
Por que existem pessoas que negam a esfericidade da Terra?
— Carl Sagan, Contato (ficção científica, 1985)
— Aristóteles, Sobre o céu (Livro 3)

Em algumas culturas arcaicas, quando não havia observações suficientes para se obter uma boa visão do formato da Terra, se cogitou que o planeta poderia ser plano, em particular na Grécia até o período helenístico, na Índia anterior ao período Gupta e na China até século 17. A hipótese não é absurda nessas circunstâncias. Resumidamente a Terra é uma esfera gigantesca, com raio em torno de 6.371 km, uma distância aproximada à entre Ushuaia, Argentina e Boa Vista, Brasil. Um habitante com capacidade de observações restritas, em termos de deslocamentos sobre a superfície, verá o seu mundo como plano pois a curvatura é muito pequena. Para perceber e medir essa curvatura é necessário um deslocamento sobre a superfície ou, o que era ainda mais difícil no passado, abandonar a superfície por meio de aviões, foguetes ou balões.
Apesar da bem consolidada lenda de que Colombo teria mostrado a esfericidade da Terra, a despeito da crença da época, pessoas cultas na Europa há muito tinham conhecimento desse fato. De fato nem a viagem de Colombo até o novo mundo, nem a circunavegação do globo em 1522 por Fernão de Magalhães podem ser vistas como provas empíricas do globo, uma vez que ambas poderiam ser realizadas no modelo plano.
Como sabemos que é Terra é (aproximadamente) esférica?
A história da descoberta do formato da Terra e da habilidade de desenhar mapas que a representem é muito interessante e elucidativa da própria história da ciência. Algo que parecia ser apenas um debate filosófico e teológico se mostrou de fundamental importância em termos práticos. Boa parte do entendimento da ciência e tecnologia moderna, e de seu uso prático, depende da compreensão do formato do planeta, de como as coisas podem ser localizadas sobre a superfície e se movimentar sobre ela. Sem esse embasamento não se pode entender a visão de mundo construída após Galileu.
A visão intuitiva e natural de que o planeta é plano decorre na observação ingênua que se tem de um ambiente aberto. Tudo o que vemos é uma grande extensão que aparenta ser plana na média, apesar de deformações locais como grandes vales e montanhas. Essa observação e sua interpretação sempre esteve associada à noção de que estamos em repouso enquanto o astros se movem ao nosso redor. O grande debate entre heliocentrismo e geocentrismo ocupou o pensamento de estudiosos com Tycho Brahe, Johanes Kepler, Nicolau Copérnico e Galileu Galilei. A solução do problema praticamente inaugurou a afirmação do método científico e da física na história humana.
A questão é mal compreendida até os dias de hoje. É usual se ouvir afirmações de que o heliocentrismo foi considerado a visão correta após ter derrotado a visão geocêntrica, mas isso não é exatamente correto. Como foi bem solucionado por Newton, a mecânica do universo tem comportamento relativo. Referenciais de observação podem ser postos em qualquer parte e são inteiramente arbitrários. Os geocentristas colocavam um referencial fixo sobre a superfície da Terra. Neste referencial o Sol, a Lua e as estrelas giram ao nosso redor, enquanto estamos solidamente em repouso sobre a superfície. Ocorre que explicar ou descrever o movimento dos objetos astronômicos nesse referencial é incrivelmente complexo. Essa descrição fica muito mais simples se o referencial for deslocado para o Sol, no que se refere ao estudo do Sistema Solar.

A gravura em madeira, feita por artista desconhecido, apareceu pela primeira vez no livro L’atmosphère: météorologie populaire de Camille Flammarion (1888). A imagem retrata um homem rastejando sob a borda do céu para olhar para o além misterioso. A legenda (não mostrada aqui) continha o texto “Um missionário medieval diz que encontrou o ponto onde o céu e a Terra se encontram …”A ideia de que poderia existir um contato sólido entre o céu e a terra aparece várias vezes na obra de Flammarion. Em Les mondes imaginaires et les mondes réels, 1864, ele menciona a lenda de três monges (Teófilo, Sérgio e Hyginus) que “desejavam descobrir o ponto onde o céu e a terra se tocam” ubi cœlum terræ se conjungit por onde pudessem ir para o céu sem deixar a terra.
Depois de muita análise das coordenadas observadas dos planetas (palavra derivada do grego significando objeto errante) se deu conta que a descrição heliocêntrica torna mais simples a matemática envolvida na descrição dos astros. Com essa escolha, e com o uso da mecânica de Newton, é possível criar bons modelos para descrever o movimento celeste. Aos poucos uma imagem diferente do mundo foi construída. O Sol é uma estrela afastada aproximadamente (e em média) 145 milhões km. Em torno dela giram os planetas com seus satélites, cometas e outros objetos menores, todos eles satisfazendo a lei da gravitação universal. Com o uso dessa lei e das equações da mecânica se pode calcular a massa do Sol, dos planetas e da própria Terra.

O posicionamento de referenciais no centro do Sol não é perfeito e não resolve todos os problemas. O sistema Terra-Sol gira em torno de seu centro de massa. O sistema solar inteiro gira em torno de um centro de massa móvel, um ponto que leva em consideração a massa e distância de todos os planetas e demais objetos. Além disso o próprio Sol se desloca com velocidade acima de 220 mil km/h em uma órbita quase circular em torno da galáxia, um gigantesco aglomerado de estrelas que denominamos Via Lactea. Para o estudo desse movimento e das outras estrelas pode ser muito mais simples a adoção de coordenadas fixas na galáxia. Para tornar mais complexo o problema a própria Via-Lactea se move em relação a outras galáxias, se afastando da maioria delas e aproximando daquelas em seu grupo local. Isso significa que não existe um referencial ótimo e absoluto. A escolha de referenciais depende apenas da conveniência relativa ao problema que se quer estudar.
O entendimento das posições, distâncias e movimentos dos corpos celestes forma a base mais sólida para a compreensão do formato esférico da Terra. A gravitação, a interação que age entre todas as partículas no cosmos, é a responsável pelas trajetórias dos objetos e pelo formato dos mesmos. Planetas e estrelas são formados por poeira interestelar atraídos pela gravidade recíproca. Eles colapsam sob formas esféricas porque a gravidade de uma partícula tem simetria esférica, ou seja, ela é igual em todas as direções, dependendo apenas da massa da partícula e da distância até ela.

Existem muitas maneiras de se observar a forma da Terra e seu tamanho. Medidas como as de Eratóstenes, se realizadas com precisão e em muitos pontos do globo poderiam dar essa resposta. A Geodesia é a ciência relativa à tomada de medidas na superfície terrestre. Ela se utiliza de instrumentos como o teodolito, bússolas e taqueômetros para determinar ângulos e distâncias. Hoje, com o uso de GPS (Global Positioning System ou Sistema de Posicionamento Global, baseado em satélites em órbita essa medidas se tornaram muita mais precisas.
Com essas medidas se verifica que a Terra tem um formato aproximado de uma esfera. Devido ao giro em torno do próprio eixo (responsável pelos dias e noites) o diâmetro ao longo do equador (12.756,1 km) é um pouco maior que o diâmetro na direção dos polos (12.713,5 km). Além disso a atração dos outros corpos, principalmente Sol e Lua, deformam um pouco esse formato através do efeito de marés. Essa diferença é pequena, assim como os desvios locais, como montanhas e vales) são mínimos, relativos ao tamanho do planeta. Resumindo: a Terra é uma esfera quase perfeita!
O que é a Terra Plana?
Apesar da evidência acumulada existe um grupo de pessoas que rejeitam a afirmação de que a Terra seja esférica. Terraplanismo se tornou um exemplo de teoria conspiratória, motivo de piadas nos grupos da internet. No entanto cresce o número daqueles que aceitam e se dedicam ao estudo dessa possibilidade.
Há quem afirme que terraplanistas estão apenas brincando, pregando uma peça em larga escala, e esses devem realmente existir. Existem os curiosos, que não tem condições de decidir sobre o tema e, principalmente, existem aqueles que transformaram a questão em item de fé e se apegam a ela com fervor religioso. O modelo mais popular afirma que a Terra é um disco contendo o polo norte no centro enquanto o polo sul é a borda do disco, margeada por uma enorme e intransponível parede de gelo. Uma alternativa é o modelo bipolar onde ambos os polos estão no disco, igualmente circundadas por água e gelo. Os dois grupos negam que seja possível conhecer o que está além do disco, acima da redoma que divide a abóbada terrestre do mundo celeste, ou abaixo dele. Existe ainda uma minoria que acredita que a Terra é um plano infinito.

Para eles o Sol e a Lua são luminares, lanternas pequenas e próximas do disco. A alternância de dias e noites e as fases da Lua ocorrem porque essas lanternas se movem circularmente sobre a superfície. Para eles a gravidade é um problema pois produziria atrações diferentes daquelas observadas. No caso do disco finito a atração gravitacional estaria sempre voltada para o centro do disco e quem estivesse nas proximidades do polo sul seria atraído para baixo e para dentro do disco.
Por causa dessas dificuldades os terraplanistas negam a existência da gravidade. Alguns sustentam que a Terra está se acelerando para cima com a mesma aceleração da gravidade. Neste caso a aceleração seria sempre igual em todos os pontos da Terra, coisa que não é observada. Outros argumentam que a atração para baixo se deve à efeitos magnéticos devido a algum mecanismo obscuro e mal descrito. Ainda existem aqueles que atribuem todo o efeito gravitacional à forças de empuxo associadas à densidades das coisas, se esquecendo que o próprio empuxo resulta da força gravitacional.
Existem terraplanistas dedicados que reuniram farta argumentação contra todas as tentativas de fazê-los ver que o modelo da Terra plana é irracional e contraditório com as evidências observadas e teóricas. Muitos de seus argumentos são difíceis de responder e pessoas com menor treinamento científico podem não conhecer essas respostas. Nesse sentido o desafio dos terraplanistas pode ser visto como educativo, forçando as pessoas a avaliarem o quanto conhecem sobre o ambiente científico moderno.

Um exemplo é a acusação constante de que não existem fotos da Terra completa tiradas do espaço. Nesse quesito terraplanistas mergulham na mais profunda das teorias conspiratórias, onde a NASA, a agência espacial dos Estados Unidos, comanda um complô mundial para enganar a opinião pública, levando-a a aceitar a ideia de que a Terra é esférica. Os motivos são absurdos e vão desde uma tentativa de controle da economia e poder mundial por um grupo de “operadores ocultos” até a visão de que esses operadores estão preparando o planeta para exterminar humanos e dar lugar a máquinas usando inteligência artificial. No esforço para provar essas afirmações extremas terraplanistas descobriram que muitas das belas fotos da Terra fotografada do espaço são resultado de montagens e ajustes de photoshop, o que é um fato. É verdade que a NASA tem um especialista em montagens porque muitas das fotos tiradas do espaço enquadram apenas partes do planeta. Essas fotos parciais são montadas para o efeito de divulgação científica para a comunidade leiga. Isso significa que não existem muitas fotos enquadrando em um único disparo a Terra como um globo. A maioria delas foram tiradas das missões Apolo, outras das sondas enviadas para os planetas externos.
Terraplanistas argumentam que é impossível que naves saiam da atmosfera da Terra, uma vez que atingiriam o domo, e que todas essas fotos são falsificações. Segundo eles as fotos e filmagens das sondas, feitas na Lua, Marte, Júpiter, Saturno, e até além desses, não passam de computação gráfica e animações. Evidentemente não acreditam na viagem de astronautas até a Lua. As filmagens da ISS (International Space Station) percorrendo um volta completa em torno do planeta a cada 92,68 minutos em tempo real e disponíveis da internet são descartadas como meros efeitos cinematográficos.

Esse estado de coisas provê uma fonte farta de exemplos de que fé infundada pode ser perigosa. Em fevereiro de 2020 Mike Hughes, um stunt man de 64 anos, se lançou em um foguete feito por ele mesmo em uma tentativa de descobrir se a Terra é plana. Hughes, que já havia se machucado em outras tentativas, foi ejetado do foguete sem o paraquedas e morreu na queda. Vários outras pessoas se lançaram em balões ou foguetes na esperança de verificar pessoalmente a planicidade ou de encontrar o domo. Em setembro de 2020 um casal de italianos se lançou ao mar na tentativa de alcançar as “bordas” da Terra. Eles se perderam no meio do mar e tiveram que ser salvos por uma embarcação do serviço italiano de resgate de imigrantes. A imprensa aproveitou a oportunidade para ridicularizar os aventureiros porque eles estavam se guiando por uma bússola, algo que não deveria funcionar na terra-plana.
História do terraplanismo moderno
No final do século 19 Samuel Rowbotham realizou no Reino Unido uma série de experimentos sobre a curvatura dos leitos de água e concluiu que eles eram planos e não acompanhavam a curvatura esperada da Terra. Ele iniciou uma sequência de debates com estudiosos e cientistas e, aos poucos, desenvolveu sua argumentação a ponto de criar dificuldades para seus oponentes. O experimento de nível de Bedford foi realizado ao longo de um trecho de águas tranquilas do rio Bedford, medindo 6 milhas (9,7 km). Sob o pseudônimo de Parallax, Rowbotham escreveu um panfleto, mais tarde expandido em livro, Earth not a Globe, publicado em 1865.
Rowbotham recebeu pouca atenção na época, até que um de seus apoiadores ofereceu um prêmio em dinheiro para quem demonstrasse que sua conclusão estava errada. O desafio foi aceito pelo naturalista Alfred Russel Wallace que mostrou que o erro decorria da não consideração de efeitos de refração atmosférica, ganhando o prêmio acertado.
Rowbotham atribuiu à sua metodologia o nome de “Zetetismo”, da palavra grega zeteo que significa “buscar”. No fundo ele pretendia aplicar uma versão extrema da filosofia do empirismo, onde se acredita exclusivamente na informação direta dos sentidos. Para ele, e seus seguidores mais recentes, o exercício complexo da ciência, onde se exige uma aplicação intensa de conceitos e modelos teóricos, é inválido.

Ele também publicou um folheto intitulado A Inconsistência da Astronomia Moderna e sua Oposição às Escrituras onde argumentava que “a Bíblia, juntamente com nossos sentidos, apoia a ideia de que a terra é plana e imóvel e esta verdade essencial não deveria ser deixada de lado por um sistema baseado exclusivamente em conjecturas humanas “. Usando seus resultados experimentais, cálculos matemáticos e passagens bíblicas, ele passou a argumentar que a terra está fixa no centro do universo, tem menos de seis mil anos e foi criada em seis dias, e está se aproximando rapidamente da destruição por fogo. Além dessa leitura literal da Bíblia Parallax afirmou que a Terra é um disco plano com o Polo Norte no centro e o Polo Sul limitado por uma imensa barreira de gelo. O que existe após a barreira do polo sul é desconhecido e impossível de ser determinado por humanos. Todas essas conjecturas mostram que, desde sua origem, há um componente de crença religiosa na afirmação de planicidade da Terra.
O sonho empiricista da Terra plana não morreu com Rowbotham. Outro inglês, Samuel Shenton, criou em 1954 a Sociedade Internacional da Terra Plana, assumindo a tarefa de mostrar ao mundo o grande erro científico. O mesmo empirismo ingênuo aparece nas palavras de Shenton: “Nenhum homem conhece a verdadeira forma da terra. Sabemos, no entanto, que essa parte onde vivemos é definitivamente plana. Ninguém jamais saberá como é toda a complexidade, eu imagino, porque vai além sua esfera de observação, investigação e compreensão.”
Após a morte de Shenton, em 1971, o americano Charles Johnson assumiu a responsabilidade pela Sociedade da Terra Plana. Quando Johnson morreu em 2001, a Sociedade tinha cerca de 3500 membros e não despertou a atenção da mídia. A sociedade passou a ser liderada por outro americano, Daniel Shenton (não parente de Samuel) que disse em entrevista para o The Guardian em 2010: “Não creio que haja provas sólidas. Não estou sendo teimoso intencionalmente sobre isso, mas sinto que nossos sentidos nos dizem essas coisas, e levaria um nível extraordinariamente de evidências para neutralizá-los“.

Shenton criou uma página wiki para a comunidade da terra plana, ainda sem produzir muito impacto na opinião pública. Em 2016, no entanto, alguns devotos terraplanistas começaram a postar vídeos no YouTube, época em que os mecanismos de sugestão de conteúdo, animados pelas inteligências artificiais, já estavam em pleno vapor levando os usuários a consumir conteúdo cada vez mais extremo e viciante. O mesmo mecanismo que criou uma polarização política nunca vista, a separação radical entre grupos de opiniões diferentes, também impulsionou ambientes de radicalização filosófica e de contestação intelectual. As teorias conspiratórias encontraram o ambiente propício para sua proliferação e o terraplanismo, para a surpresa de muitos, encontrou muitos adeptos.
Esses vídeos foram assistidos por milhões de pessoas. Uma pesquisa de 2018 nos Estados Unidos mostrou que 2% dos entrevistados afirmaram acreditar que a terra é plana enquanto outros 7% reconhecem que não sabem decidir qual é o formato correto. Um número alto de pessoas no mundo desenvolvido rejeita partes da ciência que está estabelecida desde a Idade Média. Além disso existe uma correlação entre acreditar na Terra plana, ser jovem, religioso e de baixo poder aquisitivo.
Atualmente a Sociedade da Terra Plana se ramificou em diversos movimentos, alguns deles compostos por um único influenciador digital e seus seguidores. Um exemplo marcante entre eles, por exótico e falante, é o de Mark Sargent que, além do elenco padrão de afirmações conspiratórias acrescenta afirmações tais como:
- Após 1957 os EUA e a então União Soviética mandaram sondas para o espaço e ficaram apavorados com o que descobriram. Por isso iniciaram um programa de detonar bombas nucleares na atmosfera, que durou 4 anos.
- Em 1959 dez nações estabeleceram que todo o acesso à Antártica deveria ser vetado. Mais de 50 nações assinaram, mais tarde, um tratado concordando com essa imposição.
- O programa Apolo que levou humanos à Lua foi forjado para fixar no imaginário popular o conceito de uma terra esférica, inclusive apresentando uma foto tirada à distância. Os militares americanos impedem que companhias privadas iniciem a exploração espacial, caso contrário eles encontrariam o domo e descobririam a verdade.
— Albert Einstein

Alguns terraplanistas, para afirmar que a Terra não se move pelo espaço, usam como argumento o experimento de Michelson e Morley, realizado em 1887. Este experimento, com resultado inesperado e surpreendente, tentou detectar o movimento do planeta através do suposto éter luminoso que se acreditava na época ser o meio por onde a luz se propaga. Físicos consideraram o resultado como uma prova de que não existe tal éter. Considerando que o movimento da Terra estava bem estabelecido Albert Einstein formulou a Teoria da Relatividade Restrita que usa a invariância da velocidade da luz para construir uma nova mecânica, diferente da proposta por Newton. Suas conclusões são altamente não intuitivas e violam o entendimento ingênuo da natureza (o chamado senso comum). A teoria da relatividade causou um impacto muito grande na opinião pública e muitas pessoas, inclusive cientistas, inicialmente se recusaram a aceitar suas afirmações tais como de comprimentos e intervalos de tempo que variam de acordo com a velocidade em relação ao observador, e a equivalência entre massa e energia. Até hoje muitas pessoas tentam provar que a teoria está errada. Apesar disso ela faz um grande número de previsões importantes, todas elas observadas na natureza. A teoria da relatividade, tanto restrita quanto geral, são amplamente testadas e não se conhece experimento em discordância com ela.
Religião e terraplanismo
As origens do movimento, como vimos, foi certamente inspirada pela interpretação literal dos textos religiosos (particularmente os cristãos, judaicos e islâmicos). Grande parte dos autores sobre o assunto confessam com orgulho sua leitura literal da Bíblia. Muitos terraplanistas rejeitam a Teoria da Evolução e defendem a “Terra jovem” e criacionismo, a ideia de que o planeta tem pouco mais que 5 mil anos e que foi criado por Deus como está, inclusive com seus habitantes vivos atuais.
A terra plana, por mais que alguns tentem esconder esse fato para dar uma roupagem mais moderna à sua hipótese, é o conceito de que Deus teria feito o mundo apenas para o testar os seres humanos. Nessa visão não existe nada mais exceto aquilo necessário para esse fim.

O Mundo é dividido em Paraíso, Terra, Mar e Submundo (Sheol). O céu (firmamento está apoiado sobre fundações (talvez montanhas) e possui portas e janelas por onde entra a chuva. Deus mora no Paraíso, oculto sob as nuvens.
Vivemos em um disco flutuando sobre as águas, apoiado em pilares. A terra é o único domínio que pode ser conhecido. O restante é incognoscível.
O Submundo (Sheol) é uma prisão de água ou terra da qual é impossível escapar. Embora sendo um local físico abaixo da terra ela só pode ser alcançada através da morte.
Citações bíblicas

“Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, e a glória deles;” Mateus, 4:8.
Comentário: “Se todos os reinos podem ser vistos de um ponto elevado, a Terra deve ser plana.”
“E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro.” Josué 10:13
— “Portanto Sol e Lua são luminares pequenos e não astros enormes”.
“Vestido de esplendorosa luz, como num manto, Ele estende os céus como uma tenda”. Salmos 104:2
Um manto e uma tenda são ambos finitos. O universo é finito.
“Onde você estava quando lancei os alicerces da terra? Quem marcou os limites das suas dimensões? Talvez você saiba! E quem estendeu sobre ela a linha de medir? E os seus fundamentos, sobre o que foram postos? E quem colocou sua pedra de esquina, enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam? Quem represou o mar pondo-lhe portas, quando ele irrompeu do ventre materno, quando o vesti de nuvens e em densas trevas o envolvi, quando fixei os seus limites e lhe coloquei portas e barreiras, quando eu lhe disse: Até aqui você pode vir, além deste ponto não; aqui faço parar suas ondas orgulhosas?” Jó 38: 4-11 (trechos)
“Farei com que os quatro ventos, que vêm dos quatro cantos do céu, soprem contra Elão. E eu os dispersarei aos quatro ventos, e não haverá nenhuma nação para onde não sejam levados os exilados de Elão.” Jeremias 49:36
Se a Terra fosse um globo onde estariam os quatro cantos do céu?
Terraplanismo e rejeição da autoridade
A física Sabine Hossenfelder faz uma analogia interessante em seu vídeo “Ciência” da Terra Plana. Suponha que você vá ao supermercado e compre um produto alimentício preparado qualquer. Você consome o produto sem se questionar se aquilo é comestível, se é algo preparado com o devido asseio ou até se é um veneno. Por que você acredita que o produto é confiável sendo que, quase sempre, nem sabe quem o preparou? Você faz isso porque conhece, pelo menos em princípio, o sistema de produção em seu país, confia que existem regulamentações que o protegem e que elas estão sendo vigiadas. Você sabe que a existência de um contaminante no produto traria problemas para o fabricante. Existe uma confiança implícita no ambiente de produção e vigilância em sua comunidade.

Da mesma forma não somos, pelo menos a maioria de nós, capazes de avaliar os níveis de segurança de um medicamento ou uma vacina. Confiamos que os testes foram feitos e a vacina é eficiente e segura. Igualmente poucas pessoas podem medir o raio da Terra por si mesmas. Mas elas confiam que toda uma comunidade científica sabe como fazê-lo, que fizeram medidas e cálculos minuciosos e conferiram seus resultados. Seria muito difícil conseguir um complô global envolvendo engenheiros, físicos, astrônomos, pilotos de avião, etc.
Entretanto, em todos esses casos, não seria prudente depositar confiança cega e absoluta sobre todas as afirmações de fabricantes de alimentos, de vacinas e cientistas. Não é impossível que o alimento preparado contenha produtos que você não quer comer, que um medicamento tenha efeitos colaterais ou, até mesmo, que a comunidade científica esteja errada, como já aconteceu tantas vezes. Por isso é necessário que as pessoas tenham um entendimento mínimo do método científico, da estrutura das organizações de pesquisa e ensino e de como a comunidade científica interage para apresentar, confirmar ou descartar cada descoberta.
Críticas ao modelo do disco plano
A argumentação mais frequente dos terraplanistas é a de que se pode ver objetos distantes com o uso de um binóculo, mais longe do que seria possível se considerada a esfericidade. Assim como ocorreu no experimento do rio Bedford por Rowbotham, que não conseguiu perceber a curvatura de um leito de água com 9,7 km de extensão, dois erros são cometidos comuns. Um deles subestima o raio da Terra que, por ser muito grande relativo às distâncias medidas, resulta em efeito muito pequeno na curvatura. Outro foi o efeito apontado por Alfred Russel Wallace, que consiste em ignorar a refração atmosférica. Com a variação da temperatura do ar em diferentes altitudes o índice de refração da luz se altera, fazendo com que o feixe luminoso mude de direção, se curvando para baixo. Desta forma temos a impressão de que o horizonte está mais distante. Mesmo assim os navios observados se afastando mar adentro ficam invisíveis primeiro na parte inferior, depois nas partes mais altas.

A sombra da Terra na Lua durante um eclipse é sempre circular. Se o planeta fosse um disco ele produziria sombras elípticas. Além disso ninguém foi capaz de apresentar uma boa explicação para os eclipses no modelo plano. Uma pessoa no hemisfério norte vê a Lua invertida em relação ao que vê alguém no hemisfério sul. O mesmo ocorre com as constelações. A estrela polar, acima do polo norte, não pode ser vista do hemisfério sul. Uma filmagem de longa duração das estrelas mostra movimentos circulares incompatíveis com o modelo plano.
A sombras provocadas por um Sol pequeno e próximo da Terra também variam de acordo com as latitudes mas de modo incompatível com as sombras observadas. O tamanho aparente do Sol como luminar variaria durante o dia mais do que o observado.
O suposto complô entre cientistas do mundo inteiro para esconder uma realidade que pode ser verificada com o uso de equipamentos simples é impossível. A NASA não é o único organismo de pesquisa espacial e cada afirmação, cada nova descoberta de um grupo de pesquisa, é verificada exaustivamente por cientistas de vários países. A afirmação de que a NASA proíbe a entrada de civis no círculo polar antártico, mantendo guarda armada para afugentar intrusos, não tem nenhum sentido quando se sabe que quase todos os países investem em estudo dessa região e lá mantêm postos de pesquisa.
A maioria dos vídeos mais recentes postados na internet e visualizados por muita gente são simplórios, ignorantes, quando não demonstram a total deficiência cognitiva de seus autores. Existe, por exemplo, um vídeo brasileiro onde o “instrutor” coloca uma bola debaixo de uma torneira para mostrar que a água escorre e “não gruda na esfera”.

A acusação de que a ciência possui uma agenda secreta de destruição da religião merece ser considerada. Cientistas como Isaac Newton e muitos outros nos primórdios da ciência declaravam fazer os seus estudos “para revelar e exaltar a glória de Deus”. No entanto muitos passos foram dados para explicar a natureza sem que a intervenção divina se fizesse necessária. Uma boa descrição da origem das espécies dada por Darwin e a explicação bem sucedida dos movimentos celestes representaram um golpe poderoso sobre a religião. Há o relato, provavelmente apócrifo mas ilustrativo, de como Napoleão manuseou o livro onde Pierre de Laplace propunha uma teoria física para a formação do sistema solar. Napoleão teria dito que não encontrou referências a Deus na obra, ao que Laplace retrucou: “Não precisei dessa hipótese”.
Por que existem terraplanistas?
Devido ao viés conspiratório extremado dos defensores da terra plana pode parecer fácil descartar suas afirmações e terminar as discussões com o deboche. Mas, assim como o fundador da moderna sociedade terraplanista, Rowbotham, se preparou exaustivamente para debater com os pensadores de sua época, também hoje é possível encontrar pessoas que pensaram em respostas para praticamente toda a argumentação contra as suas “teorias”. Alguns de seus argumentos não são fáceis de rebater para alguém que não tenha formação na área ou que não tenha pelo menos pensado sobre o assunto. Eles explicam, por exemplo, a diferença na sombra do Sol em cidades com latitudes diferentes, usada por Eratóstenes, como um efeito devido à proximidade do Sol, e não à curvatura da superfície. As sombras provocadas pelo Sol no modelo terra-plana não correspondem às observadas mas quantas pessoas estão aptas e dispostas a fazer o cálculo trigonométrico necessário? O surgimento da dúvida sobre o formato do planeta tem um aspecto educativo: você sabe explicar como se concluiu pela esfericidade e como se calcula o tamanho do planeta? Você sabe que a Terra é esférica ou apenas acredita no que te foi dito?

Por outro lado a aceitação crescente dessa pseudo-ciência deve causar preocupação. Ela não é apenas manifestação de ignorância científica mas um movimento de revolta e rejeição do conhecimento institucionalizado. Essa tendência vem se aprofundando nos últimos anos. O conhecimento técnico científico está se tornando muito complexo e ramificado e nosso sistema educacional está deixando para trás a absoluta maioria das pessoas. Embora (quase) todos se utilizem de tecnologia avançada poucos a compreendem. As pessoas se vêm imersas em um mundo mágico onde ela tem pouquíssima chance de contribuir. Elas sequer podem se recusar a participar do sistema que as engole. O sistema complexo, incompreendido e compulsório se torna o fermento ideal para a especulação conspiratória de onde surge o conceito de que estamos vivendo na matrix. Se estamos sendo enganados por que não acreditar que somos controlados por uma única família, por um grupo secreto de indivíduos ou até por alienígenas?
Terraplanismo, entre outros apelos pseudocientíficos e conspiracionistas, é uma resposta a um sistema educacional deficiente e basicamente elitista. Considere, por exemplo, a educação nos EUA, notoriamente fraca em seus níveis mais básicos, peneirando os estudantes por mérito, que frequentemente significa poder aquisitivo, até conseguir juntar um grupo de excelência que ocupa os centros avançados de formação. No Brasil é problema é ainda mais sério, quando se verifica uma qualificação pobre em testes de proficiência internacionais, mesmo quando comparado a países mais carentes. Junte-se a isso o proliferação de cursos superiores que na verdade formam grande parte da população com nível similar ao de técnico.
Pessoas excluídas do processo formador são igualmente excluídas do processo decisório e mais expostas à manipulação. Resta a elas rejeitar a construção acadêmica, o que hoje se reflete em ampla desconfiança popular em relação às universidades. Isso leva, por exemplo, à rejeição das vacinas, da oposição à instrução médica no combate à pandemia de covid-19, da suspeita infundada sobre efeitos nocivos de novas tecnologias. E promove ambiente fértil para o reavivamento do pensamento mágico na forma da astrologia, de medicinas não comprovadas, de religiões espúrias e teorias conspiratórias.
A divulgação fácil de conteúdo pela internet, que supostamente popularizaria o conhecimento, tornou acessíveis pensamentos marginais. Juntamente com as intrigas provocadas artificialmente pelos algoritmos de fidelização das redes sociais, notórios pela exploração do radicalismo, essas ideias encontraram campo fértil em um grupo de revoltados que pretendem ser ouvidos.

Esse é o ambiente ideal para profissionais desqualificados e políticos populistas e sem conteúdo. A crítica da imprensa, advertências de médicos ou experts de qualquer área é inócua para aqueles que já destruíram, em sua visão de mundo, a credibilidade do establishment. O perigo para a sociedade é enorme. O apelo de solução fácil para problemas difíceis tende a atrair pessoas ingênuas, incultas ou com suas capacidades intelectuais e reflexivas prejudicadas. Também são atraídos pessoas hábeis na manipulação, indivíduos que podem ser brilhantes mas que teriam dificuldades para se projetar na sociedade mais ampla. As lideranças desses grupos, algumas vezes eles mesmos afligidos por deficiência cognitiva grave ou movidos por má fé, manipulam a sensação de acolhimento no grupo e de superioridade por serem eles os detentores de verdades desconhecidas pelo “mortal comum”. (Não raro esses grupos possuem um termo pejorativo para se referir aos não membros. Terraplanistas fazem piadas sobre os “terra-bolistas”, aqueles que acreditam na terra molhada girante.)
— Bernard Shaw
Bibliografia
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- Stanton, Guy: Flat Earth: A handbook meant to help those in pursuit of the Truth, disponibilizado pelo autor em Free ebooks-net, acessado em setembro de 2020.
- Russell, Jeffrey: Inventing the Flat Earth: Columbus an d Modern Historians, Praeger Publishers, New York, 1991.
- Sargent, Mark; Flat Earth Clues, The Sky’s The Limit, Booglez Limit, London, 2016.
- Youtube, Canal Business Insider: How Eratosthenes calculated the Earth’s circumference, acessado em setembro de 2020.
- Youtube, Canal Sabine Hossenfelder: “Ciência” da Terra Plana – Errada, porém não estúpida, acessado em setembro de 2020.
- Youtube, Filmes: Behind the Curve, acessado em setembro de 2020.
- Youtube, Aviões e Músicas, Episódio 163: Terra Plana e o voo impossível para o Sul, acessado em setembro de 2020.
- Youtube, Aviões e Músicas, Episódio 468: A volta ao mundo pelos dois pólos, acessado em setembro de 2020.
- Youtube, Aviões e Músicas, Episódio 472: Por que não tem voo cruzando a Antártida?, acessado em setembro de 2020.




Em 1961 Frank Drake, um dos entusiastas do projeto SETI, sugeriu uma equação que resume os principais conceitos envolvidos na possibilidade de se encontrar uma civilização extraterrestre usando comunicação por ondas eletromagnéticas. Ela não é a representação de nenhum modelo sério de estudo mas uma tentativa de estimação probabilística da existência dessas civilizações. Drake não procurava alcançar um número preciso mas sim uma forma de estimular o diálogo científico sobre a busca por inteligência extraterrestre.






Em um experimento em psicologia social uma pessoa entra em uma sala de espera repleta de pessoas que se levantam toda a vez que soa um alarme. Sem saber que seus companheiros de espera são atores agindo sob combinação prévia com os experimentadores, essa pessoa estranha o fato mas passa a se levantar também. Aos poucos as pessoas vão sendo substituídas até que nenhum dos atores esteja mais na sala. Porém os que restam continuam se levantando, mesmo que, para eles, tal ato não tenha nenhum significado.
rita pela ciência que justifique o efeito da posição de planetas na formação e condução em vida de um ser humano. Nenhuma das proposições apresentadas pelos praticantes para justificar o mecanismo de funcionamento da astrologia pode ser testada ou refutada.



Vivemos em uma cultura que valoriza, por princípio, a fé das pessoas. Em certo sentido a fé pode ser vista como algo construtivo e bom, como a esperança de que poderemos superar os problemas atuais, individuais ou do grupo, e construir tempos melhores. Mas é praxe chamar de fé a confiança em coisas que não podem ser provadas ou verificadas. Não é necessário perguntar se alguém tem fé nas leis de Newton ou na Teoria da Relatividade de Einstein pois elas podem ser verificadas. Ou você conhece essas teorias ou as ignora. Fé é a confiança implícita, muitas vezes inconsciente, em instruções não processadas pelo senso crítico.




Suponha que você acredita na existência de um fenômeno paranormal de qualquer natureza. Não é o objetivo dessa argumentação mostrar que você está errada(o), e muito menos propor outra visão mais “correta ou verdadeira”. Principalmente quando o debate envolve tema de foro muito íntimo, como a existência de (digamos) uma alma imortal, que existe independente do corpo, não deveria haver uma pessoa (ou várias) capazes de confirmar ou desmentir a sua visão. Então, neste caso, ceticismo significa que você deve analisar sua percepção das coisas e descobrir se você sabe algo a respeito ou apenas acredita. Ceticismo consiste em entender que suas crenças tem uma importância relativa e devem ser mantidas sob permanente escrutínio. E, caso você decida que sabe algo (novamente, digamos) sobre a existência da alma, e pode mostrar isso, então você tem um compromisso com a humanidade inteira, demonstrando do modo inequívoco a existência dessa entidade (a alma).


Mas, mesmo reconhecendo que nossos mecanismos de contato com o mundo foram finamente ajustados para a sobrevivência, temos muitas indicações de que nossos instrumentos sensoriais não são perfeitos para nos informar sobre o que existe no mundo. Eles podem falhar de maneiras e níveis diversos e nos iludir em várias situações. Por isso uma análise dessas falhas devem ser parte importante de qualquer tentativa de compreender, com algum grau de objetividade, o que está em nosso ambiente.
Parte dessa ilusão se deve à lentidão de nossos sentido e da forma como eles devem se focar sobre o objeto considerado, desprezando a visão ampla do examinado. Quando assistimos a um filme, por exemplo, estamos expostos a uma sequência de imagens estáticas mas as interpretamos como estando em movimento contínuo. Um ponto de luz em rápido movimento circular (como uma brasa amarrada na ponta de uma corda sendo girada) se parece com uma circunferência pois pontos acessos na retina demoram a se apagar de forma que vemos um círculo inteiro quando apenas um ponto está iluminado.



Além da faixa restrita de frequências de ondas que podemos captar, nossa visão só é nítida em uma região muito pequena do campo visual, e desfocada no entorno. Se você esticar o braço e levantar o polegar o tamanho da unha em seu polegar é aproximadamente o mesmo da região onde você enxerga claramente. A imagem periférica é borrada e imprecisa e a noção de que estamos olhando uma imagem ampla e detalhada é construída. (Experimente fixar os olhos em uma parte desse texto e ler as palavras que estão fora de seu olhar direto!) Quando você muda o foco de visão o ponto que recebe sua atenção se ilumina e se torna mais definido enquanto as demais partes da imagem são alimentados pelo cérebro usando a memória e cálculo.
A percepção do tempo não é linear e pode ser manipulada em experimentos. Qualquer coisa que aconteça e receba toda a nossa atenção parece fluir mais lentamente. Há um experimento que exibe para os sujeitos de teste uma série de imagens contendo discos de cores diferentes, a maioria deles com o mesmo tamanho na tela. Todas as imagens ficam visíveis pelo mesmo tempo. Quando os discos aumentam de tamanho os observadores têm a impressão de que eles ficam visíveis por tempo maior. Uma sugestão para entender isso é a de que os discos que crescem parecem se aproximar do observador e que, evolutivamente, objetos que se aproximam merecem atenção mais detalhada.
Da mesma forma chamamos cobra de cobra, mas isso nem de longe carrega todo o conteúdo que o animal, em si, possui. A palavra cobra não contém, por exemplo, a sequência de DNA necessária para formar o animal. Ela também não carrega o perigo e o medo que sentimos ao avistar uma verdadeira serpente. 

Na abertura da Copa do Mundo de futebol em 2014 um homem paraplégico se levantou e deu o primeiro chute na bola usando um exoesqueleto controlado por seu cérebro, como parte do Walk Again Project, um esforço colaborativo de 150 pesquisadores coordenados por Nicolelis.
A memória pessoal não é um fenômeno único mas sim um aglomerado de efeitos. Existe a memória de curta duração que mantemos ativa por alguns segundos, como a que usamos quando lemos um número de telefone em um anúncio e o discamos imediatamente. Também temos memória de longo prazo que são divididas em duas categorias: memória declarativa ou explícita e memória não declarativa ou implícita. Memórias não declarativas são responsáveis por hábitos e habilidades adquiridas, tais como saber manusear talheres, nadar ou andar de bicicleta. Com o uso essas habilidades se tornam automáticas e pode ser usadas com muito pouco esforço. A memoria declarativa é responsável pelo armazenamento de eventos que ocorreram em nossas vidas. Elas são também chamadas biográficas ou episódicas, contendo o conteúdo de nossas vivências e praticamente definem quem somos.
Os exemplos mostram que uma memória pode ser plantada com alguma antecedência ou até mesmo na hora em que se faz a pergunta. Além disso é possível termos falsas memórias, quando partes de uma memória verdadeira se conectam incorretamente, levantando um quadro falso do que aconteceu. É esse o caso quando você julga que foi o protagonista de uma evento que, na verdade, foi relatado por uma terceira pessoa.


O mecanismo tem uma influência forte em nossa vida social. O debate sobre a liberação de armas para a população, versus uma legislação que restringe a posse de armas, se tornou politicamente envolvente, dificultando muito o atingimento de posições racionais e desapaixonadas. Um defensor do desarmamento tende a buscar, ou a prestar mais atenção, nos casos em que a posse de armas resultou em tragédias e mortes. Alguém do lado oposto coleciona informações sobre eventos onde as armas foram úteis e salvaram vidas.


Em 1999 os psicólogos David Dunning e Justin Kruger identificaram o efeito, inicialmente através da consideração do caso de um assaltante de bancos que praticava assaltos com o rosto coberto por suco de limão, na expectativa de estar invisível para as câmeras de segurança. Sua crença se originou do uso de suco de limão como “tinta invisível”. Outros testes confirmaram a existência do efeito, inclusive por meio de experimentos onde pessoas eram treinadas para resolver problemas de lógica. Quanto mais treinadas melhor as pessoas conseguiam avaliar sua competência na solução dos desafios.
O efeito não ocorre apenas em indivíduos com pouca formação, ignorantes no geral ou ingênuas, nem exclusivamente sobre temas técnicos-científicos. A maioria das pessoas possui pontos fracos em sua formação, à respeito de algum assunto. Por mais especializadas que elas possam ser em temas de seu domínio elas poderão exibir esse defeito de cognição. Uma forma relativamente simples de perceber o viés em grupos consiste em reunir pessoas de uma mesma comunidade, com uma base cultural comum e perguntá-los como se qualificam em relação a tópicos de interesse comum. A absoluta maioria delas se classifica como entre os 10 ou 15% dos melhores motoristas, melhores amigos, pessoas mais honestas, trabalhadores mais eficientes, etc, o que é matematicamente impossível.
Na atualidade enfrentamos um desafio social gigantesco (e global) que consiste na radicalização de posições estimuladas pelas mídias sociais. As notícias hoje são dirigidas para o perfil esperado do consumidor da informação. Seu perfil é analisado pelos algoritmos de inteligência artificial e tudo o que você recebe está filtrado pelo que você (e seus amigos, em certa medida) escolheram ver anteriormente. Uma pessoa que gosta de armas verá notícias e propagandas sobre armas e será dirigido para o encontro com outros apreciadores de armas. Sua preferência por um político ou ideologia social será explorada ao máximo, até você achar que a maioria das pessoas concordam com você. Nesse sentido estamos todos sob um processo de manipulação muito mais poderoso do que já estivemos, em qualquer tempo passado.





Você já se perguntou a razão de as lojas colocarem preços fracionários em seus produtos. Que diferença faz um item de mercado a R$39,99 ou R$40,00? Em compras desse tipo quantas vezes você recebeu 1 centavo de troco? Ocorre que temos uma tendência de nos balizar pela análise do primeiro dígito à esquerda. Esse atalho, que economiza o cérebro de um processamento mais dispendioso, pode ser útil algumas vezes mas gera essa prática exploratória comum do consumidor, simples, ingênua mas efetiva, em alguns casos.
Há uma história clássica sobre esse efeito: você está na fila de um banco quando três pessoas encapuçadas entram, ordenam que todos deitem no chão e assaltam os caixas, fugindo em seguida. Após o evento todos, naturalmente nervosos, conversam entre si. E dizem: “você viu que tinha um homem barbudo, dando proteção aos assaltantes”. “Havia duas mulheres”. “Algumas pessoas na fila eram cúmplices”. Etc. Quando a polícia chega ouve relatos incongruentes, alguns contando com a presença de 20 ladrões fortemente armados e mal encarados…





Você participa de um experimento que sorteia 5 bolas pretas ou vermelhas, com igual probabilidade. Denotando preto por
William Poundstone, escritor de divulgação científica em seu livro Rock Breaks Scissors, explora algumas das ramificações das descobertas de Goodfellow: “Ele basicamente mostrou que muitas das nossas pequenas decisões cotidianas são incrivelmente previsíveis”. Com alguns dados e conhecimento é possível prever muitas atitudes e decisões das pessoas. Por exemplo, no jogo 









Na era da comunicação facilitada pela internet o debate vem perdendo rigor e sendo dominado pela parcialidade, partidarismo, rejeição e ódio entre grupos rivais. Existem muitos motivos, além dos lógicos, para que uma pessoa defenda apaixonadamente um ponto de vista. Ela pode ter se identificado pessoalmente com o argumento, por uso continuado, por tradição ou porque o considera útil para si ou seu grupo social. Pessoas constroem autoimagens baseadas em suas crenças e se sentem atacadas ao verem em disputa aquilo que tanto prezam. Pode ocorrer que alguém se apegue a um conceito durante a argumentação, e brigue por ele, para preservar sua autoestima ou consolidar sua posição como bom debatedor.
Todos os argumentos têm a mesma estrutura básica: Se \(A\) então \(B\) onde \(A\) e \(B\) são afirmações. \(A\) pode ser formado por uma ou várias premissas, um fato ou suposição usado para a construção do argumento. Às premissas se aplica um tratamento lógico (então) para chegar a \(B\), a conclusão.
A expressão latina non sequitur significa não decorre de. É a expressão genérica de uma falácia, da conclusão que não pode ser obtida logicamente das premissas. Afirmações totalmente desconexas são exemplos de non sequitur.
De qualquer forma, diminuir o mérito de alguém para derrotá-lo em um debate consiste em ad hominem ofensivo. Também existe um segundo tipo, o ad hominem circunstancial, que ataca a argumentação questionando a motivação de quem debate.
A falácia do espantalho consiste em desvirtuar o argumento do seu debatedor para torná-lo mais fácil de atacar, tornando-o uma caricatura deformada (o espantalho) que contém apenas aspectos desfavoráveis ou simplesmente mentirosos. Esse é um tipo de desonestidade intelectual que prejudica a racionalidade do debate. Ela conta com a ingenuidade e ignorância de quem ouve e, quando compreendida, deveria minar a confiança sobre quem usou o artifício pois, se ele é capaz de representar negativamente o argumento do oponente, provavelmente também desvirtuaria seus próprios argumentos positivamente. Deturpar um ideia é muito mais fácil do que refutar as evidências que a apoiam.
A falácia do espantalho é uma tentativa de se evitar o real assunto em debate. Ela pode ocorrer por mera ignorância do debatedor ou ser voluntária. Nesse último caso ela é uma atitude de má fé. Uma maneira sutil de fazer isso consiste em desvalorizar as defesas do adversário sem considerá-las, o que viola uma regra básica de um debate que é ouvir com atenção o que o outro diz e procurar compreender o que foi dito.
A rejeição à Butler e o protesto foram baseados numa distorção de seu pensamento. Nesse caso é difícil dizer se houve má fé com a distorção intencional das propostas da autora, ou se foi mera ignorância.
Outro debate importante é sobre o aquecimento global e sua origem nas atividades humanas. Há um consenso amplo na comunidade científica de o aquecimento está ocorrendo. Um número expressivo deles ainda defende que a causa é a descarga de gás carbônico na atmosfera, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis. Existem também, embora em menor número, alguns estudiosos que negam o aquecimento ou que sua origem esteja na atividade humana.
O argumento de antiguidade não serve para mostrar que a astrologia tem qualquer vinculação com a realidade (embora também não sirva para desqualificá-lo). O pastor pode ser bem instruído sobre as doutrinas que ensina mas isso não o qualifica a fazer afirmações sobre biologia. No último caso a autoridade irrelevante, como ele mesmo se declara, é o próprio afirmador.
A falácia naturalista é o conceito de que tudo o que é encontrado na natureza é bom por princípio. Ela foi usada na base do Darwinismo Social, a crença de que ajudar pobres e doentes seria algo contrário à evolução, que depende da sobrevivência do mais adaptado. Hoje os biólogos denunciam isso como uma falácia pois eles pretendem descrever o mundo natural com honestidade, sem fazer apelos morais àquilo que julgamos ser normas de comportamento. Um exemplo é a afirmação: ‘se pássaros e outros animais cometem adultério, infanticídio e canibalismo então humanos também podem fazer isso’.” (Steven Pinker, The Blank Slate)
Exemplo:
A falsa dicotomia, ou falso dilema, é um erro lógico que consiste em excluir todas as possibilidades de resolução de uma questão deixando apenas duas categorias possíveis. Essa falácia procura estabelecer a verdade de uma afirmação em contraposição a uma única posição divergente oposta à primeira, em geral mal escolhida e fácil de refutar. Com frequência as posições consideradas representam facetas extremas de alguma questão que suporta um espectro vasto de opções. Ela se aproveita do chamado “pensamento binário”, uma consequência da crescente radicalização das posições em voga na atualidade. Ao rejeitar uma das opções apenas a versão oposta pode ser verdadeira. Essa forma de pensamento provavelmente decorre do fato de que, muitas vezes na natureza, as coisas realmente são dicotômicas, tal como a ocorrência de um evento. Algo ocorreu ou não ocorreu!

Generalizações precipitadas podem levar a erros catastróficos. Foi o que se deu com a explosão do foguete europeu Ariane 5 em seu primeiro voo de teste. O software de controle do foguete havia sido utilizado sem falhas com o modelo anterior, Ariane 4. No entanto os engenheiros descobriram que nem todos os cenários possíveis de ocorrer no Ariane 5 estavam previstos pelos testes anteriores. Exatamente um desses que causou a falha.
Ameaças ostensivas e genéricas tendem a não oferecer evidências e são, quase sempre, tentativas de manipulação. No apelo ao medo há a tentativa de argumentação, em geral obscurecendo a ligação frágil entre a decisão e a consequência nefasta.
Essa falácia recebeu o nome do exemplo dado por Antony Flew em 1975 em seu livro Thinking about Thinking (Pensando sobre pensar). “Lendo o jornal Hamish se depara com uma notícia sobre um inglês que cometeu um crime horroroso. Ele reage dizendo: ‘Nenhum escocês faria algo tão horrível’. No dia seguinte o jornal traz outra notícia sobre um escocês que cometeu outro crime, ainda mais terrível. Mas Hamish não muda de opinião e afirma: ‘Nenhum escocês de verdade faria tal coisa’”.
No primeiro caso não há análise do mérito em se apoiar a greve mas apenas uma tentativa de desvalorizar o apoio com base na origem do político. No segundo não existe uma consideração sobre o porque das ideias antigas não permanecerem válidas. A terceira espera lançar descrédito sobre um produto baseado na desconfiança vaga de quem o produziu. Todas as três afirmações podem ser verdadeiras, mas não devido à argumentação que apresentam. A afirmação sobre geocentrismo parte de uma premissa verdadeira, a origem das expressões, mas desconsidera que as palavras ganharam novo significado com o novo entendimento da astronomia.
A ladeira escorregadia (“slipery slope”, em inglês) é conhecida também como “bola de neve”. Esta falácia busca refutar uma proposta sob a argumentação de que sua aceitação produziria uma sequência de eventos indesejáveis. Aqui também, pode ser correto dizer que existe uma certa chance de que os eventos possam ser produzidos, mas a argumentação falaciosa não oferece prova de que eles são inevitáveis, como se tenta fazer parecer. É frequente que essa argumentação esteja associada ao medo, estando relacionada a outras falácias como o apelo ao medo, falso dilema e argumento a partir das consequências.
No primeiro caso as duas afirmações significam a mesma coisa. No segundo o argumento é inteiramente inválido pois, para quem não acredita em Deus, ele não pode ter escrito ou inspirado os autores da Bíblia.
A consideração de coisas análogas pode ser útil para o entendimento de algo desconhecido, pelo menos em princípio. O organismo de ratos reage de forma análoga ao humano. Teste de medicamentos em ratos podem sugerir efeitos importantes que uma pessoa teria ao usar o mesmo medicamento. Esses efeitos devem ser depois testados em pessoas antes que seja colocado para uso comum.



Para as pesquisas eleitorais existem técnicas sofisticadas de escolha da amostra (os votos verificados) que melhor representam a população (todos os votos). Quanto melhor for essa escolha menor a faixa de erro envolvida. Quanto à velocidade da luz, não temos como saber se ela é a mesma em um ponto muito distante do universo ou em algum tempo remoto no passado. Uma única medida não compatível bastará para entendermos que essa não é uma quantidade universal.
