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Evolução
— Stephen Hawking, O Universo numa Casca de Noz.
Humanos existem no planeta há aproximadamente 300 mil anos, o que é muito pouco se comparado à idade da Terra (4,5 bilhões de anos), ou ao aparecimento das primeiras formas de vida (em torno de 3,7 bilhões de anos). Na maior parte de sua existência os humanos não foram muito diferentes de seus primos, os grandes primatas: orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos. A civilização, por sua vez, só teve início há pouquíssimo tempo na Mesopotâmia e Egito, algo em torno de 6 mil anos atrás.
Observe que três elementos são básicos para a definição de civilização. São eles: a fixação à terra e domínio da agropecuária, o tratamento da água consumida e de esgoto, o uso da palavra escrita. Pense em quantas pessoas hoje estão excluídas!
O ritmo de desenvolvimento das comunidades humanas é vertiginoso e só se acelera. A revolução industrial, que teve início em meados do século 18 até o início do século 19, alterou de forma dramática a vida das pessoas, começando pelas grandes cidades e depois se espalhando por toda a parte. As máquinas, à princípio construídas sobre um entendimento de termodinâmica, foram drasticamente alteradas, primeiro com o desenvolvimento do eletromagnetismo e construção dos motores elétricos, mais tarde com o advento da eletrônica e da computação.
O efeito das máquinas sobre pessoas e sociedade foi, e ainda é, complexo. Por exemplo, máquinas liberam pessoas das tarefas extenuantes, repetitivas ou de precisão. Uma pessoa com uma máquina produz mais que um grupo grande de pessoas no passado. No entanto as máquinas são cada vez mais complexas e caras e não podem ser adquiridas (nem operadas) por todos. Elas substituem os operários nas indústrias e fazendas, aumentam o lucro dos donos e não contribuem para a distribuição da riqueza.
A tecnologia traz vantagens óbvias que poucas pessoas hoje estariam dispostas a desprezar. Temos telefones, computadores, equipamentos hospitalares sofisticados, medicamentos e vacinas, entre muitos outros produtos que agilizam e facilitam a nossa vida. De fato, a tecnologia tem prolongado a vida humana em muitos anos. E nos tornamos profundamente dependentes dela. Só para ter um vislumbre dessa dependência, imagine o seguinte: o que aconteceria se os sistemas de comunicação, inclusive satélites, entrassem em colapso e deixassem de funcionar? Pode ser um exercício interessantes pensar nisso mas algo se pode adiantar: a sociedade, como a definimos hoje, colapsaria rapidamente.
Outro exemplo de faceta múltipla do impacto da tecnologia está no uso de antibióticos. Com a descoberta de que microrganismos podem causar doenças e que os antibióticos podem matar alguns desses invasores (fungos e bactérias, em particular) muitas doenças foram completamente superadas. No entanto o uso generalizado, muitas vezes de forma inconsequente e sem a instrução de um médico, está causando o surgimento das chamadas superbactérias. Essas superbactérias se desenvolvem por meio de seleção natural dos indivíduos resistentes aos medicamentos. Estamos muito próximos da exposição a bactérias que não respondem à nenhum dos antibióticos conhecidos.
Uma nova pressão, muito mais sutil mas não menos desafiadora, está na facilidade de acesso à informação e a possibilidade de difusão da opinião individual através da Internet e dos ambientes sociais virtuais. O otimismo inicial de que mais informação traria uma sociedade mais capaz de decidir e de se harmonizar foi frustrado e substituído por uma ambiente de radicalismo, de negação científica e crescimento de conceitos esdrúxulos e teorias conspiratórias. Essa é uma tendência muito nova e ainda não completamente compreendida.
Dito isso uma pergunta se torna evidente:
Estamos melhores agora?
Após todo esse processo evolutivo resta-nos perguntar: “Somos mais sensatos ou felizes?” É muito claro que vivemos um período de pujança produtiva. Sem tecnologia não seria possível produzir alimentos para um número tão grande de pessoas no planeta. Apesar da flagrante má distribuição da riqueza e dos recursos, hoje é produzida uma quantidade suficiente de alimentos para alimentar a toda a população do planeta, segundo o The World Economic Forum. Então um desafio óbvio é distribuir riqueza e recursos.
No entanto a população não para de crescer, principalmente nos setores mais carentes da população. Os meios de produção e o próprio cotidiano do cidadão moderno gera resíduos prejudiciais à natureza. Descarregamos uma quantidade de CO2 suficiente para alterar o clima, causando aquecimento por efeito estufa. Usamos tecidos sintéticos (em geral em mistura com fibras naturais) que produzem micro partículas plásticas levadas para rios e mares, afetando a saúde das espécies aquáticas. A produção de carnes exige a aglomeração de alto número de animais domesticados que poluem e consumem recursos hídricos importantes.
É frequente a afirmação de que a humanidade está falhando. O que se observa, no entanto, é exatamente o contrário: nossos problemas surgem do alto grau de sucesso na preservação e ampliação da espécie humana. Essa é a meta de todo ser vivo, microrganismo, planta ou animal. E humanos são animais, por mais que nossa vaidade vã, nossa filosofia ou religião, afirmem o contrário. Mais que isso, somos animais com a mesma estrutura cerebral de seres da caverna, nossos antepassados. Humanos colonizaram todo o planeta, de áreas geladas até os trópicos. Aprenderam a produzir comida domesticando animais e plantas.
A humanidade é uma espécie altamente bem sucedida. O problema é que agora nos deparamos com um problema nunca visto antes: a Terra é finita. Dada a escala de nossa expansão podemos ainda afirmar: a Terra é finita e muito pequena!
Temos inúmeros relatos de casos em que um determinado animal populou uma região qualquer, sendo nisso bem sucedido. Digamos que um tipo de gato chegue a uma ilha onde encontre muitos pássaros e nenhum predador. Os gatos podem se fartar de tanta comida, sem medo de serem, eles mesmos, devorados. Eles então se multiplicam o ocupam toda a ilha até que suas presas são extintas. Gatos bem sucedidos terminam sua existência devido à finitude da ilha onde moram.
lembrar que:
Podemos encontrar uma solução?
A tecnologia trouxe muitos problemas, inclusive por facilitar a expansão e sobrevivência humana. Deveríamos renunciar à ciência e tecnologia? Precisamos voltar a viver com a simplicidade de nossos antepassados, sem fazer uso de medicamentos ou máquinas?
Não se pode esquecer que tecnologia está associada à ciência, que é conhecimento. Hoje conhecemos mais, muito mais. Pela primeira em toda a história (pelo que se sabe) temos uma descrição fundamentada da origem do universo, da constituição da matéria, do processo de evolução dos seres vivos e de como as informações são passadas de pais para filhos por meio da genética. A indagação sobre o desconhecido é parte essencial dos humanos. Ela não pode ser abandonada. O uso da ciência na tecnologia é natural e dificilmente poderá ser impedido. Além disso outra pergunta pode ser feita: Existe outro caminho? Poderíamos ter tomado outra rota?
O passado não pode ser revisto. A situação desafiadora do presente é a única possível. Talvez possamos configurar e selecionar o futuro. E, para tal, é impensável descartar a tecnologia. Precisamos de mais tecnologia, de mais conhecimento. Precisamos aprimorar o processo educacional para formar cidadãos mais conscientes do processo civilizatório e dos problemas por ele introduzidos. A Educação é uma das chaves para o futuro.
Justiça e oportunidade
A construção de uma sociedade justa é outra condição essencial para um futuro harmônico e pacífico. Nenhum grupo de indivíduos, seja um bairro ou um país, terá paz com sua fartura e abundância de recursos se os grupos ao lado não têm acesso mínimo a condições de vida decentes.
Humanos evoluíram em um ambiente hostil e de parcos recursos. Tribos com acesso a boas áreas agricultáveis atingiram suficiência alimentar mais cedo. Tribos que domesticaram cavalos aprenderam formas de guerra mais eficientes. A identificação entre membros de um grupo, necessária para a formação de aldeias e cidades, também trouxe a rejeição ao diferente, ao estrangeiro. É completamente natural que uma tribo de negros na África estranhe e rejeite a chegada de pessoas brancas em seu território.
Essa identificação de grupo é a raiz do preconceito e segregação racial. A ciência, no entanto, mostra que existe uma variância muito pequena na genética humana. Todos os humanos no planeta possuem diversidade genética inferior à de um bando grande de chimpanzés. Nossas diferenças são superficiais, de fenótipo apenas. Não é verdade que as comunidades abastadas foram mais capazes que outras para reunir suas riquezas. Não é verdade que indivíduos em tribos primitivas não teriam condições de aprender ciência (ou outra arte) se expostos a bom sistema de ensino. Por isso é essencial que se procure a igualdade de oportunidades para todos, mesmo sabendo que nem todos os indivíduos terão o mesmo desempenho. Da mesma forma é necessário dar oportunidades iguais a pessoas de gêneros diferentes.
O futuro
O atual modelo de crescimento econômico está destinado ao colapso. Mesmo para baixo crescimento dos PIBs dos países, o que já é considerado um desastre no atual modelo, o crescimento é exponencial, o que significa o atingimento de números muito grandes passado algum tempo. Sem uma reformulação drástica do conceito de desenvolvimento estaremos sem recursos naturais em pouco tempo.
Muitas iniciativas promissoras estão em estudo e testes. Existe a exploração de recursos minerais extraídas de asteróides em órbitas próximas à Terra, o que indica a possibilidade de captação de recursos no espaço. Evidentemente a colonização de outros planetas (ou da Lua) pode ser uma alternativa importante para a preservação da espécie, embora estejam ainda em fases muito incipientes.
De mais concreto temos avanços importantes: a neurociência está ampliando rapidamente o entendimento de nosso próprio cérebro. Ela poderá, inclusive, instruir os métodos de ensino para torná-los mais eficientes. As técnicas de inteligência artificial também prometem ser coadjuvantes importantes nas descobertas científicas, na compreensão dos dados em grande escala e até mesmo na educação, facilitando o desenvolvimento de programas de ensino adaptados ao indivíduo. Outro exemplo está na capacidade de edição genética, inclusive de indivíduos adultos, o que poderá resultar em conquistas médicas importantes.
É claro que essas novidades tecnológicas podem ser novas ameaças. Para evitar que as novas tecnologias sejam empregadas para aumentar a violência, a segregação e a injustiça a única alternativa está na educação do indivíduo em todas as partes, de todos os níveis sociais.
Não é impossível, nem improvável, que uma forte perturbação do tecido social, como pode ocorrer como consequência do aquecimento global, por exemplo, provoque uma ruptura no paradigma atual e altere nossos mecanismos mais profundos herdados do processo evolutivo. A atual crise com o COVID-19, alterando de forma radical o estilo de vida do cidadão e os meios de produção também pode servir como um alerta e um ponta-pé inicial em uma transformação de nível global em direção à um planeta mais equilibrado e sustentável.
Acreditar que a situação já é irremediável é tão perigoso quanto desconhecer o problema eminente.
Espero a discussão do leitor sobre esse assunto. Deixe seu comentário, sua discordância ou sugestão de debate na área de comentários.
Leia mais nesse site:
Bibliografia
- Harari, Yuval; Sapiens uma breve história da humanidade, Companhia das Letras, São Paulo, 2013.
- Hawkings, Stephen; O universo numa casca de nóz, Editora Mandarim, São Paulo, 2001.
- Pinker, Steven; Os anjos bons de nossa natureza, Por que a violência diminuiu. Companhia das Letras, São Paulo, 2013.
- Greene, Joshua; Moral Tribes, Penguim Press, New York, 2013.
- Coyne, Jerry; Why Evolution is True, Oxford University Press, New York, 2009.
- Berkeley News; Montez, Roqua, Climate change and COVID-19: Can this crisis shift the paradigm?, 27 de abril de 2020, acessado em maio de 2020.
- SPACE.COM; Asteroid Mining May Be a Reality by 2025 , acessado e, maio de 2020.
- Wikipedia; Mitochondrial Eve, acessado em marco de 2020.