A estrutura do espaço-tempo

Um evento

O espaço onde os fenômenos ocorrem, segundo a TRE, é um espaço vetorial de quatro dimensões que denotaremos por \(M_4\), o espaço de Minkowsky (que é similar ao \(R^4\), mas não euclidiano, como veremos). Cada ponto deste espaço é denominado um evento e será marcado com as coordenadas \((ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z)\) que descrevem quando e onde o evento ocorreu. Cada ponto, portanto, pode ser associado a um quadrivetor \(\mathbf{x} = \left\{ x^{\mu} \right\} = \left( ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z \right)\).

Com esta definição podemos reescrever a separação infinitesimal na forma
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 = – \left( dx^0 \right)^2 + \left(
dx^1 \right)^2 + \left( dx^2 \right)^2 + \left( dx^3 \right)^2 = \eta_{\mu
\nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

onde escrevemos

(6)

$$
\eta_{\mu \nu} = \left( \begin{array}{cccc}
– 1 & 0 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 1 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 1 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 0 & 1
\end{array} \right) . \label{etaMikowsky}
$$
Por construção as transformações de Lorentz deixam invariante este intervalo. Estas transformações, dadas pelas equações 5, podem ser escrita da seguinte forma:
$$
x^{\prime 0} = \gamma \left( x^0 – \frac{v}{c} x^1 \right),
\hspace{1.5em} x^{\prime 2} = x^2
$$

$$
x^{\prime 1} = \gamma \left( x^1 – \frac{v}{c} x^0 \right), \hspace{1.5em} x^{\prime 3} = x^3 .
$$

Em forma matricial temos
$$
\left[ \begin{array}{c}
x^{\prime 0}\\
x^{\prime 1}\\
x^{\prime 2}\\
x^{\prime 3}
\end{array} \right] = \left[ \begin{array}{cccc}
\gamma & – \gamma v / c & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
– \gamma v / c & \gamma & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 1 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 1
\end{array} \right] \left[ \begin{array}{c}
x^0\\
x^1\\
x^2\\
x^3
\end{array} \right]
$$

ou ainda, em forma compacta,
$$
x^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} x^{\nu}, \hspace{0.75em} \mu = 0, 1, 2, 3;
$$

onde a soma sob o índice \(\nu\) está subentendida. A invariância do intervalo, \(ds^{\prime 2} = ds^2\) , implica em
$$
\eta_{\mu \nu} dx^{\prime \mu} dx^{\prime \nu} = \eta_{\mu \nu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu} dx^{\alpha} \Lambda_{\hspace{0.3em}
\beta}^{\nu} dx^{\beta} = \eta_{\mu \nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

e, por conseguinte, vale
$$
\eta_{\mu \nu} \Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \beta}^{\nu} = \eta_{\alpha \beta} .
$$

A exigência da invariância entre separações de eventos define uma métrica \(\eta\) no espaço-tempo, a chamada métrica de Minkowsky. Tomando \(\mathbf{x}\) e \(\mathbf{y}\) como vetores de \(M_4\) definimos uma aplicação bilinear e simétrica satisfazendo

  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) = \left|
    \mathbf{x} \right|^2\) , onde \(\left| \mathbf{x} \right|\) é a norma ou comprimento de \(\mathbf{x}\)
  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{y} \right) = \mathbf{\eta}
    \left( \mathbf{y, x} \right)\)
  • \(\eta \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) \hspace{0.75em} \left\{
    \begin{array}{c}
    = 0\\
    > 0\\
    < 0
    \end{array} \right. \begin{array}{c}
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo luz,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo espaço,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo tempo.}
    \end{array}\)
Tipo de vetores

Observe, no entanto, que ela não é positiva como a métrica euclidiana, definida pelo produto interno ou produto escalar. Dizemos que \(M_4\) é um espaço pseudo-euclidiano.

Usando como base de \(M_4\) os vetores \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\} = \left\{ \hat{t}, \hat{\imath}, \hat{\jmath},
\hat{k} \right\}\) podemos obter os componentes da métrica
$$
\eta_{\mu \nu} = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \mathbf{,
\hat{e}_{\nu}} \right) = \left\{
\begin{array}{cl}
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}_0} \right) & =
– 1\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_i \mathbf{, \hat{e}}_j \right) & =
\delta_{ij}\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}}_i \right) & =
0.
\end{array} \right. .
$$

São estes os componentes já exibidos na equação (5).

Observe que dois eventos ligados por um feixe de luz, como a emissão e captação de um fóton, por exemplo, estão separados por uma distância nula, ou seja, um vetor não nulo pode ter comprimento zero. Para ver isto fazemos
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 =
$$

$$
= dt^2 \left[ – c^2 + \frac{dx^2}{dt^2} + \frac{dy^2}{dt^2} +
\frac{dz^2}{dt^2} \right] = dt^2 \left[ – c^2 + v^2 \right] = 0
$$

já que para o fóton \(v = c. \hspace{0.75em}\) Observe ainda que um vetor pode ter norma negativa ou, ainda, um vetor não nulo pode ter norma nula.
Este é o caso de vetores sobre o cone de luz
$$
– c^2 t^2 + x^2 + y^2 + z^2 = 0,
$$

Figura 6: Cone de luz

ilustrado na figura 6. A partir de um evento colocado na origem \(O\), o espaço fica dividido em três regiões distintas: o futuro e o passado de \(O\) , dentro do cone, e uma região sem conexão causal com \(O\).

O passado é composto por pontos onde ocorreram eventos que podem influenciar o evento em \(O\) por meio de alguma interação causal. Por outro lado \(O\) pode influenciar todos os eventos dentro do cone do futuro. Nenhum evento fora do cone pode afetar \(O\) nem ser por ele afetado pois não podem estar conectados por nenhuma interação com velocidade menor ou igual à da luz. A velocidade da luz é uma velocidade limite para a transmissão de qualquer informação dentro do panorama de Relatividade Especial.

Vetores e tensores de M4

(8) Com frequência usaremos um abuso de linguagem, comum na literatura, dizendo que o vetor \(\mathbf{x}\) é simplesmente \(x^{\mu}\).

O espaço-tempo é um espaço vetorial de quatro dimensões onde a métrica ou produto interno foi definido de modo a manter invariante a separação entre eventos. Se \(\mathbf{x} \in M_4\) então \(\mathbf{x =} x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}\). Usaremos a notação(8)
$$
\mathbf{x =} \left( x^0, x^1, x^2, x^3 \right) \text{ ou, abreviadamente, } \mathbf{x =} \left\{ x^{\mu} \right\} .
$$

Observe que \(\mathbf{x}\) é um objeto geométrico que nada tem a ver com o sistema de coordenadas escolhido enquanto enquanto os componentes \(x^{\mu}\) dependem da escolha da base \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) e, portanto, do sistema de coordenadas utilzado. De acordo com a definição da norma temos
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x}
\right) = \mathbf{\eta} \left( x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, x^{\nu}
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu} \mathbf{\eta} \left(
\mathbf{\hat{e}}_{\mu}, \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu}
\eta_{\mu \nu}
$$

e, portanto, \(\mathbf{x}\) tem comprimento invariante sob transformações de Lorentz. Diremos que \(x^{\mu}\) são os componentes contravariantes do vetor enquanto
$$
x_{\mu} = \eta_{\mu \nu} x^{\nu}
$$

são os componentes covariantes. Observe que \(x_0 = \eta_{0 \nu} x^{\nu} = – x^0\) e que, com esta notação,
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = x^{\mu} x_{\mu} = – \left( x^0 \right)^2 +
x^i x_i = – \left( x^0 \right)^2 + \vec{x} \cdot \vec{x} .
$$

Se definirmos como \(\eta^{\mu \nu}\) como os componentes da matriz inversa de \(\mathbf{\eta,}\) de forma que
$$
\mathbf{\eta}^{- 1} \mathbf{\eta = I} \Rightarrow \eta^{\mu \alpha}
\eta_{\alpha \nu} = \delta_{\nu}^{\mu}
$$

então podemos retornar aos componentes contravariantes fazendo
$$
x^{\mu} = \eta^{\mu \nu} x_{\nu} .
$$

Definiremos como vetores de \(M_4\) todas as quantidades que se transformam da mesma forma que \(\mathbf{x.}\) O comprimento de todos os vetores, assim como o produto interno de dois vetores
$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{u}, \mathbf{v} \right) = \mathbf{\eta} \left(
u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, v^{\nu} \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) =
u^{\mu} v^{\nu} \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = u^{\mu} v^{\nu} \eta_{\mu \nu} = u^{\mu}
v_{\mu},
$$

denominado a contração de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{v,}\) são escalares, independentes do sistema de referência. Em particular será útil definir os vetores velocidade e momento, o que faremos a seguir.

Uma trajetória em \(M_4\) é uma curva parametrizada também chamada de linha mundo da partícula,
$$
P \left( \tau \right) = \mathbf{x} \left( \tau \right) = x^{\mu} \left(
\tau \right) \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(\tau\) é um parâmetro qualquer embora, com frequência, seja conveniente usar o tempo próprio. Como \(\mathbf{x}\) é um vetor de \(M_4\) então
$$
\mathbf{u =} \frac{d \mathbf{x}}{d \tau} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau}
\mathbf{\hat{e}}_{\mu} = u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}
$$

onde definimos
$$
u^{\mu} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau} .
$$

\(\mathbf{u,}\) a quadri-velocidade, é também um vetor, tangente à linha mundo. Seus componentes são
$$
u^0 = \frac{dx^0}{d \tau} = \frac{cdt}{d \tau} = \frac{c}{\sqrt{1 –
\beta^2}},
$$

$$
u^i = \frac{dx^i}{d \tau} = \frac{dt}{d \tau} \frac{dx^i}{dt} =
\frac{v^i}{\sqrt{1 – \beta^2}} .
$$

Portanto
$$
\mathbf{u} = \left( \frac{c}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_x}{\sqrt{1 –
\beta^2}}, \frac{v_y}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_z}{\sqrt{1 – \beta^2}}
\right) = \gamma \left( c, \hspace{0.75em} \vec{v} \right) .
$$

A partir desta velocidade construimos outro vetor paralelo à 4-velocidade, o 4-momento
$$
\mathbf{p =} m \mathbf{u} = mu^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(m\) é a massa da partícula. Seus componentes são
$$
\mathbf{p} = \left( \frac{mc}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{m \vec{v}}{\sqrt{1
– \beta^2}} \right) = m \gamma \left( c, \sim \vec{v} \right) .
$$

No referencial comóvel \(\vec{v} = 0\) e \(\gamma = 1\) e, portanto, estes vetores assumem as formas particulares
$$
u^{\mu} = \left( c, \vec{0} \right) \hspace{1.5em} \text{ e } \hspace{1.5em} p^{\mu} = \left( mc, \vec{0}
\right) .
$$

Como se verá \(\mathbf{p}\) é uma constante do movimento enquanto o momento linear tridimensional \(\vec{p} = m \vec{v} \mathbf{,}\) que é uma quantidade conservada classicamente, não se conserva na TRE. As normas de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{p,}\) em qualquer referencial inercial, são
$$
\left| \mathbf{u} \right|^2 \mathbf{=} u^{\mu} u_{\mu} = – \left( u^0
\right)^2 + u^i u_i = \gamma^2 \left( – c^2 + v^2 \right) = \frac{- c^2 +
v^2}{1 – \beta^2} = – c^2 ;
$$

$$
\left| \mathbf{p} \right|^2 = p^{\mu} p_{\mu} = m^2 u^{\mu} u_{\mu} = – m^2
c^2 .
$$

Tensores do espaço-tempo O mais simples dos tensores é um escalar, um tensor de ordem zero. Escalares são invariantes sob transformações de Lorentz, como ocorre com a separação de eventos \(ds^2\) , com o tempo próprio \(\tau\) , ou com a norma do vetor quadrivelocidade, \(\left| \mathbf{u} \right|^2 = – c^2\).

Um vetor é um tensor de ordem um, um objeto de quatro componentes que se transforme como \(x^{\mu}\) :
$$
A^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} A^{\nu} .
$$

O vetor quadri-velocidade e o quadri-momento são exemplos. Um tensor mais geral, de ordem \(r\) é um objeto com \(4^r\) componentes que se transforma deacordo com
$$
A^{\prime \alpha \beta \ldots \gamma} = \Lambda_{\mu}^{\alpha}
\Lambda_{\nu}^{\beta} \ldots \Lambda_{\rho}^{\gamma} A^{\mu \nu \ldots
\rho} .
$$

Um exemplo é o tensor formada pelo produto externo \(x^{\mu} x^{\nu}\).

 

Dinâmica Relativística

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