Acaso e Percepção Extrassensorial

Percepção Extrassensorial

JBRhine
J. B. Rhine com Hubert Pearce, psicólogo e parapsicólogo.

Em 1937 a telepatia estava na moda. O botânico e parapsicólogo J. B. Rhine havia lançado há pouco o livro New Frontiers of the Mind onde apresentava alegações extraordinárias sobre os experimentos de PES (percepção extrassensorial) na Universidade de Duke. Outro autor muito conhecido do público da época, Upton Sinclair, havia lançado um livro sobre seus experimentos em comunicação psíquica bem sucedidas com a esposa. A assunto era tópico das conversas em todo o país.

A nota (1) fornece alguns detalhes extras da história do experimento.

Em setembro de 1937 a Zenith Radio Corporation, em colaboração com Rhine, iniciou um experimento ambicioso. Um programa de rádio da emissora reuniu um painel de pessoas consideradas dotadas de percepções extrassensoriais, em particular a telepatia. Na medida em que o apresentador do programa ia sorteando em uma roleta uma sequêncis de 5 resultados binários, escolhendo entre X ou O, os especialistas se concentravam com todas a suas energias para transmitir para os ouvintes a sequência escolhida. Os organizadores do evento pediram que os ouvintes também se concentrassem para receber as transmissões dos telepatas, anotando as sequências de sinais percebidas e as enviando para a emissora.

Mais de 40 mil ouvintes responderam imediatamente e milhares de outras respostas chegaram depois. Foi um experimento em grande escala. A esperança era de que, mesmo que houvesse muitos erros, um número maior de adivinhações corretas aparecesse nas análises dos resultados. De fato, era o que deveria acontecer se houvesse algum efeito de telepatia entre as pessoas e os supostos telepatas.

Em um teste com 5 sequências, três deles foram “captados” pelo público em proporção muito maior que a esperada por mera coincidência. Um deles foi a sequência OXXOX descoberta por um número muito grande de ouvintes. Esse resultado surpreendeu a todos e os proponentes da percepção extrassensorial, juntamente com os empresários da rádio, comemoraram. O programa havia se tornado muito rentável e a rádio emitiu um comunicado de imprensa informando que haviam provado a existência de fenômenos paranormais.

Uma segunda análise

O experimento chamou a atenção de um jovem psicólogo chamado Louis Goodfellow, também contratado pela rádio Zenith. Ele empreendeu seu próprio estudo para determinar se poderia haver outra explicação para os resultados do experimento. Ele descobriu que, de fato, os experimentos não revelavam a existência de PES, embora apontassem para outro resultado muito interessante.

A nota (2) discute a necessidade da análise extra realizada por Goodfellow.

Ele percebeu que sequências tais como OOXOX eram identificadas pelo público com acerto acima do acaso, enquanto sequências como OOOOO eram escolhidas pelo público com menor frequência. Quando Goodfellow pediu às pessoas que inventassem uma sequência aleatória a sequência OOXOX apareceu muito acima de 30% das vezes.

Em seu laboratório Goodfellow realizou outros testes pedindo que as pessoas imaginassem resultado de um experimento aleatório com moedas, com 5 tentativas, cada uma resultando em cara ou coroa. Ele descobriu os resultados imaginados pelos participante não eram de fato aleatórios. De fato, 78% das pessoas iniciavam suas sequências com uma carana primeira jogada de moeda. (Se os resultados fossem aleatórios 50% apenas dos resultados deveriam se iniciar desta forma.)

A partir disso Goodfellow criou a hipótese de que o sucesso do experimento da rádio Zenith não tinha nada a ver com paranormalidade. Pelo contrário, ele revelava uma incapacidade inerente aos humanos de gerar listas ou sequências realmente aleatórias. Quando as pessoas tentam fazer isso elas acabam caindo em padrões que são muito similares entre as pessoas. Por exemplo, quando se pede a alguém para fornecer uma sequência binária de 5 posições (com apenas duas escolhas para cada posição) é muito improvável que ela escolha OOOOO ou XXXXX, mesmo que essas sejam tão possíveis como qualquer outra. Na cabeça das pessoas é muito mais “aleatório” escolher OOXOX ou XXOXO, mesmo que todas essas sequências tenham a mesma probabilidade (1/32) de ocorrerem. Resumindo, as pessoas do público acertaram sequências “mais prováveis”, que eles consideravam “mais aleatórias” que outras.

Probabilidade

A probabilidade de acerto em qualquer adivinhação consiste no número de casos considerados acertos, divididos pelo número de casos possíveis. Neste caso apenas uma sequência é correta. Na escolha de 5 ocorrências de um evento binário existem 2 possibilidades para a primeira sorteada, mais 2 para a segunda, até a quinta escolha. Ou seja, existem 25 = 32 possibilidades. Logo a chance de acerto aleatório é de 1/32.


Uma roleta, dado ou moeda honesta é aquela em que seus resultados podem ocorrer com a mesma probabilidade. Uma moeda não honesta pode ter um lado mais pesado que outro, ou pode conter cara dos dois lados.
Leia mais sobre Probabilidade e Estatística.

Como existem apenas 32 combinações possíveis, se você apenas inventar uma sequência qualquer, você tem 1/32 ou aproximadamente 3% de chance de acerto. Com uma roleta “honesta” todos os resultados são igualmente prováveis.

Se as pessoas conseguissem fazer escolhas realmente aleatórias, um experimento com poucas pessoas buscando descobrir sequências desse tipo exibiria uma distribuição espalhada das escolhas, sem nenhum padrão. (Veja adiante, sobre a Lei dos Pequenos Números). Mas se o mesmo experimento for repetido com grande número de pessoas todas as possibilidades seriam aproximadamente contempladas. (A Lei dos Grandes Números).

No experimento da rádio Zenith milhares de pessoas escolheram XOXOO com frequência muito mais alta que XXXXX. Naturalmente o experimento foi refeito (muitas vezes, na verdade). Nenhum resultado paranormal foi verificado, apesar da alta taxa de adivinhações em torno das sequências consideradas “mais aleatórias” que as demais.

Você participa de um experimento que sorteia 5 bolas pretas ou vermelhas, com igual probabilidade. Denotando preto por P e vermelho por V, suponha que você adivinhou a sequência PPVPV. Antes da verificação você tem 1/32 de chance de acertar. Mas, se você tiver acertado exatamente a sequência sorteada, não cabe mais perguntar que chances você tem. O experimento foi realizado e um das resultados possíveis foi selecionado.

Considere agora outra situação onde um número muito grande de pessoas participou. Várias delas terão acertado por acaso o resultado. Se você é uma delas a tendência é que considere esse experimento extraordinário, comprovando fenômenos paranormais. Por esse motivo é necessário sempre fazer uma análise estatística desse e de qualquer outro experimento.

Cérebro humano e probabilidade

Isso mostra um fato interessante, hoje bem conhecido. Nosso cérebro não sabe lidar bem com acaso e probabilidade. Intuitivamente (e erroneamente neste caso) achamos que OOOOO ou XXXXX são menos prováveis que qualquer outra sequência. Quantas pessoas você conhece dispostas a apostar na sequência 1 2 3 4 5 6 na Mega Sena? No entanto esse palpite é tão provável como qualquer outro que você escolher.

William Poundstone, escritor de divulgação científica em seu livro Rock Breaks Scissors, explora algumas das ramificações das descobertas de Goodfellow: “Ele basicamente mostrou que muitas das nossas pequenas decisões cotidianas são incrivelmente previsíveis”. Com alguns dados e conhecimento é possível prever muitas atitudes e decisões das pessoas. Por exemplo, no jogo pedra, papel, tesoura (jokempô) homens tentem a escolher pedra com frequência maior que as outras opções. Esse comportamento humano é observável e bem documentado. Ele é explorado, por exemplo, na propaganda eletrônica, na expectativa de se aproveitar de respostas padrões das pessoas.

Recentemente os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman propuseram a chamada Lei dos Pequenos Números, uma teoria que busca explicar a inabilidade humana para lidar com o acaso e aleatoriedade. Tendemos a esperar que pequenas amostras sejam representativas de uma amostra maior, de onde a menor foi extraída.

Atirando uma moeda 5 vezes você espera verificar um resultado com 2 ou 3 caras, e 2 ou 3 coroas, com alguma variação de padrão. Apesar dessa expectativa as chances de se obter 5 caras (ou 5 coroas) são de 1 em 32, como qualquer outra combinação.

A Lei dos Pequenos Números

A Lei dos Números Pequenos se refere à falsa crença de que uma amostra pequena deve necessariamente conter os padrões da amostra maior de onde ela foi extraída. Essa crença é bastante universal entre as pessoas, atingindo pessoas comuns e especialistas nas diversas áreas do conhecimento. A lei dos pequenos números é, na verdade, a indicação de uma falácia. A Lei dos Grandes Números é conhecida e está correta: uma amostra grande, mesmo que incompleta, é representativa do conjunto maior.

Suponha que você tem uma piscina cheia com 50% de bolinhas azuis, 50% vermelhas, bem misturadas. Se você tirar poucas bolinhas ao acaso há baixa probabilidade de que 50% sejam azuis, 50% vermelhas. Se você aumentar a sua amostra também aumentam as suas chances de que metade sejam azuis, metade vermelhas.

Notas

Cartas do baralho Zenner usadas por Rhine em seus testes de telepatia.

(1) Há uma ambiguidade nos relatos históricos à respeito do experimento da Zenith Radio Corporation. Em alguns relatos se descreve que os especialistas telepatas escolhiam sem sorteio os sinais que seriam “enviados” aos ouvintes. Em outros relatos os sinais eram escolhidos através de sorteio (o que, claramente seria a coisa mais correta a se fazer).

No primeiro caso o número de adivinhações corretas seria bem maior pois a mesma escolha tendenciosa seria observada tanto na escolha como na adivinhação. No segundo caso as observações consideradas “preferidas” teriam maior quantidade de acertos.

O relato mais completo que encontrei foi dado por William Poundstone em seu livro Rock Breaks Scissors. Um trecho do livro pode ser encontrado no site Science Friday, listado nas referências. Segundo esse autor diversos tipos de experimentos foram tentados por um período prolongado de tempo. As transmissões usaram cores, como branco e preto; cara e coroa; X e O. Em alguns testes 7 escolhas eram “transmitidas” e, pelo menos uma vez, dois dos sinais foram deixados nulos, sem nenhuma transmissão. Em todos os casos as sequências “prediletas” foram bem adivinhadas pelos ouvintes. Os sinais nulos, a ausência de transmissão de qualquer informação, nunca foram percebidos por nenhum ouvinte.

(2) É claro que esses resultados foram motivos de polêmica por muito tempo. Por que Goodfellow não pode simplesmente aceitar que existe a telepatia? Ocorre que não existe, no paradigma atual científico, nenhuma justificativa ou embasamento teórico que justifique a existência de fenômenos como o da telepatia. Não há nenhum campo físico conhecido que pode ser gerado pelo cérebro humano e captado remotamente por outros.

Evidentemente esses campos podem vir a ser descobertos um dia. Pode ser que fenômenos paranormais sejam compreendidos e usados. Mas, sem nenhuma evidência teórica, o melhor a fazer é aplicar uma boa dose de ceticismo e buscar explicações alternativas que não necessitem de elementos estranhos e externos ao paradigma aceito e consagrado.

A situação é análoga à que ocorreu em 2011 no acelerador de partículas CERN, Suiça quando experimentos pareciam indicar neutrinos viajando em velocidades superiores à da luz. Tal coisa viola a bem estabelecida Teoria de Relatividade e, se confirmada, provocaria uma grande alteração na física. Cientistas desconfiados fizerem uma varredura em todo o sistema de medidas até descobrir que havia um cabo mal conectado em um dos aparelhos.

Bibliografia

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