\overline{P_1 P_2} = vT^{\prime}\). Do ponto de vista do observador em \(O\) o relógio está fixo enquanto régua se move com velocidade \(– v\) e o tempo envolvido é \(T\). Portanto a distância percorrida é \( R = vT. \) Como conclusão os dois observadores medem uma distância diferente, relacionadas por
$$
\frac{R_0}{R} = \frac{T^{\prime}}{T} = \frac{1}{\sqrt{1 – \left( v / c
\right)^2}},
$$

o que representa uma contração espacial no sentido do movimento. O observador em movimento em relação à régua, vê seu comprimento como
$$
R = \sqrt{1 – \left( v / c \right)^2} R_0,
$$

onde \(R_0\) é o comprimento obtido por um observador parado em relação à régua.

é costume se definir os seguintes termos para o uso no contexto da TRE. A velocidade relativa do referencial ou objeto em estudo é
$$
\beta = \frac{v}{c},
$$

enquando

(4)

$$
\gamma = \frac{1}{\sqrt{1 – \left( \frac{v}{c} \right)^2}} =
\frac{1}{\sqrt{1 – \beta^2}} . \label{Gamma}
$$
Com estas definições podemos escrever
$$
T^{\prime} = \gamma T^{\prime}, \text{} R^{\prime} = R \sqrt{1 – \beta^2} .
$$

Concluímos que dois observadores em movimento relativo obtém diferentes resultados para medidas de intervalos de tempo e de distância ao longo do movimento. Cada observador verá as réguas do outro com menores comprimentos e seus relógios batendo mais devagar. Este fenômeno é irrelevante para os objetos da experiência diária, que têm velocidades pequenas se comparadas à da luz. No entanto dentro de aceleradores de partículas é possível acelerar partículas até velocidades muito próximas de \(c\) e, nesta situação, os efeitos relativísticos se tornam importantes.

(4) Como veremos mais tarde, a velocidade da luz não pode ser atingida por uma partícula com massa não nula.

Inúmeros exemplos podem ser citados como comprovação experimental destes resultados. Dentro dos aceladores de partículas são produzidas partículas \(\tau\) (tau), que têm meia-vida aproximada de \(3, 05 \times 10^{- 13}\) s quando observadas por um observador em repouso no referencial do laboratório. Elas se apresentam com velocidades muito altas, bem próximas da velocidade da luz(4). Portanto, estas partículas não pode viajar em média uma distância superior a
$$
d = 3 \times 10^8 \hspace{0.25em} \text{m.s}^{- 1} \times 3, 05 \times
10^{- 13} \hspace{0.25em} \text{s} = 9, 15 \times 10^{- 5} \hspace{0.25em}
\text{m},
$$

antes que decaiam sob a forma de outras partículas. No entanto se observa que elas viajam por distâncias muito superiores a esta! A solução para o aparente paradoxo está na TRE. No referencial do laboratório as partículas estão em altas velocidades e por isto seus relógios internos batem mais devagar, permitindo uma viagem mais longa antes do decaimento. Para um referencial colocado sobre as partículas, o chamado referencial comóvel, o tempo flui inalterado mas as distâncias ao longo do movimento ficam contraídas e o resultado final é o mesmo.

Ambos os fenômenos dependem do fator \(\gamma\) definido acima. Partículas \(\tau\) geradas no SLAC, Stanford Linear Accelerator Collider atingem tipicamente \(\gamma = 20\) e as partículas viajam por uma distância média de
$$
20 \times (9, 15 \times 10^{- 5} \hspace{0.25em} \text{m}) = 1, 8 \times
10^{- 2} \hspace{0.25em} \text{m} \approx 1, 8 \hspace{0.25em}
\text{mm}.
$$

Na prática, em um laboratório, a medida do alcance média das partículas é usada para se calcular a meia-vida do \(\tau\).

 

As transformações de Lorentz

Fundamentos Históricos da TRE

Issac Newton

Até o final do século XIX a física se baseava sobre dois pilares: a mecânica de Newton e a sua teoria da gravitação universal e o eletromagnetismo propostos por Faraday e resumidos nas equações de Maxwell. Logo ficou claro, no entanto, que as equações do eletromagnetismo não eram invariantes sob as mesmas leis de transformação que deixavam inalteradas as equações de Newton, as transformações de Galileu. Em outras palavras os processos eletromagnéticos, tais como interação entre cargas e correntes ou a propagação das ondas eletromagnéticas, não são igualmente observados em todos os referenciais inerciais. Além disto Maxwell mostrou sem ambiguidade que a luz é uma onda que se propaga mesmo no vácuo. Deveria haver, portanto, um meio responsável por esta propagação. Formulou-se então o conceito de um sistema de referencial privilegiado que correspondia a este meio, em relação ao qual se poderia determinar o movimento absoluto de todos os corpos. A esse sistema ideal se chamou éter cósmico.

Diversas tentativas foram feitas para resolver a contradição. A primeira possibilidade consistia em considerar que o princípio da relatividade não era aplicável aos fenômenos electromagnéticos, ponto de vista defendido por G. Lorentz, o fundador da teoria eletrônica. Segundo esta visão um sistema inercial parado em relação ao éter é um sistema privilegiado, onde valem as leis de Maxwell. Somente neste sistema a velocidade da luz no vácuo é igual em todas as direções. A segunda possibilidade era a de alterar as equações de Maxwell para que se tornassem invariantes sob as transformações de Galileu, mantendo intactos os conceitos de espaço e tempo clássicos. Esta foi a abordagem adotada por G. Hertz, entre outros. Segundo ele o éter é arrastado pelos corpos em movimento de forma que os fenômenos eletromagnéticos ocorrem da mesma para observadores parados ou em movimento. O princípio da relatividade de Galileu fica assim preservado.

(3) A velocidade da luz, no vácuo, é de aproximadamente \(c = 3 \times 10^{10} cms^{-1}\).


De acordo com as leis da eletrodinâmica a luz é uma onda que se progaga no vácuo com velocidade igual(3) em todas as direções. Por outro lado, de acordo com a composição de velocidades da mecânica de Newton, a velocidade seria diferente se observada por observadores em movimento relativo à fonte. Diversos experimentos foram propostos para detectar este meio. Em 1881 os cientistas americanos Michelson e Morley, entre outros pesquisadores, construiram um aparato com o objetivo de descobrir a velocidade com que a Terra supostamente se desloca através do éter cósmico. O aparelho, representado esquematicamente na figura 1, consistia em uma fonte de luz em \(F\) , refletida por uma placa semi-espelhada \(M\) que divide o feixe de luz. Os espelhos \(M_1\) e \(M_2\) refletem de volta o feixe que é coletado pelo detetor em \(O\). Inicialmente um dos braços do instrumento foi alinhado com a direção de movimento da Terra, ficando o outro na perpendicular.

Experimento de Michelson e Morley

Qualquer atraso na coleta de um os feixes de luz causaria figuras de interferência formadas em \(F\) , observadas por meio do interferômetro de Michelson, o que dotava a montagem de alto grau de precisão. A experiência foi tentada para diversas orientações dos braços, em diferentes horas do dia e épocas do ano, sempre com resultado nulo. Esta é provalvelmente a mais famosa experiência a se tornar importante por seu resultado negativo! Não foi possível observar o movimento da Terra em relação ao éter e a hipótese da existência de um sistema de referência privilegiado foi rejeitada experimentalmente.

Uma terceira possibilidade para a solução do confito entre a teoria eletromagnética e a mecânica clássica consiste na rejeição das noções clássicas sobre o espaço e tempo, a reconstrução das equações do movimento e a manutenção das equações de Maxwell. Esta foi, como veremos, a atitude adotada por Einstein e que deu origem à TRE.

A teoria de Einstein foi construída sobre dois postulados:

  • A velocidade da luz é a mesma para todos os observadores, independentemente de seu movimento relativo.
  • As leis da física são as mesmas em qualquer referencial inercial.

O primeiro postulado estabelece que a velocidade da luz, que denotaremos por \(c\), é uma constante universal da natureza. Um feixe de luz disparado por uma fonte em alta velocidade terá a mesma velocidade que um feixe disparado por uma fonte em repouso, em relação ao observador. O segundo representa um conceito importante, mesmo para a física clássica, embora não tenha sido justamente discutido e considerado no contexto clássico, antes da apresentação da Relatividade. Ele se baseia no conceito de que as leis da natureza devem ser válidas para quaisquer observadores postados em diferentes referenciais referenciais. Em outras palavras a forma matemática sob que estas leis estão expresas deve ser invariante para os diversos observadores.

Einstein desenvolveu uma teoria do movimento consistente com a invariância da velocidade da luz e com as propriedades de transformação da teoria de Maxwell. Ela é denominada Teoria da Relatividade Especial para se diferenciar da Teoria da Relatividade Geral, que generaliza a teoria especial com leis que são invariantes sob transformações gerais de coordenadas.

Página manuscrita de Einstein sobre a Teoria da Relatividade Geral, publicada em Annalen der Physik in 1916.

A Teoria da Relatividade Geral (TRG) é uma generalização da TRE. Na primeira Einstein estudou a invariância das leis da mecânica sob todas as transformações entre referenciais inerciais, o que significa dizer que elas tem a mesma forma para todos os observadores inerciais. Na TRG ele levou adiante esse princípio para valer para todos os observadores, inerciais ou acelerados. O resultado dessa busca terminou por exigir um formalismo matemático já proposto pelo matemático Bernhard Riemann. A geometria Rimannaniana é uma generalização de espaços que não necessariamente satisfazem os postulados de Euclides.

A TRG leva a diversas conclusões surpreendentes como a de que relógios próximos de grandes massas batem mais devagar pois ali e espaço-tempo é curvo. Ela é a melhor descrição conhecida para a interação gravitacional, que é uma consequência da curvatura do espaço-tempo, causada pela matéria.

Como a gravitação é a força predominante em largas escalas, a TRG é o fundamento da Cosmologia Moderna. Ela também é importante na descrição da evoluções das estrelas e da formação de buracos negros.

 

    Equações de campo da Teoria da Relatividade Geral

Relatividade de Galileu

Relatividade de Galileu


O ponto de partida para a descrição matemática de uma lei da natureza é a definição de um sistema de referencial e de coordenadas. Na mecânica os referenciais inerciais são particularmente importantes pois neles as equações do movimento tomam sua forma mais simples. Referenciais inerciais são aqueles em que os observadores não estão sujeitos à ação de forças externas e, portanto, estão em repouso ou se deslocam em movimento retilíneo uniforme.

Pode parecer irrelevante incluir a coordenada tempo, t, nessa transformação, uma vez que ela fica inalterada em qualquer referencial. Não será esse o caso quando considerarmos a relatividade.

Estabeleceremos um sistema de coordenadas em um destes referenciais marcando cada “ponto”, que chamaremos de evento, com os números \((t, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z)\) descrevendo quando e onde o evento ocorreu.

Suponha que um observador no referencial \(S\) associa a um evento as coordenadas \((t, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z)\) enquanto outro, no referencial \(S \acute{}\) associa a um evento as coordenadas \((t^{\prime}, \hspace{0.25em} x^{\prime}, \hspace{0.25em} y^{\prime}, \hspace{0.25em} z^{\prime})\). Se o referencial \(S \acute{}\) se move em relação a \(S\) com velocidade \(v\) constante, por exemplo na direção do eixo \(x\), então os dois sistemas de coordenadas se relacionam da seguinte forma:

$$
\left\{ \begin{array}{cl}
t^{\prime} = & t\\
x^{\prime} = & x – vt\\
y^{\prime} = & y\\
z^{\prime} = & z.
\end{array} \right.
$$

No caso mais geral do referencial \(S^{\prime}\) com velocidade \(v = \left( v_x, \hspace{0.25em} v_y, \hspace{0.25em} v_z \right)\) em relação a \(S\) a regra de transformação de coordenadas e sua inversa são dadas respectivamente por
$$
\left\{ \begin{array}{cl}
t^{\prime} = & t\\
x^{\prime} = & x – v_x t\\
y^{\prime} = & y – v_y t\\
z^{\prime} = & z – v_z t.
\end{array} \right. \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \text{ e } \hspace{0.75em} \left\{
\begin{array}{cl}
t = & t^{\prime}\\
x = & x^{\prime} + v_x t\\
y = & y^{\prime} + v_y t\\
z = & z^{\prime} + v_z t.
\end{array} \right.
$$

Espaço-tempo clássico

Uma nota sobre o espaço onde a mecânica clássica atua pode ser interessante como uma preparação para o estudo da relatividade. Suponhamos que dois eventos \(P\) e \(P^{\prime}\) ocorrem respectivamente sob as coordenadas
$$
P = (t,\;x,\;y,\;z)\hspace{2.0em} \text{e}\hspace{2.0em} P^{\prime} = (t^{\prime},\;x^{\prime}, \;y^{\prime}, \;z^{\prime}).
$$

Podemos calcular as distâncias
$$
\begin{array}{cl}
\Delta t = & t^{\prime} – t\\
& \\
\Delta s = & \sqrt{\left( x^{\prime} – x \right)^2 + \left( y^{\prime} –
y \right)^2 + \left( z^{\prime} – z \right)^2}
\end{array}
$$

que são as mesmas para qualquer observador que as observe. Na mecânica de Newton tempo é universal e independe do movimento do observador. O afastamento espacial entre os eventos, \(\Delta s\), é um objeto geométrico, invariante para qualquer sistema de coordenada que possamos usar. Dizemos que esta distância é invariante sob reparametrizações do espaço. Podemos escrever sob forma matricial
$$
\Delta s^2 = \Delta x^2 + \Delta y^2 + \Delta z^2 = \left( \Delta x
\hspace{0.75em} \Delta y \hspace{0.75em} \Delta z \right) \left(
\begin{array}{ccc}
1 & 0 & 0\\
0 & 1 & 0\\
0 & 0 & 1
\end{array} \right) \left( \begin{array}{c}
\Delta x\\
\Delta y\\
\Delta z
\end{array} \right)
$$

ou, alternativamente \(\Delta s^2 = \sum_{i, j} \Delta x^i \Delta x^j \delta_{ij} = \Delta x^i \Delta x^j \delta_{ij}\), onde \(\delta_{ij}\) são os componentes da métrica de Euclides,
$$
\delta_{ij} = \left( \begin{array}{ccc}
1 & 0 & 0\\
0 & 1 & 0\\
0 & 0 & 1
\end{array} \right) \hspace{4pt}\text{ ou } \hspace{4pt} \delta_{ij} = \left\{
\begin{array}{cl}
1 & \hspace{4pt}\text{ se } \hspace{4pt} i = j\\
0 & \hspace{4pt}\text{ se } \hspace{4pt} i \neq j
\end{array} \right.
$$

e a convenção de Einstein foi usada para indicar a soma sobre as quantidades com índices repetidos. Isto mostra que o espaço onde ocorrem os fenômenos clássicos é o produto cartesiano de \(I \hspace{-4pt} R^3\), um espaço euclidiano de três dimensões mais uma dimensão temporal.

Uma revisão adicional pode tornar mais fácil o estudo a seguir. Sendo \(I \hspace{-4pt} R^3\) um espaço vetorial escolhemos nele a base ortonormal canônica
$$
\left\{ \mathbf{\hat{e}}_i \right\} = \left\{ \hat{\imath}, \hat{\jmath}, \hat{k} \right\}.
$$

Qualquer vetor de \(I \hspace{-4pt} R^3\) pode ser escrito como uma combinação linear dos vetores da base
$$
\vec{v} = \sum^3_{i = 1} v^i \mathbf{\hat{e}}_i = v^i \mathbf{\hat{e}}_i.
$$

Neste espaço definimos o produto interno ou produto escalar, uma aplicação bilinear, simétrica e positiva definida, com o seguinte efeito sobre os vetores da base ortonormal,
$$
\left\langle \mathbf{\hat{e}}_i, \mathbf{\hat{e}}_j \right\rangle = \delta_{ij}.
$$

Então, se \(\vec{u} = u^i \mathbf{\hat{e}}_i\) é outro vetor temos
$$
\left\langle \vec{u}, \vec{v} \right\rangle = \left\langle u^i
\mathbf{\hat{e}}_i, v^j \mathbf{\hat{e}}_j \right\rangle = u^i v^j
\left\langle \mathbf{\hat{e}}_i, \mathbf{\hat{e}}_j \right\rangle = u^i v^j
\delta_{ij},
$$

que é o produto escalar usual \(\left\langle \vec{u}, \vec{v} \right\rangle = u^1 v^1 + u^2 v^2 + u^3 v^3\). A norma ou comprimento de um vetor é
$$
\left| \vec{u} \right| = \sqrt{\left\langle \vec{u}, \vec{u} \right\rangle}
= \sqrt{\left( u^1 \right)^2 + \left( u^2 \right)^2 + \left( u^3 \right)^2}.
$$

As equações do movimento

Vamos denotar por \(\vec{r} = \left( x, y, z \right)\) o vetor posição de um ponto em \(I \hspace{-4pt} R^3\). Uma trajetória neste espaço, percorrida por uma partícula, pode ser representada por uma curva parametrizada sob a forma
$$
\vec{r} \left( t \right) = \left( x \left( t \right), y \left( t \right), z \left( t \right) \right),
$$

sendo que o parâmetro \(t\) é o tempo. Sua velocidade é definida como a variação instantânea da posição com o tempo, ou seja
$$
\vec{v} (t) = \frac{d}{dt} \vec{r} \left( t \right) = \left( \dot{x}
\left( t \right), \dot{y} \left( t \right), \dot{z} \left( t \right) \right)
$$

onde a notação \(\mathbf{\dot{x}}\) foi introduzida para indicar a derivada com relação ao tempo. A aceleração de uma partícula é a derivada segunda
$$
\vec{a} (t) = \frac{d^2}{dt^2} \vec{r} \left( t \right) = \left( \ddot{x}
\left( t \right), \ddot{y} \left( t \right), \ddot{z} \left( t \right) \right).
$$

A equação de Newton uma equação diferencial
$$
\vec{F} = m \vec{a} (t),
$$

cuja solução é a trajetória da partícula.

Exemplo: Na teoria de Newton as trajetórias de partículas livres, i.e., não submetidas a nenhuma força, são retas de \(I \hspace{-4pt} R^3\). Temos
$$
\vec{F} = 0 \Rightarrow \vec{a} = 0,
$$

o que representa três equações diferenciais
$$
\ddot{x} \left( t \right) = 0, \hspace{0.75em} \ddot{y} \left( t \right) = 0, \hspace{0.75em} \ddot{z} \left( t \right) = 0,
$$

com soluções
$$
x \left( t \right) = at + b, \hspace{0.75em} y \left( t \right) = ct + d, \hspace{0.75em} z \left( t \right) = et + f,
$$

onde \(a, \hspace{0.3em} b, \hspace{0.3em}c, \hspace{0.3em}d, \hspace{0.3em}e, \hspace{0.3em}f \)
são constantes que podem ser determinadas pelas condições iniciais. Observe que
$$
\vec{r} \left( 0 \right) = \vec{r}_0 = \left( b, \hspace{0.25em} d,
\hspace{0.25em} f \right) \hspace{0.8em} \text{e} \hspace{0.8em} \vec{v} \left( 0 \right) = \vec{v}_0 =
\left( a, \hspace{0.25em} c, \hspace{0.25em} e \right)
$$

são, respectivamente, a posição e a velocidade inicial da partícula.

Para calcular a distância percorrida podemos usar a fórmula do comprimento de arco \(s\), obtida da seguinte forma: para variações infinitesimais do parâmetro \(t\) o arco tem o comprimento infinitesimal
$$
ds^2 = dx^2 + dy^2 + dz^2 = \left[ \left( \frac{dx}{dt} \right)^2 + \left(
\frac{dy}{dt} \right)^2 + \left( \frac{dy}{dt} \right)^2 \right] dt^2
$$

pois cada função coordenada é função de \(t\) apenas e \(dx = \left( dx / dt \right) dt\) , e análogos para \(y\) e \(z\). Para uma varição finita do parâmetro encontramos o comprimento de arco por meio da integral definida
$$
s = \int_{t_1}^{t_2} \sqrt{\dot{x}^2 + \dot{y}^2 + \dot{z}^2} dt,
$$

que é a distância total percorrida pela partícula.

A energia cinética de uma partícula é um escalar, definido como
$$
T = \frac{1}{2} mv^2
$$

onde \(v = \left| \vec{v} \right| = \sqrt{\dot{x}^2 + \dot{y}^2 + \dot{z}^2}\) , enquanto o momento linear de uma partícula é o vetor
$$
\vec{p} = m \vec{v} \mathbf{=} m \left( \dot{x}, \dot{y}, \dot{z} \right) .
$$

Podemos portanto escrever a equação de movimento de Newton como
$$
\vec{F} = \frac{d \vec{p}}{dt},
$$

válida mesmo que a massa não seja uma constante. Para uma partícula de massa constante temos uma relação entre a energia cinética e o
momento que será útil futuramente. Lembrando que \(v^2 =\) \(\vec{v} \mathbf{.} \vec{v} \mathbf{}\) temos que a taxa de variação de \(T\) com o tempo é

$$
\frac{dT}{dt} = \frac{1}{2} m \frac{d}{dt} \left( \vec{v} \mathbf{.}
\vec{v} \right) = m \vec{v} \mathbf{.} \frac{d \vec{v}}{dt} = \vec{v} .
\vec{F} . \label{energiacinetica}
$$
Para um sistema de \(N\) partículas temos que a energia cinética e o momento são as somas
$$
T = \sum_{i = 1}^N \frac{1}{2} m_i v_i^2, \vec{p} = \sum_{i = 1}^N m_i
\vec{v}_i .
$$

Estas definições de energia e momento são motivadas pelo fato experimental de que a soma das energias, cinética e potencial, e o momento são quantidades que se conservam durante a trajetória de uma partícula ou de um sistema de partículas.

Exercícios

  • Faça um esboço da trajetória em \(I \hspace{-4pt} R^2\) descrita em forma paramétrica por
    $$
    \mathbf{x} \left( t \right) = \left( R \cos \omega t, R \textit{sen} \omega t \right)
    $$
    Mostre que a aceleração, neste caso, é sempre perpendicular á velocidade.
  • Faça um esboço da trajetória em \(I \hspace{-4pt} R^3\) descrita em forma paramétrica por
    $$
    \mathbf{x} \left( t \right) = \left( \cos \omega t, \textit{sen} \omega t,
    t \right) .
    $$
  • Encontre o comprimento da trajetória acima de \(t = 0\) até \(t = 1\).

 

Consequências da invariância da velocidade da luz

Teoria da Relatividade Especial

Einstein andando de bicicleta em Santa Barbara, CA, quando estava visitando o EUA. Nessa época Hitler chegou ao poder e Einstein não retornou à Alemanha.

A Teoria da Relatividade de Einstein, tanto em sua versão Especial como Geral, revolucionou a física no início do século XX. Embora boa parte do formalismo matemático necessário já estivessem pronto, a comunidade científica da época não percebeu o significado do trabalho feito por Michelson e Morley, Lorentz, Poincaré e outros.

A teoria não foi imediatamente aceita na comunidade. Por violar diversos conceitos considerados essenciais à teoria clássica ela foi rejeitada, inclusive na própria Alemanha, onde nasceu Einstein, sendo atacada como física judaica. Hoje a teoria é essencial para quase todos as áreas da física, principalmente na pesquisa de ponta que integra a relatividade com a física quântica.


“Após dez anos de reflexões tal princípio emergiu de um paradoxo que eu já tinha antevisto quando tinha 16 anos: se eu perseguir um feixe de luz com a mesma velocidade que uma frente de onda (a velocidade da luz no vácuo) então eu deveria observar este feixe como um campo eletromagnético constante e periódico no espaço. No entanto tal coisa não parece existir, nem com base na experimentação nem de acordo com as equações de Maxwell…” Einstein (1951)“Daqui por diante o espaço e o tempo estão fadados a desaparecer como meras sombras e apenas um tipo de união entre os dois terá preservada sua realidade independente” Minkowski, 1908.“As coisas mais maravilhosas que podemos experimentar são as misteriosas. Elas são a origem de toda verdadeira arte e ciência. Aquele para quem essa sensação é um estranho, aquele que não mais consegue parar para admirar e extasiar-se em veneração, é como se estivesse morto: seus olhos estão fechados.”

Introdução

(1) O Cálculo foi desenvolvido simultâneamente e de forma independente por Leibniz. Muitos outros matemáticos contribuíram para o aperfeiçoamente desta disciplina.

A Mecânica é o ramo da física que estuda a ação das forças sobre os corpos e o comportamento dos sistemas materiais sujeitos à atuação dessas forças. Seus fundamentos foram lançados por Issac Newton no século XVII, apoiado sobre as contribuições de Galileu, Copérnico e Kepler. Para descrever com precisão a teoria recém elaborada Newton desenvolveu o formalismo matemático do Cálculo Diferencial e Integral(1).A mecânica de Newton é baseada em três axiomas fundamentais:

  • A lei da inércia, esboçada previamente por Galileu: um corpo não submetido à ação de forças externas conserva seu estado de repouso ou movimento.
  • Um corpo de massa \(m\) submetido à ação de uma força externa \(\vec{F}\) modifica estado de movimento de acordo com a relação$$\vec{F} = m \vec{a} \mathbf{,} $$onde \(\vec{a}\) é o vetor aceleração deste corpo. A massa é uma constante de proporcionalidade que exprime a relação entre a força aplicada e a aceleração obtida.
  • A lei de ação e reação: todo corpo A, submetido a uma força aplicada por outro corpo B, aplicará sobre o último uma força de mesma intensidade e sentido contrário.
(2) Esse axioma foi questionado e revisto pela Teoria da Relatividade de Einstein.

Três importantes teoremas de conservação são resultantes destes postulados:

  • Todo sistema físico fechado contém uma quantidade de matéria invariante(2), independentemente dos processos que ali ocorrem.
  • Sistemas com simetria linear em alguma direção exibem conservação do momento linear relativo a esta direção. Sistemas isotrópicos, com simetria por rotações em torno de algum eixo exibem conservação do momento angular relativo a este eixo.
  • A energia total em um sistema fechado é constante.

A mecânica de Newton, ou mecânica clássica, é uma teoria testada com alto grau de precisão para uma ampla faixa de experimentos. Ele descreve com excelente prescisão o movimento de bolas de bilhar, automóveis, satélites artificiais e o movimento planetário. Existe, no entanto, diversos fenômenos observados que não se encaixam dentro do panorama clássico, em particular os fenômenos relativos à átomos e moléculas,bem como às partículas subatômicas, e aqueles que envolvem partículas com velocidades muito altas, comparáveis à velocidade daluz. A primeira classe destes fenômenos foi corretamente descrita no finaldo século XIX e início do século XX por meio da Mecânica Quântica. A segunda foi encontrada por Albert Einstein.

Em 1905 Einstein publicou três artigos que revolucionaram a ciência física e abriram novas frentes em pesquisa fundamental. Um deles tratava do movimento browniano, em outro Einstein apresentava uma solução para o problema do efeito fotoelétrico que representou um impulso na formulação da teoria quântica. No terceiro ele apresentava a solução para uma divergência encontrada há algum tempo entre as teorias do eletromagnetismo de Maxwell e a mecânica de Newton. As duas teorias, embora estivessem ambas bem fundamentadas teórica e experimentalmente, não eram compatíveis entre si. Devido a crença profunda de que a teoria de Newton, capaz de descrever com precisão os movimentos observados na experiência diária, estava correta, a comunidade científica preferia manter inalterada a mecânica clássica e buscar por modificações da teoria eletromagnética.

Einstein e Bohr

Einstein, por outro lado, estivera interessado sobre como veria uma frente de onda luminosa se estivesse viajando com ela, na mesma velocidade. Ele compreendeu que a teoria de Maxwell estava correta e que, para altas velocidades quando comparadas à velocidade da luz, a mecânica deveria ser modificada. Desta forma ele desenvolveu a Teoria da Relatividade Especial, que passaremos a designar simplesmente por TRE.

Esta teoria se baseia em uma afirmação fundamental: a velocidade da luz é a mesma para qualquer observador, independentemente de sua velocidade. As consequências disto são curiosas. Um comprimento ao longo da direção do movimento se torna mais curto e relógios em movimento batem mais devagar. Espaço e tempo são aspectos de um mesmo fenômeno. Outro efeito interessante previsto é o de que a massa de um objeto aumenta, tendendo a infinito quando sua velocidade se aproxima da velocidade da luz. Este fenômeno é observado, por exemplo, dentro de um acelerador de partículas. Einstein mostrou ainda que matéria e energia são dois aspectos de uma mesmo princípio, podendo ser transformadas uma na outra, como ocorre dentro de um reator nuclear, de uma bomba de hidrogênio ou no interior de uma estrela.

A descoberta da teoria da relatividade não implica em que a teoria de Newton está incorreta. Pelo contrário, as equações clássicas do movimento estão contidas nas equações relativísticas como um caso particular, em situações onde as velocidades envolvidas são pequenas quando comparadas à velocidade da luz. Elas descrevem corretamente, ou com excelente aproximação, os fenômenos que ocorrem no cotidiano. Para o movimento em altas velocidades, tais como o que acontece dentro dos aceleradores de partículas, nas partículas cósmicas que atingem a atmosfera da Terra ou no interior de estrelas superquentes torna-se necessário usar a TRE que, sob estas condições, tem sido testada em inúmeros experimentos, com grande grau de precisão.

Fundamentos Históricos da TRE

Universo e Multiverso

De rerum natura
Página de abertura de cópia manuscrita em 1483 do De Rerum Natura

A palavra universo é derivada do Latim universum, originada da contração poética Unvorsum usada por Lucrécio em seu livro De rerum natura (Sobre a natureza das coisas). Ela combina o prefixo uni (um) com vorsum que significa “o que se moveu, girou ou se alterou”. O imagem do todo se movendo como unidade em círculos tem raiz no pensamento grego antigo que visualizava as estrelas e objetos celestes fixos sobre esferas girando em torno do observador humano.

A descrição moderna do universo e sua história é baseada principalmente na Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein que descreve a gravitação por meio da curvatura do espaço-tempo. Em escalas cósmicas a gravitação é a única força relevante e a TRG é a ferramenta apropriada para descrever o universo como um todo. Sob a restrição de algumas hipóteses básicas, tais como a de ser a matéria uniformemente distribuída pelo espaço em grande escala, a teoria indica que o universo não pode ser estático – ele deve estar se contraindo ou expandindo. A verificação observacional desta afirmação se deu com a descoberta de Edwin Hubble, em 1029, de que todas as galáxias, exceto aquelas que estão muito próximas da nossa, estão se afastando e a velocidade de afastamento é proporcional à sua distância. As medidas da velocidade de afastamento permitem calcular a quanto tempo toda a matéria e energia estavam condensadas em um volume muito pequeno, denominado de Big Bang ou Grande Explosão, o que ocorreu a aproximadamente 14 bilhões de anos. As hipóteses iniciais, a distribuição uniforme da matéria por exemplo, são verificadas com alto grau de precisão e o modelo ganhou o título de Modelo Padrão por explicar grande número de características hoje observadas.

Embora eficiente para explicar muitas coisas observadas ele não é completo. Não é possível, por exemplo, explicar porque a matéria, a energia e a temperatura estão distribuídas de forma tão uniforme pelo espaço. Não existe uma explicação natural do porque a explosão ocorreu em um determinado momento e nem de onde vem toda a energia necessária para provocar o surgimento de tudo o que vemos hoje. Além disto, entre outros problemas, não temos indicações do motivo de serem as constantes da física finamente ajustadas como são, o suficiente para permitir o surgimento da matéria como a conhecemos e a evolução hoje verificada.

Para descrever o conteúdo material deste universo é necessário lançar mão das teorias existentes da matéria, em particular a teoria quântica das partículas e campos. Estes campos serviram para explicar uma expansão muito rápida em um universo jovem (dentro do primeiro segundo após o Big Bang), no que consiste o modelo inflacionário. A rápida expansão tem o efeito de explicar a homogeneidade, além de estar em plena conformidade com a descrição de como pequenas ondulações ou desvios desta homogeneidade deram origem às grandes estruturas, galáxias e aglomerados. A energia escura foi adicionada mais tarde, sem uma motivação ou esclarecimento teórico mais profundo, mas necessária para explicar a aceleração hoje observada.

Apesar de que, por definição, a palavra Universo expresse um conceito que engloba todas as coisas que existem, em algumas situações surgem na física propostas de inclusão da existência de partes do Universo ou mesmo de outros Universos que poderiam não estão em conexão direta com a nossa realidade. Muitas destas propostas visam corrigir os defeitos do modelo cosmológico padrão. Observe, entretanto, que o conceito de multiversos é altamente especulativo e não deve ser tomado como parte integrante das teorias testadas e aceitas pela comunidade científica.

É importante compreender que a ciência lida com objetos que podem ser verificados por meio da experimentação ou da observação. Qualquer afirmação, esteja ela correta ou não, que não possa ser refutada ou confirmada permanece fora da fronteira do que se pode considerar científico. Desta forma a afirmação de que existem universos paralelos que não interferem em nada com o universo observável constitui uma proposta metafísica ou filosófica até que a sua verificação possa ser efetuada. Esta é a posição de muitos pesquisadores atuais, entre eles o físico inglês Paul Davies, atualmente professor na Universidade do Arizona, que afirmou: “Explicações radicais sobre o multiverso são uma reminiscência de discussões teológicas”.

(1) Como todo sinal ou interação entre partículas se dá, no máximo, com a velocidade finita da luz, dois objetos podem estar separados de tal forma que um não poderá jamais interagir com o outro, causando nele qualquer alteração. Estas são as chamadas separações tipo-espaço. Nada do que ocorre em uma região deste tipo pode ser percebido por nós.

No entanto, mesmo modelos do universo bastante conservadores podem incluir regiões desconectadas umas das outras. Até mesmo em um universo simples que satisfaz apenas à Relatividade Restrita, um mundo sem curvaturas nem dimensões extraordinárias, existem regiões causalmente desconectadas1. O cosmólogo sueco Max Tegmark, professor do Instituto de Tecnologia de Massachussets, preparou uma classificação de teorias que incluem universos com partes ou setores fora do alcance de nosso universo observável. Fazem parte deste grupo de hipóteses os modelos inflacionários onde pequenas regiões do espaço poderiam entrar em uma rápida expansão causada por campos quânticos locais formando novos universos como bolhas desconectadas do universo matriz. Estas bolhas possuem interesse teórico por permitirem a possibilidade da existência de muitos universos, cada um contendo valores diferentes para as diversas constantes cujos valores não podem ser ainda explicadas pela física. Entre muitos universos o nosso seria aquele onde as constantes são exatamente ajustadas para permitir surgimento da matéria e sua evolução em elementos de números atômicos crescentes, depois para o surgimento da vida e, finalmente, da consciência.

Outra possibilidade de multiversos é encontrada em modelos cíclicos, com a possibilidade de nosso universo interromper sua expansão e entrar em fase de contração, seguida de colapso e uma eventual nova explosão, em ciclos eternos. Este modelo esbarra na verificação recente de que o universo atual não está em processo de desaceleração e sim de expansão acelerada.

Um multiverso diferente mas igualmente intrigante é sugerido por uma curiosa interpretação da física quântica chamada interpretação de muitos mundos, uma das diversas tentativas de se encontrar a explicação por trás do mecanismo probabilístico no mundo quântico. Resumidamente este modelo sugere que os vários resultados possíveis de um experimento ocorrem em mundos diferentes. Um exemplo pode esclarecer a questão: o spin de um elétron é uma propriedade quântica que ocorre em dois estados, geralmente denominados para baixo e para cima (up e down). Antes de medir um spin não se sabe em que estado ele se encontra. Se uma medida é realizada verificamos que ele se encontra em um dos estados, digamos, com o spin para cima. Na interpretação de muitos mundos existe um outro universo onde o elétron está com o spin para baixo e a nossa medida teria provocado a escolha por um dos mundos possíveis.

Neil Turok

O conceito de multiverso ganhou um impulso importante na década de 2000 com a proposta de Paul Steinhardt, professor de astrofísica na Universidade de Princeton, e Neil Turok, professor de física matemática em Cambridge. Steinhardt e Turok buscavam explicar as características atuais observadas, principalmente a homogeneidade e a ação de energia e matéria escuras. Eles sugeriram um universo eterno e cíclico sem a necessidade da contração e colapso do universo atual.
O modelo matemático proposto é complexo mas fornece imagens interessantes. O universo seria composto por duas folhas paralelas e infinitas separadas por uma distância microscópica. Em uma das folhas está o espaço-tempo onde vivemos. A separação entre elas se dá em uma dimensão extra que não podemos ver nem testar experimentalmente com a tecnologia hoje existente. As folhas estão se expandindo em acordo com o modelo padrão. A temperatura ou densidade de matéria nunca seriam infinitas como sugere o modelo padrão. Em cada um dos ciclos o universo se inicia com uma explosão, com alta densidade de matéria-radiação e atravessa um período de expansão e resfriamento similares ao que ocorre no modelo padrão e que explica muitas características hoje observadas. Este modelo substitui a energia escura e o campo inflacionário por um único campo que oscila de forma a provocar a expansão e, mais tarde, sua desaceleração. Por isso ele requer menor quantidade de hipóteses, o que é visto como algo positivo pela mentalidade científica. Ele combina conceitos físicos bem estabelecidos com outros que são teoricamente bem aceitos mas ainda não verificados na observação, tais como a teoria das cordas e membranas, ambas destinadas a solucionar o problema da unificação entre o campo gravitacional e os demais campos.

(2) A decaimento da energia armazenada em um campo sob forma de matéria ou radiação é previsto na Relatividade Especial, e é dada pela equação E = mc2.

Quando o universo atinge aproximadamente a idade atual, 14 bilhões de anos após a explosão, a expansão é acelerada. Isto resolveria um dos principais problemas do modelo padrão onde um universo constituído apenas de matéria comum só poderia se desacelerar, uma vez que a gravitação é apenas atrativa e cada galáxia atrai todas as demais, contrariamente ao que hoje se observa. Trilhões de anos mais tarde o universo com o mesmo conteúdo de matéria-energia tem um volume muito grande e, por isto, baixa densidade e temperatura, e a expansão é interrompida. Neste ponto, segundo o modelo, um campo de energia que existe por todo o universo decai2 sob a forma de matéria e radiação, dando origem a um novo big-bang e um novo ciclo dai decorrente. As folhas interromperão sua expansão e começarão a se aproximar uma da outra com o colapso da quinta dimensão (que começará a se encolher). Elas entram em colisão de forma não completamente homogênea, uma vez que as oscilações quânticas provocam ondulações no espaço, e se repelirão, como se rebatidas ou quicadas, um efeito também quântico. O impacto da colisão transferirá sua energia para preencher mais uma vez o espaço com a matéria-energia quente e densa, em um novo Big Bang. A explosão provoca a retomada da expansão e um novo ciclo de resfriamento, aglutinação de estrelas e galáxias e formação de um novo universo similar ao atual.

O modelo Steinhardt e Turok

Não é fácil compreender o significado da expansão do espaço-tempo. Se for infinito ele não fica maior mas a separação entre pontos deste espaço é crescente, o que é percebido pelo afastamento das galáxias. As folhas ou membranas não são universos paralelos, como propõem outro grupo de teorias. Elas são partes de um mesmo universo, uma delas contendo a matéria comum que conhecemos e a outra com conteúdo que permanece, por enquanto, desconhecido. As duas folhas interagem apenas por meio da gravidade, objetos com massa em uma folha atraindo a matéria que se encontra na outra, algo que poderá vir a ser uma explicação para a presença da matéria escura, cujo efeito sobre a matéria comum é observado no universo atual e modifica o movimento dos objetos celestes.

Alguns pesquisadores consideram este modelo um avanço por ele fornecer respostas, ou pelo menos indicações de respostas, para problemas não resolvidos no modelo padrão. No panorama atual não há qualquer indicação sobre o que existia antes da Grande Explosão, sobre o que deu origem à matéria hoje observada, ou porque e como o campo primordial entrou em relaxamento cedendo sua energia para a formação da matéria. Além disto o modelo reproduz corretamente a descrição padrão no intervalo de tempo entre o Big Bang e o presente. Mas ainda não se pode concluir que suas demais previsões estejam corretas. Ele permanece como uma conjectura bastante especulativa, mas uma possibilidade que pode um dia ser comprovada ou levar à novos paradigmas do entendimento.

(3) Para uma diferenciação entre modelos, teorias especulativas e teorias comprovadas leia Teoria, Hipótese e Modelo em Física.

Historicamente os grandes avanços proporcionados pelo sucesso teórico de Einstein levaram muito estudiosos a investir tempo e esforço em propostas especulativas, muitas vezes distanciadas do observado e que permanecem muitos anos sem serem verificadas ou descartadas. Infelizmente a divulgação científica em nosso país é deficiente e notícias sobre modelos especulativos, como o de Turok, acabam por criar confusão para aqueles que buscam se informar sobre ciência moderna. A especulação é válida, interessante e pode ensinar muito sobre o avanço científico. No entanto, divulgadores e leitores devem manter em mente uma clara distinção entre as abordagens especulativas e o conteúdo científico verificado e aceito3.

Resta aos proponentes deste modelo aperfeiçoá-lo e extrair dele novos comportamentos que possam ser observados e que não são explicados por nenhuma das demais teorias candidatas. O fato de que existe um modelo matemático internamente consistente é uma boa motivação para que novos pesquisadores se dediquem a aprofundar o entendimento deste modelo, refazendo alguns aspectos e explorando suas consequências. No entanto a consistência lógica e matemática não é suficiente. Ela deve ser extendida para o domínio da verificação empírica antes que esta seja considerada uma teoria física aceita. E aos pesquisadores motivados e entusiasmados com seus próprios projetos de deve pedir que saibam diferenciar, para o grande público, a especulação da teoria aceita.

O modelo ou hipóteses aqui descritos são, até o momento, especulativos, tentativas de se explicar diversos problemas no modelo do Big Bang padrão.

Para uma diferenciação entre modelos, teorias especulativas e teorias comprovadas e aceitas leia: Teoria, Hipótese e Modelo em Física. Leia mais sobre cosmologia.

É importante compreender que a ciência lida com objetos que podem ser verificados por meio da experimentação ou da observação. Devemos acreditar na ciência?