Suponha que você tome um comprimido grande e amargo para uma dor de cabeça, uma depressão ou um problema na pele e verifica que o remédio se mostra eficiente e resolve o seu problema. Mais tarde você descobre que tomou apenas uma pílula inerte, sem nenhum medicamento, composta de farinha ou lactose e algum elemento para dar um gosto amargo. Pronto, você acaba de encontrar o “efeito placebo”.
A experiência clínica indica, que quanto maior o comprimido e quanto mais amargo, maior será seu efeito. Comprimidos grandes, triangulares ou de cores intensas funcionam melhor que pílulas pequenas, de formato comum e sem cor. Tratamentos complexos, envolvendo máquinas, correntes elétricas ou aparatos tecnológicos funcionam melhor do que uma simples massagem, a menos que o paciente atribua ao massagista ou terapeuta algum dom ou virtude extraordinária. Placebos podem ser aplicados sob a forma de pílulas, cremes, inalantes, choques elétricos e até aparelhos de ultra som. A acunpuntura*, com agulhas aplicadas em pontos aleatórios, e eletrodos supostamente (mas não de fato) implantados no cérebro também demonstraram ser placebos eficientes. Placebos são importantes até mesmo em relação à substâncias comprovadamente eficazes, sendo que a reação do paciente consciente de que está recebendo uma droga é diferente da reação daquele que recebe a mesma droga sem o saber.
Uma ampla discussão sobre o uso deliberado do placebo para fins terapéuticos tem ocorrido ao longo dos anos sendo a crítica mais importante baseada na ética questionável da ilusão e engano do paciente. Por outro lado é difícil negar que muitas práticas terapéuticas antigas e outras não tão antigas, hoje consideradas ineficazes, resultaram em benefício de quem procura um médico ou curador.
A expressão “efeito placebo” foi usada originalmente para descrever um engano ou uma ilusão quanto ao uso de medicamentos ou tratamentos médicos diversos. Hoje, e cada vez mais, ela adquire um significado novo e importante, que não pode ser desprezado. O placebo cura e este fato precisa ser estudado e explorado em benefício de quem sofre de alguma forma. Claramente o efeito indica a importância do cérebro e sistema nervoso central para a manutenção da saúde e sua restauração, no caso de doenças. Para designar o efeito contrário ao desejado, quando um placebo causa desconforto e piora do paciente, foi inventada a palavra “nocebo”. A existência de nocebos não faz mais que reafirmar a importância do fenômeno.
Placebos são tão importantes que a pesquisa e a industria farmacéutica, ao investigar o funcionamento de uma nova substância, precisa realizar testes comparativos entre a substância estudada e um placebo, inerte. Este é o procedimento denominado “duplo cego randomizado”, onde uma parte dos pacientes recebe placebo e a outra recebe o medicamento. A palavra “randomizado” vem de random (do inglês) que significa aleatório. A expressão duplo cego significa que nem os aplicadores nem os pacientes podem saber que lote contém a substância em teste uma vez que, como já se sabe, este conhecimento (exatamente por conta do efeito placebo) altera o resultado da pesquisa. Os médicos aplicadores acompanham seus pacientes sem saber se eles estavam sob efeito do medicamento ou do placebo e enviam seus resultados para os pesquisadores. A conclusão final deve ser obtida por meio de um rigoroso estudo estatístico. Talvez seja uma surpresa para muitos saber que alguns medicamentos (os antidepressivos, por exemplo!) funcionam muito pouco acima dos placebos contra os quais foram comparados!
A abordagem “duplo cego” é importante em outros contextos além da pesquisa farmacêutica, por exemplo em contextos que envolvem comportamento e reações humanas. É bem conhecido, por exemplo, o efeito de cura obtido por um médico atencioso que dedica algum tempo simplesmente ouvindo seu paciente e o reconfortando, ou do médico otismista em oposição aquele que praticamente desengana seu paciente, mesmo que involuntariamente. Também as “cirurgias simuladas”, independentemente de sua validade ética, demonstram fazer efeitos sobre os pacientes. Pode até mesmo ocorrer que um paciente passe por um processo de cura mesmo sabendo que está recebendo placebos, embora a crença ou confiança na validade do tratamento seja uma parte essencial deste efeito.
Cabe ainda notar que o efeito tem importância diferente para diferentes doenças e que nem todos os médicos e pesquisadores estão completamente confiantes em seu poder. Por outro lado ele oferece uma “explicação” razoável para algumas curas milagrosas, tratamentos paranormais, poder da prece e de fé, entre outros.
A questão do tratamento estatístico é importante e de difícil compreensão para os leigos na área de pesquisa. Muito pouco adianta uma, duas ou dez pessoas afirmarem que um determinado medicamento é eficaz ou não. A natureza pouco intuitiva de alguns comportamentos estatísticos faz com que seja essencial um tratamento matemático rigoroso.
Texto excelente!!!
Obrigado, Vanessa. Ajude a divulgar o site.
Excelente texto, mesmo.
Penso que quando estamos em curso de formação na área da saúde pouco explica-se a respeito do “placebo” e dessa forma acostumamo-nos a usar o termo “e pronto”, se temos algo a ver com a área, aprendemos a “aceitar” os efeitos do placebo mesmo sem entender como funciona(exatamente).
— > é porque a questão não é simples e na realidade pouco “sabemos”… E o texto deixa isso bem claro!!! Também leva-nos a refletir sobre os mecanismos que podem (e obviamente existem) e que nos são desconhecidos, do cérebro e da mente em relação com o corpo–>
há sem dúvida um “iceberg” e o que conhecemos; é o mínimo… Ótimo assunto e excelente artigo. Obrigada!
Obrigado pela vista Cristina. Também acredito que esse assunto deve ser muito melhor estudado. E certamente será, num futuro próximo.
ah,muito bons assuntos como este,
e a forma como os traz.
Não pare, a gente agrdece.
😉
Obrigado!
Muito legal seu site e os temas que aborda. De clique em clique cheguei aqui. Não sei como “só sei que foi assim….” (acho que lendo e pesquisando sobre “viés de confirmação”. Há muito que ler e pesquisar ainda. Há um artigo hoje na Folha de São Paulo sobre o “efeito placebo” referenciando a homeoatia. Muito legal e polêmico para o pessoal de jaleco.
Se não leu segue aqui o link: Homeopatia é placebo, mas e os outros?.
Parabéns pelo site.
Obrigado pelo, pela sua participação, Paulo.
Deve ficar muito claro que não compreendemos completamente como funcionam os placebos. Está suficientemente claro, no entanto, que esse é um resultado de nossa psicologia profunda, tema que vem sendo explorado com algum sucesso pelos pesquisadores modernos.
A comparação com com placebos e a existência de grupos de controle na realização de pesquisa, quyando isso é possível, é essencial, mesmo sem esse entendimento completo do que é placebo.
O link para o artigo foi corrigido!