Como funcionam as vacinas?


História

Vacinas são a melhor resposta da medicina para alguns dos problemas gravíssimos que sempre enfrentamos.

Leia também: O que é um vírus?

Em 1796 Edward Jenner retirou uma secreção de lesões de vacas infectadas com a varíola bovina, uma forma mais branda que a humana, e injetou esse líquido em um garoto de oito anos. Ela havia observado previamente que pessoas que estavam em contato com aquelas vacas não contraiam a varíola que, na época, matava um número grande de pessoas. O experimento (que hoje jamais seria permitido por nenhum conselho de ética, é claro!) foi bem sucedido e o menino não adoeceu. Esta foi a primeira vacina de todos os tempos, recebendo essa denominação do termo latina vaccus (vaca).

Edward Jenner. Leia: O que é um vírus?, Varíola e Edward Jenner.

Quando microrganismos externos entram em nosso corpo o sistema imunológico desencadeia uma série de respostas na tentativa de identificar e remover os intrusos. Esse processo é contínuo pois estamos sempre em contato com microrganismos que podem ser nocivos. O sistema imunológico consiste em um conjunto complexo de células, tecidos, órgãos e moléculas que cumprem funções específicas em uma resposta coordenada para neutralizar vírus, bactérias, fungos e parasitas. Quando expostos a novas ameaças o corpo tem de partir do zero e construir as defesas necessárias.

Macrófagos são glóbulos brancos que engolem e digerem germes, células mortas ou bastante enfraquecidas. Eles deixam para trás partes dos germes invasores chamados antígenos, que o corpo identifica como perigosos e estimula o ataque de anticorpos. Os linfócitos B são glóbulos brancos defensivos. Eles produzem anticorpos que atacam os antígenos deixados pelos macrófagos. Os linfócitos T são outro tipo de glóbulo branco defensivo. Eles atacam células infectadas do corpo.

O sistema imunológico usa várias ferramentas para combater agentes infeciosos externos. O sangue contém glóbulos vermelhos que transportam oxigênio para tecidos e órgãos, e células brancas ou imunes, que combatem infecções. Esses glóbulos brancos consistem principalmente de macrófagos, linfócitos B e linfócitos T.

1955: Jonas Salk segura 2 garrafas contendo culturas onde foi desenvolvida a vacina para a poliomielite.

Quando o corpo encontra um patógeno pela primeira vez, ele pode levar vários dias para desenvolver as ferramentas de combate à infecção. Frequentemente os sintomas que sentimos em uma infecção são mais provocados pela resposta imune do que pelo agente infeccioso em si. Esses sintomas surgem como tosse, espirros, inflamação e febre que são os sinais de que nossas defesas estão agindo. Essas respostas imunes inatas também acionam uma segunda linha de defesa chamada imunidade adaptativa: células especiais chamadas linfócitos B e T são recrutadas para combater os invasores e registrar informações sobre eles, criando uma memória de como são os invasores e qual a melhor forma de combatê-los.

Apesar de termos esse mecanismo sofisticado de resposta ainda existe risco envolvido. O corpo demora um pouco para desenvolver essas respostas a responder aos patógenos. Há um gasto de energia nesse processo e, se o infectado estiver muito fraco, se for um idoso ou muito jovem, ou se tiver qualquer estado prévio que o debilite, pode ocorrer que o organismo não consiga enfrentar o patógeno, principalmente se ele for muito agressivo. Nesse caso a pessoa infectada pode adoecer gravemente ou até morrer. Quando os antígenos familiares são detectados, os linfócitos B produzem anticorpos para atacá-los.

Como funcionam as vacinas

Vacinas são formas de se introduzir no indivíduo um fator que faça seu corpo reconhecer e atacar um determinado patógeno. Elas ajudam a desenvolver a imunidade simulando uma infecção. Depois depois que o elemento de ataque desaparece o corpo retém linfócitos B e T que representam uma forma de memória, capaz de reconhecer e combater o invasor no futuro. Após a vacinação o organismo leva algumas semanas para produzir linfócitos T e linfócitos B. É possível, portanto, que uma pessoa seja infectada antes ou imediatamente após a vacinação porque a vacina não teve tempo suficiente para fornecer proteção necessária.

Tipos de vacinas

Existem alguns tipos diferentes de vacinas:

Vacinas vivas atenuadas: Existem vacinas que contém o organismo (vírus ou bactéria) que se quer combater vivo mas atenuado ou enfraquecido para que não cause doenças graves em pessoas saudáveis. Elas são eficientes para treinar o sistema imunológico pois causam um ataque parecido com uma infecção natural. Exemplos incluem a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (MMR) e varicela (varicela).

Apesar de serem eficazes, a produção de vacinas com organismos vivos atenuados é complexa e existe uma chance de que pessoas com sistemas imunológicos mais fragilizados não consigam derrotar o agente infeccioso e contraiam a doença.

Vacinas de patógeno inativado: Estas vacinas são produzidas por um processo de desativação ou morte do agente patogênico e podem combater vírus e bactérias. A vacina inativada contra a poliomielite é um exemplo. As vacinas inativadas produzem respostas imunes diferentes das vacinas vivas e atenuadas. Em alguns casos pode ser necessária a aplicações de várias doses para se atingir a imunidade desejada. Microrganismos inativados não conseguem se desenvolver dentro do corpo infectado e não adoecem a pessoa vacinada. Mesmo assim eles desencadeiam a resposta imune que ensina o sistema imunológico a reconhecer um ataque de forma que, em caso de um ataque real, o corpo já sabe se defender. Esse mesmo processo funciona na natureza, onde muitas doenças só podem infectar uma vez a pessoa, que depois terá sua imunidade reforçada para aquele microrganismo.

Toxóides: Essas vacinas previnem doenças causadas por bactérias que produzem toxinas no organismo. Em sua fabricação as toxinas são enfraquecidas para não causaram dano à pessoa vacinada. As toxinas enfraquecidas são chamadas de toxóides. Quando o sistema imunológico recebe uma vacina contendo um toxóide ele aprende como combater a toxina natural. Exemplos são as vacinas da difteria e do tétano.

Vacinas de subunidades: São vacinas que incluem apenas partes do vírus ou bactérias. Como essas vacinas contêm apenas os antígenos essenciais, aquelas partes do agente infeccioso que despertam a imunidade no corpo afetado, elas têm menos chance de provocar a doença ou efeitos colaterais. São exemplos as vacinas que usam apenas o envelope protéico de um vírus.

Vacinas conjugadas: As vacinas conjugadas combatem um tipo de bactéria que possue antígenos com um revestimento externo de polissacarídeos, que são substâncias semelhantes ao açúcar. Esse revestimento disfarça o antígeno e dificulta seu reconhecimento pelo sistema imunológico imaturo de uma criança. Vacinas conjugadas são eficazes para esse tipo de bactéria porque conectam (ou conjugam) os polissacarídeos a antígenos contra os quais o sistema imunológico responde muito bem. Essa associação ajuda o sistema imunológico imaturo a reagir ao revestimento e a desenvolver uma resposta imune. Um exemplo desse tipo de vacina é a vacina da influenza, tipo B (Hib).

Vacinas de DNA: Está sendo desenvolvida uma nova classe de vacinas que carregam apenas os genes do patógeno que produzem os antígenos específicos reconhecidos pelo corpo para desencadear sua resposta imune. Quando injetados esses genes instruem as células a produzir uma resposta imunológica mais específica e forte. Essa é a variedade mais segura de vacinas porque inclui apenas material genético específico, insuficiente para a reprodução do patógeno nas células infectadas. Entre elas está a vacina de RNA mensageiro.

Vacinas de RNA mensageiro: Vacinas que utilizam RNA mensageiro são uma novidade na prátiva médica, embora já venham sendo estudadas a algum tempo. Com a pandemia de SARS-CoV-2 se apressou a produção dessas vacinas, com bom resultado. Esses imunizantes são desenvolvidos a partir da replicação de sequências de RNA.

RNA mensageiro (RNAm) é um ácido nucleico é formado no núcleo da célula que transmite as informações contidas no código genético (DNA) e as leva para os ribossomos. Ele informa quais os aminoácidos e qual a sequência devem compor as proteínas no citoplasma.

No caso do Coronavírus existe uma proteína em formato de espinhos que a dão ele esse nome (a coroa). Esses espinhos, a proteína Spike, são responsáveis pela fixação do vírus às células do hospedeiro. As vacinas de RNAm forçam as células do sistema imunológico a gerar um pedaço de proteína. Em seguida as instruções do RNAm são destruídas. O sistema imunológico reconhece que essa proteína está fora de seu ambiente e constroi proteções contra esse material. Quando uma infecção verdadeira se apresenta o sistema imunológico já possui defesas construídas contra ela.

SARS-COV

Imagem colorida de microscópio eletrônico de transmissão mostra o SARS-CoV-2, causador da COVID-19 – isolado de um paciente nos EUA. Os picos na borda externa das partículas do vírus são as proteínas spike que dão aos coronavírus seu nome, semelhante a uma coroa. Crédito: NIAID-RML.

É importante observar que a vacina NÃO contém vírus vivo e não pode causar a COVID-19. Embora se tenha verificado que pessoas vacinadas ainda podem adoecer com a COVID, também se sabe que a gravidade da doença se torna bem menor após sua administração.

Vacinas são uma grande conquista e continuam a fornecer meios eficazes e seguros para combater doenças que, sem elas, continuariam a matar milhões de pessoas no mundo todo ano.

Vacinas que requerem mais de uma dose

Existem algumas razões pelas quais algumas vacinas precisam ser aplicadas mais de uma vez para atingirem eficácia completa. Algumas vacinas (principalmente as inativadas) não produzem imunidade completa com uma única dose. A vacina contra a bactéria Hib, que causa meningite, é um bom exemplo.

Em outras a imunidade começa a diminuir após algum tempo, quando se torna necessária uma dose de reforço, o que pode ocorrer vários anos após a administração da aplicação inicial. É o caso da vacina DTaP que protege contra difteria, tétano e coqueluche: crianças recebem 4 doses iniciais sendo necessária uma dose de reforço aos 4 anos até os 6 anos. Outro reforço é necessário aos 11 ou 12 anos de idade. Principalmente para as vacinas vivas mais de uma dose é necessária para o completo desenvolvimento de melhor resposta imune.

No caso da vacinas contra a gripe, adultos e crianças com mais de 6 meses devem tomar uma dose a cada ano. Isso acontece porque o vírus passa por mutações aceleradas, fazendo com que o sistema imunológico não mais o reconheça. As principais cepas em circulação, mas não todas, são usadas nesse desenvolvimento.

Existem muitas vacinas que usam apenas algumas cepas de vírus quando na natureza uma variedade grande deles é encontrada. É o caso da vacina contra o HPV e a própria gripe. Em princípio se estima que o combate àquelas cepas já causa benefício suficiente para quem toma a vacina. Há muito debate sobre o tema e uma grande esforço para o desenvolvimento de novas formas de vacinação. É considerada inclusive a possibilidade de se aplicar vírus bacteriófagos para combater bactérias que estão se tornando resistentes aos antibióticos.

Conclusão

Muitas pessoas acreditam que só serão imunizadas adquirindo a doença, ou que a imunização natural é melhor do que a fornecida pelas vacinas. Deve-se lembrar que muitas infecções naturais podem causar complicações graves e levar a morte, além de se espalharem de modo perigoso para outras pessoa. Isso acontece até em doenças que as pessoas consideram brandas e não perigosas, como a gripe e a varicela. Mesmos nesses casos não se pode prever quais dos pacientes terão complicações que os levem à hospitalização ou à morte.

A pólio está quase erradicada no mundo.

Como qualquer medicamento as vacinas podem causar efeitos colaterais. Os mais comuns são leves mas não é impossível que ocorram efeitos graves. O estudo desse tema é complexo. Para que uma vacina seja aprovada pelos orgãos fiscalizadores de saúde é necessário que o dano porventura causado por ela seja muito inferior ao benefício que ela traz. Existe ainda a questão do controle coletivo de uma doença. Muitas pessoas não podem ser vacinadas, por fragilidade de seu sistema imunológico ou por terem alergia a algum componente utilizado. Para que toda a comunidade fique livre de uma infecção é necessário que um número crítico de pessoas tenha sido imunizado.

Nos últimos tempos tem surgido movimentos antivacinas, formados por pessoas que preferem acreditar em um influenciador digital ou em algum site explorador de credulidade, e não em seu médico ou nos cientistas. Existem aqueles que negam que doenças possam ser causadas por organismos minúsculos que eles não podem ver. Essa atitude tem causado problemas de saúde pública em todo o mundo, inclusive com o retorno de doenças que estavam quase erradicadas.

Essa tendência é parte de um movimento muito mais grave que agrupa negadores da ciência em várias áreas. Entre esses estão aqueles que defendem com ferveor que vacinas causam autismo, uma correlação nunca encontrada em pesquisas científicas. A melhor vacina para esse fenômeno é o conhecimento.

Bibliografia:

todos acessados em janeiro de 2022.

O novo Coronavírus

Número total de casos confirmados da COVID-19

O novo Coronavírus


Em dezembro de 2019 começaram a aparecer nos hospitais de Wuhan, China, os primeiros casos suspeitos de infecção por um novo tipo de vírus. As primeiras pessoas infectadas haviam circulado por um grande mercado especializado em frutos do mar e que também vendia animais vivos, sugerindo que a nova infecção fosse um tipo de coronavírus. O mercado foi rapidamente fechado e as pessoas com os sintomas foram isoladas. Um teste para o diagnóstico específico detectou a presença do novo vírus, então denominado SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2, também chamado de HCoV-19). A doença por ele provocada foi chamada de COVID-19 e 41 pessoas foram diagnosticadas com o vírus, entre elas visitantes e trabalhadores do mercado.

Em 9 de janeiro ocorreu a primeira morte decorrente da epidemia. A Comissão Nacional de Saúde da China confirmou, em 20 de janeiro, que o novo vírus poderia ser transmitido entre seres humanos, quando médicos e enfermeiro começaram a adoecer. Um aumento acentuado de casos ocorreu na China, incluindo pessoas em outras cidades. A preocupação aumentou com a aproximação do Ano Novo chinês, que reúne todos os anos milhares de pessoas em todo o país. Em 23 de janeiro Wuhan foi colocada em quarentena, seguida de cidades em sua vizinhança. Em 24 de janeiro o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado fora da China, na França. A confirmação de casos ocorridos em um prédio de Wuhan levou os pesquisadores suspeitarem de que o vírus possa ter se espalhado pela tubulação de água. O prédio foi evacuado.

Logo no início da epidemia cientistas chineses sequenciaram o genoma do SARS-CoV-2 e disponibilizaram os dados para pesquisadores de todo o mundo. Enquanto isso o CDC (Center for Disease Control) nos EUA verificou que pessoas contaminadas assintomáticas poderiam infectar outras pessoas, o que torna o controle da difusão do vírus mais difícil. Em 11 de março a OMS decretou o estado de pandemia, o que significa que todo os países do planeta estão sujeitos à infecção. Até 18 de abril de 2020 foram confirmados mais de 2 milhões de infectados, com mais de 155 mil mortes em todo o mundo. Esses números devem ser considerados inferiores aos números reais devido à subnotificação, que são casos de infectados e mortos não confirmados ou não registrados oficialmente. Comparado com o surto de SARS (2002-2003), em apenas dois meses o surto da Covid-19 causou um número maior de infecções. O novo vírus parece ter uma taxa de mortalidade bem menor, de 4% comparados com SARS (10%). Mas essa taxa varia muito entre faixas etárias, podendo chegar a ser acima de 15% entre os mais idosos.

A resposta global está sendo rápida para impedir a propagação do vírus. A maior parte dos países adotou medidas fortes para conter o espalhamento da doença. Entre elas está o confinamento das pessoas, a restrição da circulação daqueles que podem ficar em casa. O objetivo do confinamento é o de impedir que muitas pessoas adoeçam simultaneamente, causando colapso do sistema de saúde. Naturalmente o confinamento também traz grandes problemas tais como danos severos à economia dos países. Uma grande recessão é prevista para esse ano de 2020.

Não se conhece tudo sobre o vírus. Existem muitos tipos de coronavírus que usam morcegos e outros animais como hospedeiros. A maior parte deles não consegue transpor a barreira entre espécies para infectar outros animais. Provavelmente uma mutação do vírus permitiu esse espalhamento e dados indicam que a infecção se deu por meio de animais selvagens vendidos no mercado de Wuhan. A doença ataca as vias respiratórias inferiores com sintomas de febre, tosse e dificuldade em respirar. Pneumonia pode surgir em 20% dos casos, com risco para a vida. Acredita-se o vírus se espalhe pelas secreções respiratórias, por exemplo com a tosse ou espirro de um infectado a menos de 2 metros.

O vírus SARS-CoV-2 é um parente próximo do vírus que causou a epidemia em 2002. Ele é o sétimo coronavírus a infectar humanos. Como um vírus novo, significando que sua sequência genética foi elaborada a pouco tempo, não existem medicamentos nem vacinas para combatê-lo. Além disso nosso sistema imunológico não o reconhece e não tem as instruções necessárias para impedir sua proliferação. Tem havido bom sucesso na recuperação dos afetados — o que significa que médicos conseguiram controlar os sintomas da covid-19 por tempo suficiente até o próprio corpo consiga eliminá-lo. Ainda não se sabe se podem ocorrer reinfecções, i.e., se pessoas curadas podem contrair novamente a COVID-19. Existem indicações de que os anticorpos formados durante a primeira infecção podem não durar por muito tempo.

Foram analisadas as agulhas do vírus, projetadas para fora do envelope, que ele usa para se grudar e penetrar nas paredes externas das células humanas e animais. Todas as evidências apontam para uma evolução natural desse vírus, hipótese apoiada pelos dados do genoma SARS-CoV-2 e sua estrutura molecular geral. Esse vírus se assemelha a vírus da mesma família encontrados em morcegos e pangolins.

De onde vieram os SARS-CoV-2s?

Mercado de animais de Wuhan

Com base na análise do sequenciamento genético os pesquisadores concluíram que as origens mais prováveis para o SARS-CoV-2 estão em um dos cenários seguintes:

  • O vírus evoluiu por meio da seleção natural em um hospedeiro não humano e depois saltou para os humanos. Esse mesmo mecanismo deu origem a surtos anteriores de coronavírus quando humanos contraíram o vírus após exposição direta a gatos selvagens (SARS) e camelos (MERS). Acredita-se que os morcegos são o reservatório mais provável para o SARS-CoV-2, pois ele se parece muito com o coronavírus deste animal. Como não há casos documentados de transmissão direta de morcego para humanos isso sugere a existência de um hospedeiro intermediário (como os gatos e camelos, nos casos passados). Nesse cenário o vírus teria desenvolvido os ganchos de ligação com humanos antes da transferência, o que explicaria a rápida difusão assim que os humanos foram infectados.

    Como muitos casos do COVID-19 foram associados com o mercado Huanan em Wuhan é bastante provável que o animal transmissor estivesse à venda neste local. O vírus corona no morcego rhinolophus affinis é 96% (aproximadamente) idêntico ao SARS-CoV-2. Mas suas protuberâncias (as agulhas responsáveis pela fixação do vírus na célula hospedeira) são diferentes, uma indicação de que esse vírus não se afixaria à células humanas. Já o pangolim da Malásia, Manis javanica, que é comercializado ilegalmente na China, é portador de um corona similar ao vírus que afeta os humanos. Para os cientistas essa é uma indicação forte de que o SARS-CoV-2 sofreu mutações dentro de animais, saltando a barreira entre espécies até atingir as pessoas que circulavam no mercado de Wuhan.

    Apesar de que nenhum vírus em animais (nem do morcego nem do pangolim) foi encontrado com as exatas características de um ancestral direto do SARS-CoV-2, as espécies de vírus em animais não são totalmente conhecidas. O hospedeiro ancestral teria que ser abundante na região para que as mutações naturais progredissem ao ponto de gerar um vírus que pode infectar humanos.

  • Outro cenário proposto sugere que uma versão não patogênica do vírus saltou de um hospedeiro animal para humanos e depois evoluiu para seu estado patogênico. Por exemplo, um coronavírus de pangolins, com sua estrutura semelhante à do SARS-CoV-2, poderia ter sido transmitido a um ser humano, diretamente ou através de um hospedeiro intermediário, como gatos selvagens ou furões. Nesse caso a habilidade de se fixar e penetrar a célula humana teria evoluído dentro de um hospedeiro humano, possivelmente através de circulação não detectada na população.

    Todos os genomas já sequenciados de SARS-CoV-2 possuem características comuns, o que leva à conclusão de que possuem um ancestral comum. Estimativas indicam que o ancestral mais recente do SARS-CoV-2 deve ter infectado seu hospedeiro em algum momento entre o final de novembro e início de dezembro de 2019, o que é consistente com a estimativa do surgimento do primeiro infectado. Este cenário presume que houve um período de circulação não detectada do vírus em humanos.

  • Muitos laboratórios em todo o mundo estão desenvolvendo pesquisas com coronavírus do tipo SARS-CoV, fazendo culturas em células e simulações. Em várias circunstâncias foram documentados o escape de SARS-CoV, apesar do alto nível de segurança desses laboratórios. Torna-se, portanto, indispensável pesquisar a possibilidade de que esse vírus tenha escapado de algum destes laboratórios. No entanto a semelhança entre coronavírus de pangolins com os de humanos, possuindo células e mecanismos de invasão celular análogos, tornam essa hipótese menos provável.

Com o que se sabe do vírus hoje é difícil decidir entre essas hipóteses. Se verificado que SARS-CoV-2 infecta humanos já em sua forma patogênica podemos supor que futuros surtos são possíveis, pois a cepa do vírus original ainda pode estar circulando em animais. A segunda possibilidade torna mais improvável um novo surto semelhante.

Apesar da insistente acusação de que essa cepa de vírus possa ter sido desenvolvida em laboratório com fins políticos e econômicos a análise de vários grupos de pesquisa indicam que ela não foi artificialmente manipulada. Esses estudos mostram que o novo vírus não foi desenvolvido a partir de nenhuma das variantes conhecidas de corona vírus, o que seria mais provável no caso de uma manipulação genética intencional.

A maioria das pessoas infectadas com o vírus desenvolve doença respiratória leve a moderada e se recupera sem a necessidade de tratamentos especiais. Os idosos e pessoas com condições prévias, como doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas e câncer, são mais vulneráveis e suscetíveis de desenvolverem doenças graves.


É provável que em um futuro próximo a maioria das pessoas no planeta tenham sido expostas ao vírus. No momento é importante garantir que o número de doentes com necessidade de intervenção médica não seja superior à capacidade de atendimento em hospitais e UTIs. Por isso é importante desacelerar a transmissão. O isolamento social, com pessoas evitando a circulação tanto quanto possível, é uma forma de retardar o contágio. Outra forma seria realizar o teste em muitas pessoas, isolando apenas os contaminados. A curva na animação mostra que, ainda que um número idêntico de pessoas seja contaminado, se esse processo for mais lento existirá, a cada momento menos pacientes a serem tratados. A curva inicial tem um pico alto ocorrendo em menor tempo, representando o número de doentes se nenhuma iniciativa de desaceleração for feita. A curva final indica o espalhamento no tempo que deve ocorrer se medidas apropriadas forem adotadas. A reta tracejada significa a capacidade médica de atendimento, que pode ser incrementada se houver tempo suficiente para isso.Eventualmente teremos maiores recursos para tratamento dos doentes, ou uma vacina que impeça a infecção. O retorno às atividades normais, após a fase de distanciamento social, deverá ser feito com cuidado, obedecendo critérios científicos. Veja, por exemplo, o artigo em Jacobs Consultoria, Como alguns países europeus retomarão suas atividades escolares.

O vírus se espalha principalmente por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Por isso é importante que as pessoas mantenham distância entre si e impeçam o espalhamento de gotícula durante a tosse ou espirro. O período de incubação vai de 1 a 4 dias. Durante esse período a pessoa pode estar contaminada mas não apresentará sintomas da doença. No momento (abril de 2020) não existem vacinas ou tratamentos específicos para o COVID-19 embora muitos ensaios clínicos estejam em andamento. A Organização Mundial da Saúde, a OMS ou WHO (em inglês) tem sido a melhor fonte de informação sobre o vírus e a pandemia por ele causada.

Mortes, COVID-19
O número de mortes pode não ser preciso devido à subnotificação de casos.

Origem dos Vírus

Essa seção trata da origem evolucionária de todos os vírus, e não apenas do novo coranavírus, tratada acima. Apesar de não existirem vírus fossilizados é possível desvendar a histórias de alguns vírus devido ao fato de que os genes de muitos vírus, como os da herpes e da mononucleose (causado pelo vírus de Epistein-Barr), compartilham propriedades com os genes das células que infectam . Isso sugere que eles se originaram como grandes blocos de DNA celular que mais tarde se tornaram independentes. Também pode ter ocorrido que esses vírus surgiram bem no início do processo evolutivo e que seus genes se incorporaram depois ao genoma das células. Alguns vírus que infectam humanos possuem estruturas parecidas com as de vírus de bactérias, uma indicação de que têm uma origem comum. Por outro lado a maioria dos vírus modernos têm em seu genoma segmentos provenientes de diferentes origens, de plantas, animais e outros vírus. Isso representa um problema adicional busca por suas origens.

Considerando que vírus como o do Ebola e Marburg (causador de uma febre hemorrágica) são relacionados com aqueles que causam sarampo e raiva, e são encontrados em poucas espécies, surgiu a sugestão de que todos eles são relativamente novos, em termos evolutivos. É possível que tenham se originado em insetos há milhões de anos e, em algum momento de sua evolução, conseguiram saltar a barreira entre espécies.

Vírus não são um aglomerado fortuito de genes e seu DNA (ou RNA) representa um arquivo genético que está evoluindo no planeta há bilhões de anos. A pesquisa atual considera a hipótese de que eles tenham surgido antes das células mais complexas ou de que o DNA tenha surgido primeiro nos vírus e depois passado para seus hospedeiros por meio das infecções e trocas genéticas.

O origem dos vírus continua um enigma. Sabemos que eles são muito antigos. Vírus muito parecidos infectam organismos nos três domínios da vida (Archaea, Bactéria e Eukarya), o que sugere que eles já existiam antes que esses domínios se separassem de seu ancestral comum, chamado de LUCA, o último ancestral celular universal.

Como eles não formam fósseis são necessárias técnicas moleculares para investigar seu surgimento. Além disso, como o material genético viral ocasionalmente se integra ao genoma dos organismos infectados, que são passados para seus descendentes por muitas gerações, o estudo da genética dos próprios hospedeiros podem revelar coisas interessantes sobre os vírus.

Existem três hipóteses principais que visam explicar as origens dos vírus:

  • Hipótese regressiva: No passado remoto vírus podem ter sido células pequenas que parasitavam células maiores. Com o passar do tempo a informação genética celular não necessária para a realização desse parasitismo foi perdida, deixando apenas o núcleo de RNA ou DNA e os envelopes. Como apoio a essa hipótese encontramos bactérias como a rickettsia e clamídia que só podem se reproduzir dentro de células hospedeiras, da mesma forma que os vírus.
  • Hipótese de origem celular: Vírus podem ter surgido a partir de pedaços de DNA ou RNA que se destacaram do genoma de um organismo mais complexo. Existem nos organismos pedaços de DNA que vagam livres entre as células (os plasmídeos), assim como moléculas de DNA internos à célula mas que se replicam e se movem para posições diferentes daquelas em que estavam (os transposons). Transposons já foram chamados de genes saltadores sendo elementos genéticos móveis que podem ter dado origem de alguns vírus.
  • Hipótese de co-evolução: Essa hipótese propõe que os vírus podem ter evoluído a partir de moléculas complexas de proteínas e ácidos nucléicos simultaneamente com as primeiras células. Eles poderiam ser dependentes da vida celular desde a formação, há bilhões de anos. Existem os viróides, moléculas de RNA soltas que não possuem uma camada protéica e por isso não são considerados vírus, mesmo possuindo características comuns a vários vírus. Os viróides são patógenos importantes das plantas e não codificam proteínas, mas interagem com a célula hospedeira usando seu mecanismo de replicação. O vírus da hepatite delta humana tem genoma de RNA semelhante aos viróides, mas possui uma camada protéica derivada de outro vírus (da hepatite B) e é incapaz de se reproduzir. Ele é considerado um vírus defeituoso que pode se replicar dentro de uma célula mas necessita da presença do vírus da hepatite B para receber dele um revestimento protéico sem o qual ele não poderia se transmitir para novas células. De maneira semelhante existem os chamados vírus satélites como o virófago sputnik que depende de um mimivírus. Esse tipo de vírus pode ser um intermediário evolutivo entre viróides e vírus.

Nenhuma dessas hipóteses é totalmente satisfatória para explicar o que se sabe sobre os vírus. É bem aceito pela comunidade científica que eles são seres muito antigos, provavelmente anterior ao LUCA, o ponto de bifurcação entre os três domínios. Já se sugeriu que os vírus conhecidos não são todos derivados de um único ancestral comum. Se isso for correto houve várias ocorrências do passado, por um ou mais mecanismos, de geração de vírus.

A evolução do vírus é um campo fascinante de pesquisa que continua sendo um tópico importante, mas até que seja resolvido, a questão de como os vírus se encaixam na árvore da vida permanece sem resposta.

Bibliografia:


Leia também: Como funcionam as vacinas?

Outros tipos de vírus

Bacteriófagos, vírus que infestam as bactérias

Já sabemos que, além dos vírus, bactérias representam um enorme desafio à saúde humana. Muitos problemas causados por elas foram resolvidos pela descoberta dos antibióticos. Um exemplo é a tuberculose que matou tantas pessoas no passado e hoje pode ser resolvida com um tratamento com antibióticos.

Felix d’Herelle

Em 1917 a médico canadense Felix d’Herelle, tratando de soldados infectados por bactérias na segunda guerra mundial, fez uma descoberta importante. Ele coletou as fezes de soldados com disenteria, causada pela bactéria Shigella, e passou esse material por filtros finos capazes de impedir a passagem da bactéria causadora. Depois ele desenvolveu culturas de amostras de Shigella e misturou nelas o primeiro líquido filtrado. A bactéria se desenvolveu deixando, no entanto, áreas limpas onde a bactéria estava morta. Herelle concluiu que algum elemento nessas manchas, provavelmente contendo vírus (pois passaram por poros diminutos) , havia dizimado as bactérias. Ele os denominou bacteriófagos ( comedores de bactéria). Mais tarde, com o uso de microscópios eletrônicos, essa descrição foi confirmada. Na visão ampliada foram vistos os fagos formados por pequenas caixas dotadas de pernas, que se aderiam às bactérias e as matavam. Muitas outras espécies de fagos foram descobertas e se entendeu que eles formam uma classe de vírus especializados no ataque à bactérias.

Herelle usou esses fagos no tratamento de soldados. Para se certificar de que o procedimento era seguro ele ingeriu uma porção desses vírus sem adoecer. Primeiro ele tratou pacientes com disenteria e cólera. Depois aplicou o mesmo remédio a doentes de peste bubônica, curando todos eles. Apesar desse sucesso alguns médicos se sentiam desconfortáveis com o uso de vírus vivos como remédio. Eventualmente o desenvolvimento dos antibióticos, que são produtos químicos e proteínas produzidos a partir de fungos e bactérias, tornou obsoleta essa abordagem.

Bacteriófagos, vírus que atacam bactérias

O estudo dos fagos não terminou por aí e existe uma grande chance de que eles ainda se tornem necessários na medicina. Em 1963, na Georgia, então parte da União Soviética, foi realizada um grande teste clínico usando 30.769 crianças. Metade das crianças tomaram um comprimido com fago da Shigella, a outro metade tomou um placebo (pílulas contendo apenas açúcar, no caso). As crianças foram observadas por 109 dias e se constatou que aquelas que ingeriram o fago tiveram 3,8 vezes menos disenteria. Os resultados permaneceram secretos por um tempo devido ao isolamento dos soviéticos com o mundo ocidental. Com a queda da União Soviética, em 1989, esses relatórios começaram a circular e um grupo de pesquisadores no ocidente iniciaram suas pesquisas com fagos, apesar da relutância de muitos em usar vírus ativos como remédios.

Aqueles que são contra o uso desses vírus, além do receio de que eles possam sofrer mutações adversas em nosso organismo, argumentam que cada espécie de fago ataca apenas um tipo de bactéria enquanto os antibióticos matam uma variedade delas. Além disso bactérias sofrem mutações e evoluem para se tornar resistentes aos fagos, o que pode gerar organismos difíceis de serem combatidos. Os que são a favor nos lembram que temos em nossos corpos uma grande quantidade de bactérias (em torno de 100 trilhões) que certamente são alvos de fagos. Além disso qualquer produto que consumimos na alimentação estão repletos de fagos. Eles defendem que a aplicação de fagos de espécies variadas poderia ser usada para aumentar o espectro de eficácia. E, finalmente, que se poderia evoluir fagos artificialmente para dar combate às bactérias resistentes.

Esse é o motivo para a firme controle do uso de antibióticos. Tratamentos incompletos, ou medicamentos indevidamente escolhidos, promovem a proliferação de bactérias resistentes. Antibióticos no organismo ou atirados ao meio ambiente são responsáveis pela proliferação de bactérias que evoluíram para suportar os antibióticos.

Enquanto esse debate se desenrola a prática médica se depara com um problema emergente. Bactérias tratadas com antibióticos evoluem e adquirem resistência. Existem motivos para acreditar que uma bactéria pode se desenvolver ao ponto de não ser suscetível a nenhum dos antibióticos existentes, se tornando uma superbactéria. Nesse caso pode se tornar estritamente necessário lançar mão do uso de vírus para combater bactérias resistentes.

Retrovírus endógenos

No genoma humano, hoje completamente mapeado, existem milhares de segmentos de genes importados de vírus. Considerando que as trocas genéticas entre vírus e hospedeiro, e vice versa, são comuns em microrganismos e em mamíferos, e são parte integrante da história de nossa formação como espécie e indivíduo, cabe perguntar quanto de nosso DNA foi ali colocado por vírus e o que essa parte representa em nossa formação.

Pesquisando a causa de câncer pesquisadores identificaram o vírus da leucose aviária como um dos grandes causadores da doença. Esse vírus pertence à classe dos retrovírus. Em certas condições a célula é forçada a replicar o vírus completo, inclusive com sua capa de proteína. Em seguida esse vírus pode escapar da célula e partir para novas infecções. Nessa operação, algumas vezes, os genes do hospedeiro que estavam desabilitados são reativados por influência do vírus. Esses genes podem causar câncer .

Foi observado que galinhas saudáveis podem portar o vírus e, ainda assim, gerar descendentes sadios. A pesquisa mostrou que os segmentos genéticos do retrovírus estavam incorporados e inertes dentro do DNA das aves. Sob o efeito de influenciadores externos (como produtos químicos ou radiação) esses segmentos podem ser arrancados de dentro das células, provocando a doença nos animais testados. Aves selvagens consideradas ancestrais das galinhas domésticas também têm esses segmentos virais embutidos em seu DNA. Denominou-se então esse tipo de vírus de retrovírus endógeno (onde endógeno significa vindo de dentro). Muitas outras espécies, além das galinhas, carregam esse mesmo vírus.

Alguns segmentos de retrovírus no DNA humano se parecem com segmentos encontrados em macacos. Outros se assemelham aos de outros animais. Hoje se estima que 8% do DNA humano é formado por fragmentos de retrovírus, a maioria deles desativados. Mas também existem aqueles que estão ativos e são úteis para a nossa existência. Por exemplo, quando um feto se desenvolve no ventre da mãe parte de seu material genético é usado na formação da placenta, responsável por levar alimentação da mãe até o bebê. Um retrovírus endógeno, há muito incorporado ao DNA humano, instrui a formação de uma proteína que permite a fixação das células da placenta com o organismo da mãe.

Vírus da Imunodeficiência Humana, HIV (Human Immunodeficiency Virus)

No final de 1980 alguns homens jovens, sem histórico de outras doenças, foram atendidos em hospitais de Los Angeles com uma forma rara de pneumonia causada pelo pneumocystis pneumonia, um fungo bastante comum que o organismos saudáveis conseguem combater sem maiores problemas. Todos eles foram diagnosticados com a incidência de um vírus que ataca as células de defesa do organismo, então denominado HIV. Descobriu-se que esse vírus estava agindo por mais de 50 anos e, até o final da década de 1980, já havia infectado 60 milhões de pessoas, matando quase a metade deles.

Fotografia com microscópio eletrônico de HIV-1 (em verde) brotando de uma cultura de linfócitos. As protuberâncias redondas na superfície da célula representam pontos de montagem de virions sendo expelidos da célula.

O HIV se transmite por meio de fluidos corporais , em particular pelo sangue e sémen. As pessoas se contaminam fazendo sexo sem proteção, compartilhando seringas entre usuários de drogas, através de transfusões com sangue contaminado ou diretamente entre gestante e bebê. Como outros vírus, o HIV insere seu material genético em células hospedeiras, se multiplicam dentro delas e depois escapam para provocar novas infecções. Dentro do corpo infectado o HIV se multiplica rapidamente e é logo combatido pelo sistema imunológico. Eventualmente ele derrota as células de imunização e o paciente fica desprovido de suas defesas naturais, ficando à mercê das chamadas doenças oportunistas que podem levá-lo à morte.

A pesquisa mostrou que o HIV é um tipo de retrovírus, da classe dos lentivírus que infectam também outros mamíferos. Dois tipos desses lentivírus foram encontradas em humanos, ambos descendentes de vírus que antes só afligiam macacos. Uma delas descende de vírus de chimpanzé, outra do cercocebus atys, um macaco encontrado nas florestas do Senegal e Gana. Ambas as espécies são mantidas em cativeiro e usadas como alimento.

No combate ao HIV foram necessárias campanhas educativas para uma mudança de comportamento, principalmente com o uso de preservativos na prática sexual. Como o vírus evolui rapidamente adquirindo resistência às substâncias usadas para combatê-lo, várias drogas antivirais devem ser usadas em conjunto, um coquetel de medicamentos que protege as células de defesa do organismo. Apesar de eficientes estas drogas podem estimular o surgimento de cepas resistentes, forçando a busca por novos medicamentos. Quando um vírus resistente às drogas disponíveis é passado adiante a nova infecção é mais difícil de ser controlada. Uma vacina não foi ainda desenvolvida e, mesmo que exista, ela pode não ser a solução final para o problema. O HIV se multiplica de forma errática produzindo e espalhando muitas mutações. A vacina para uma cepa pode não cobrir variantes que certamente existirão.

O vírus do Nilo Ocidental

Pouco antes do início do ano 2000 foram observadas as mortes de pássaros no zoológico de Bronx, Nova Iorque. O exame dos cuidadores indicou que eles sofreram de derrames internos no cérebro devido a uma encefalite provocada por um vírus endêmico na África, em particular nas nascentes do Nilo. O estudo mostrou também que pessoas estavam morrendo da mesma forma, devido ao mesmo patógeno. Em todas as Américas existe um grande número de vírus, alguns antigos, trazidos pelos primeiros colonizadores que cruzaram o Estreito de Bering há mais de 15 mil anos, outros modernos que migraram para o continente com a colonização europeia ou transportados em navios e aviões na era moderna.

Virus do Nilo Ocidental

O vírus do Nilo é do género Flavivírus, que também inclui os vírus zica, da dengue e da febre amarela. Ele é geralmente transmitido pela picada de mosquitos do género Culex e é conhecido há algum tempo, tendo adoecido pessoas em Uganda, Ásia e Austrália. Também se sabia que ele não depende de humanos para sua preservação, sendo capaz de infectar pássaros, o seu reservatório natural. Quando infecta um pássaro o vírus se multiplica rapidamente danificando diversos de seus tecidos. Mas apesar de estar em grande número no corpo da ave ele não consegue escapar dela para alcançar outras presas. Para isso usam um mosquito como vetor. Mosquitos picam as aves e se infectam. Depois picam um humano (ou outro pássaro) transmitindo para ele o vírus. Apesar da dificuldade adicional de ter que sobreviver em organismos muito diferentes, com essa estratégia o vírus aumenta muito sua capacidade de atingir novos hospedeiros.

Não se conhece exatamente como o vírus chegou na Europa e nas Américas. Ele pode ter cruzado de um continente para outro em um pássaro ou mosquito infectado. Como a variante encontrada nos EUA mostrou ter parentesco com o vírus detectado em Israel é também possível que ele tenha sido trazido de lá, provavelmente junto com o tráfico de animais domésticos. Enquanto na África ele se espalhava em meio a uma população que já possuía anticorpos, nos novos domínios ele provocou uma epidemia de grandes proporções. Nos EUA se registrou 28.961 casos, com 1.131 mortes.

A doença causada pelo vírus do Nilo também obedece a uma sazonalidade, sendo mais frequente no verão, em locais úmidos e chuvosos, quando o mosquito encontra condições ideais para sua proliferação. Infelizmente, com o aumento das temperaturas médias causado pelo aquecimento global também é esperado um crescimento no número de infecções por essa doença.

Síndrome Respiratória Aguda, SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome)

Existe hoje um esforço para identificar novas espécies de vírus com potencial para afetar a saúde humana antes que eles o façam. Muitas populações se alimentam de caça e de animais exóticos que contem vírus que podem adquirir a capacidade de saltar a barreira entre espécies, como já ocorreu tantas vezes. Com o avanço do entendimento sobre o funcionamento de vírus estas novas infecções podem ser mais rapidamente identificadas.

Imagem microscópica eletrônica de uma seção de SARS-CoV no citoplasma de uma célula infectada, mostrando as partículas esféricas e as seções transversais através do nucleocapsídeo viral.

Em 2002 algumas pessoas na China começaram a morrer de uma doença respiratória desconhecida. O problema não teve muita repercussão mundial até que um empresário americano, retornando da China, adoeceu em pleno voo. O voo foi interrompido em Singapura onde o homem morreu. Em pouco tempo pessoas estavam adoecendo em vários países. Sem saber o que causava a doença os médicos deram a ela o nome de Síndrome Respiratória Aguda, SARS.

Em Hong Kong os pesquisadores mapearam os genes de um vírus encontrado nos pacientes, um membro do grupo dos coronavírus. Esse vírus teve sua origem em morcegos, realizando um salto entre espécies para infectar um gato selvagem que, por sua vez, era usado como comida entre os chineses. Com isso foi possível identificar e isolar as pessoas contaminadas, além da proibição da venda dos animais contaminadores, evitando uma crise de maiores proporções. Mesmo assim o vírus da SARS se espalhou pelo mundo causando 8 mil casos de infectados e 900 mortes.

É esperado que novos vírus saltem a barreira entre espécies e contaminem humanos, possivelmente gerando epidemias sérias. Na medida em que as florestas estão sendo devastadas novas espécies animais, antes afastadas de nós, estão cada vez mais próximas. Alguns desses vírus são muito agressivos, como o Ebola. Ele se transmite com facilidade de pessoa para pessoa gerando hemorragias que fazem o doente sangrar por todos os orifícios. No entanto, sendo tão agressivo, o ebola mata seu hospedeiro antes de conseguir se espalhar. Um surto de ebola mata um número relativamente pequeno de pessoas até ser contido.

Varíola

Menina com varíola em Bangladesh , 1973. (Wikipedia)

Programas de vacinação devem alcançar um número suficiente de pessoas para serem afetivos. Existem aqueles que não podem tomar vacinas e ficam protegidos pelos que fora imunizados naquele mesmo ambiente. Um programa pode erradicar um determinado tipo de vírus em um país mas não em outro, fazendo com que o primeiro possa ser reinfectado.

O vírus da varíola afligiu a humanidade durante séculos, causando sofrimento e morte. O infectado tem febres e dores fortes, manchas vermelhas dentro da boca que depois se espalham pelo corpo, doloridas e cheias de pus. 30% dos infectados morrem e os demais podem ficar com marcas profundas por todo o corpo. Quando os europeus chegaram no Novo Mundo, além das armas convencionais, eles levaram a varíola para uma população que nunca havia sida exposta e por isso não tinha qualquer proteção. Uma grande parte da população, especialmente da América Central, morreu dessa infecção.

Micrografia eletrônica de transmissão mostra vários virions da varíola. A estrutura “em forma de haltere” dentro do virion é o núcleo viral, que contém o DNA viral. Ampliado 370.000 ×

Mesmo na China Antiga já havia a prática de se espalhar resíduos das feridas causadas por varíola em crianças saudáveis, numa tentativa de imunizá-las. Esse conhecimento foi propagado por diversas partes do mundo. No final do século 16 um médico inglês, Edward Jenner, observou que mulheres que tiravam leite de vacas não adoeciam de varíola. Ocorre, como sabemos hoje, que as vacas são acometidas pela varíola bovina, uma forma mais branda e parente próxima da varíola humana. Jenner descobriu que podia imunizar uma pessoa inoculando nela um soro produzido com material retirado de lesões de vacas doentes. Ele chamou de vaccine este líquido, um nome derivado do latim vacca.

Charge de 1802 sobre a controvérsia em torno da vacinação de Jenner, mostrando o uso da vacina derivada da varíola bovina.

Um esforço mundial se deu no início do século 20 para combater a varíola em todos os países. Médicos da Organização Mundial da Saúde, ao identificar surtos, colocaram em quarentena as pessoas infectadas e vacinaram todos na vizinhança. A última ocorrência de varíola se deu na Etiópia, em 1977, quando a OMS declarou extinto o vírus. Para efeito de estudo amostras do vírus foram guardadas em dois ambientes seguros na extinta União Soviética e no CDC americano, com o compromisso mútuo de que essas amostras seriam destruídas mais tarde. Com a tensão política entre Rússia e EUA e o medo do uso do vírus na construção de armas biológicas elas nunca foram destruídas. Existe uma controvérsia sobre o que fazer com essas amostras, uma discussão que está ficando irrelevante uma vez que o genoma da varíola é totalmente mapeado e o vírus pode ser reconstruído em laboratório usando as técnicas modernas de manipulação genética.

Mimivírus

Em 1992 Timothy Rowbotham, um microbiólogo inglês, procurando a causa de um surto de pneumonia, coletou uma amostra de água no equipamento de resfriamento de um hospital na cidade de Bradford. A análise microscópica da água revelou a existência de amebas e protozoários unicelulares do tamanho de células humanas. Dentro de uma ameba ele encontrou um objeto esférico grande (quase do tamanho da bactéria) que ele batizou de Bradfordcoccus. Estudos posteriores mostraram que, embora fosse grande demais para ser um vírus, o Bradfordcoccus mais se assemelhava a um deles. Também foi observado que ele invadia bactérias e as forçava a reproduzir seus genes, sendo portanto reconhecido como um vírus. Os pesquisadores renomearam o objeto para mimivírus (uma abreviação do inglês mimicking virus), uma alusão a sua capacidade para imitar bactérias.

Ilustração do Mimivírus, um dos maiores vírus conhecidos. (Wikipedia)

A análise da genética do mimivírus revelou que ele tem genes de vírus, embora em número grande quando comparado a outros vírus (1262 genes, mais do que algumas bactérias). A maior parte desses genes são de origem e funcionamento desconhecidos. Uma vez revelada a existência do mimivírus uma busca foi iniciada para encontrá-lo em outros lugares. Ele foi então detectado no pulmão de pacientes com pneumonia embora não se saiba ainda se eles causam essa doença ou apenas se aproveitam do estado fragilizado do paciente. Eles estão nos oceanos infestando algas e, talvez, esponjas e corais. A complexidade do mimivírus e o número de seus genes levanta mais uma vez o debate sobre se vírus são ou não organismos vivos. De fato há uma questão aberta sobre o que é a vida.

Considerando a forma simplista e pouco precisa com que vírus se multiplicam, o que provoca neles tantas mutações, sempre se considerou que eles não poderiam ter uma sequência muito longa de genes. Desta forma não poderiam conter informações para a execução de tarefas complexas, além de produzir cópias de si mesmo e prover sua auto-proteção. Muitos cientistas defendem que organismos vivos devem ser constituídos de células. Como estruturas muito mais simples do que células os vírus foram considerados meros aglomerados de material genético, provavelmente resíduos deixados por organismos mais complexos. Nos últimos 20 anos esse conceito tem sido questionado. Suspeita-se, por exemplo, que os mimivírus realizem tarefas bem complexas. Quando entram em uma ameba eles não se dissolvem em seu interior. Eles montam uma estrutura complexa chamada de fábrica viral, parecida com uma célula. Ela é capaz de absorver ingredientes e construir novo DNA e outras proteínas. Existe inclusive um vírus especializado em infectar o mimivírus para sua própria reprodução. Aparentemente não há uma linha rígida e bem desenhada separando a vida da não-vida.

Humanos são um aglomerado de células de mamíferos, de bactérias e vírus. Sem essas bactérias morreríamos. Sem os segmentos de DNA importados dos vírus seríamos incapazes de nos reproduzir. Uma compreensão profunda do que são os vírus provavelmente será essencial para compreender a origem da vida.

Sugestões:

Canal Olá ciência:


O novo Coronavírus

Gripe, HPV, vírus marinhos

Gripe

Influenza vírus

Algumas doenças causadas por vírus são antigas conhecidas da humanidade. A gripe, por exemplo, é provocada em sua maior parte pelo rinovírus, o vírus sincicial respiratório (VSR) e o vírus influenza. São esses os causadores mais frequentes da gripe comum e infecções do trato respiratório. Biólogos e médicos estimam que 30% dos casos deste tipo de doença podem estar associados a vírus ainda desconhecidos.

A gripe afeta aves e mamíferos causando os sintomas conhecidos: calafrios, febre, corrimento nasal, dor de garganta e musculares, dores de cabeça, tosse, fadiga e sensação geral de desconforto. Muito se especulou sobre a causa dessa doença. No passado se sugeriu que ela fosse provocada no indivíduo que passa de um ambiente quente para um gelado. Também foram procuradas, sem sucesso, bactérias causadoras de gripe. Em 1914 Walter Kruse, um microbiólogo alemão, mostrou que a gripe é causada por um vírus. Ele preparou uma mistura com muco do nariz de um assistente gripado, filtrada para eliminar quaisquer possíveis bactérias e aplicou a solução nas narinas de 12 outros auxiliares. Destes 6 ficaram gripados. Depois ele repetiu a experiência com 36 estudantes dos quais 15 adoeceram. Comparando com uma amostra de pessoas não expostas à sua solução ele concluiu que um agente muito pequeno (pois havia atravessado o filtro) causara a gripe.

Quase sempre a gripe é transmitida por aerosóis, a nuvem de material líquido expelido no ar por tosse ou espirro carregando gotículas que contêm o vírus. Mas ela também pode ser adquirida por contato direto com superfícies contaminadas. Neste último caso a mão levada ao rosto, em particular ao nariz, transporta o vírus até a região onde ele pode se instalar e multiplicar. Daí a necessidade de lavar as mãos adequadamente e com frequência. O vírus da gripe pode ser destruído pela luz solar, desinfetantes e detergentes, que desmancham a sua capa protetora de proteína.

Os tratamentos caseiros usuais contra a gripe podem ser um paliativo para os seus sintomas mas não afetam o vírus e seu ciclo. Alguns tratamentos, além de não resolver o problema, podem trazer efeitos colaterais perigosos. Xaropes para tosse são um exemplo. Ainda existem pessoas que buscam auxílio se automedicando com antibióticos que podem ser eficazes contra bactérias mas são inúteis no combate aos vírus. Antibióticos podem ser perigosos para o organismo e contribuem para agravar o problema das bactérias resistentes à drogas que evoluem em nosso corpo e no meio ambiente.

Hoje estão sendo desenvolvidos os chamados antivirais, que são medicamentos que agem para impedir a replicação viral. Também existem as vacinas que são um meio eficaz e bastante seguro de impedir que o vírus se instale. Vacinas servem para produzir no organismo do paciente as defesas necessárias no combate aos invasores virais antes que se instalem. Elas, no entanto, têm uma séria limitação dada a capacidade do vírus de evoluir rapidamente. A vacina produzida em um ano pode perder sua eficácia no próximo ano.

A gripe se propaga com mais eficiência nas estações frias e, por isso, ela aparece em ciclos sazonais que podem ser bastante graves. Gripes provocam anualmente entre 3 e 5 milhões de casos graves, dos quais entre 250 a 500 mil evoluem para a morte. Esse número pode chegar a milhões em casos de pandemias. Somente no século 20 três cepas diferentes do vírus da gripe provocaram pandemias em humanos causando a morte de dezenas de milhões de pessoas. Apesar dos vírus serem especializados em sua capacidade de invadir uma célula, já se observou casos em que uma cepa que aflige uma espécie animal sofre mutações e se habilitam a infectar humanos. Também pode ocorrer que um vírus adaptado ao organismo humano, com o qual já estamos acostumados, anexe partes de DNA de outro vírus que antes só infectava animais.

Rinovírus https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1867087

Rinovírus e influenza vírus se reproduzem rapidamente, produzindo novos vírus até que a célula hospedeira fique repleta de vírus e se rompa, morrendo. No entanto, um número baixo de células, se comparado a outras infecções por vírus, são afetadas nesses casos. De fato eles não causam um dano tão grande antes de ser impedido pelas defesas do organismo. Ocorre que as células infectadas emitem um sinal que atrai as defesas do organismo que, em seu empenho para se livrarem do problema, e acabam provocando parte dos sintomas que sentimos. Elas criam a inflamação que gera a garganta irritada e provocam o muco na região da infecção.

Enquanto o Rinovírus se derivou de outras cepas de vírus já adaptadas ao organismo humano, o Influenza era, originalmente, um vírus especializado em pássaros. Os pássaros carregam todas as espécies de influenza vírus que afligem os humanos, além de outros que não podem nos afetar. Nem todos os pássaros infectados adoecem, mas o vírus se aloja em seus intestinos e são espalhados por suas fezes.

O vírus da influenza em aves está bem adaptado ao hospedeiro e se multiplica rapidamente. Como vírus sofrem mutações rápidas ocorre que algumas delas os habilitam para fazer o salto entre espécies, se tornando vírus humanos. Foi o que ocorreu em 2005 no sudeste da Ásia quando o H5N1 infectou centenas de pessoas. Esse vírus é muito mais agressivo do que cepas usuais de gripe e exigiu a tomada de ações drásticas para o controle de sua difusão. Por enquanto o H5N1, diferente de outras cepas, só pode se movimentar de pássaros para humanos. A contaminação entre humanos não foi observada.

Assim como ocorre com humanos, outros mamíferos, como cavalos e cachorros, também podem ser contaminados com o influenza vírus dos pássaros. No início de 2009 se descobriu, no México, uma transferência de vírus para porcos. Os suínos possuem, em seus organismos, células com receptores para o vírus humano, mas também células que recebem o vírus dos pássaros. Dentro de seus corpos pode ocorrer a mistura genética de cepas diversas que se tornam aptas a infectar humanos. Foi o que ocorreu no México com o surgimento da gripe conhecida como H1N1 ou gripe suína, que mais tarde se espalhou para todo o planeta. O H1N1 combinou genes da gripe humana, aviária e suína. Essa gripe foi declarada uma pandemia pela OMS em 2009 e causou mais de 18 mil mortes confirmadas em laboratório dentre um total estimado de até 575 mil casos.

A movimentação constante de genes entre vírus de mesma cepa, ou de cepas diversas, tem uma função importante na manutenção e evolução do vírus. Quanto mais um tipo de vírus se espalha mais o corpo de seu hospedeiro aprende a combatê-lo. As mutações servem para que novas estruturas genéticas sejam criadas, com tipos ainda não reconhecidos por hospedeiros. Assim como ocorre com todos os demais seres vivos as mutações são aleatórias e não seguem nenhum plano de aperfeiçoamento do vírus. Mutações que geram estruturas mais eficientes para se autoconservar e se multiplicar prosperam gerando muitos outros elementos com sua mesma genética. A maioria das mutações, no entanto, são irrelevantes ou trazem alterações desfavoráveis que são simplesmente destruídas.

Papilomavírus Humano, HPV (human papiloma virus)

Outra espécie que traz grande sofrimento para humanos são os papilomavírus. O cientista Richard Shope ouviu contar a lenda dos coelhos chifrudos (os jackalopes) no Wyoming, EUA. Ele recebeu de um colega uma amostra de tecido de um coelho com uma deformação na cabeça em forma de chifre que era, na verdade, um tumor. Para testar a hipótese de que aqueles tumores eram causados por vírus ele realizou o procedimento clássico de produzir um líquido com esse tecido e passá-lo por filtros de porcelana com poros diminutos, capazes de eliminar as bactérias conhecidas. A solução filtrada foi aplicada na cabeça de coelhos saudáveis que também desenvolveram chifres e tumores. Com isso Shope mostrou que o agente infeccioso era um vírus e, além disso, que vírus podiam causar tumores.

Francis Rous, um dos colegas de Shope, recebeu uma amostra do líquido peneirado e o aplicou no corpo dos coelhos que, dessa vez, não desenvolveram chifres e sim tumores cancerosos agressivos que os matavam. Esse trabalho solidificou o entendimento de que vírus causam câncer e deu o Nobel de medicina para Rous em 1966.

Muitos outros pesquisadores continuaram o estudo de como vírus podem provocar câncer em animais. Grandes verrugas podem surgir na pele de mamíferos, incluindo o gado, tigres, golfinhos e humanos, chegando a encobrir completamente seus membros ou rosto. O vírus responsável por isso foi denominado papilomavírus. Nos humanos ele é chamado de papilomavírus humano ou HPV (human papilomavirus). Aos poucos se verificou que esse vírus gera danos muito mais graves que meras verrugas.

Tumores cervicais em mulheres é um exemplo disso. Já era notado que a ocorrência de câncer cervical em mulheres satisfazia critérios similares aos de doenças sexualmente transmissíveis. Grupos com comportamento sexual mais restrito, como freiras por exemplo, contraiam câncer cervical com menor frequência que outras mulheres. A hipótese de que esse tipo de câncer era causado por um vírus espalhado pela relação sexual foi testada por Harald zur Hausen, prêmio Nobel em Medicina em 2008. Analisando o tecido extraído de tumores ele encontrou diversas cepas diferentes de HPV, número mais tarde ampliado para pelo menos uma centena delas. Essa modalidade de câncer é a terceira maior causa de mortes entre mulheres, superada apenas por cânceres de seio e pulmão.

O HPV é especializado na infecção de células epiteliais, aquelas que revestem a superfície externa das cavidades internas e externas do organismo formando a pele e membranas mucosas. Quando inserido no organismo ele encontra o tecido apropriado, o único que consegue infectar, e injeta seu DNA dentro das células hospedeiras. Os genes virais se espalham pelo interior da célula e alcançam seu núcleo, onde reside o DNA da hospedeira. O mecanismo de reprodução celular é usado para replicação dos genes virais e construção das proteínas do vírus que, por sua vez, alteram a célula hospedeira. Diferente dos vírus gripais o HPV se reproduz com muita rapidez mas não causam a morte da hospedeira.

Usando apenas 8 genes o HPV consegue capturar o mecanismo da célula e acelerar o mecanismo de divisão celular. Normalmente uma célula se divide por meio de um processo complexo. Seu conteúdo interno é reorganizado e dividido em duas partes que são, cada uma, arrastada para um extremo da célula. Depois uma parede é construída no meio formando 2 células, cada uma carregando uma cópia exata do DNA original com 3,5 bilhões de letras (C, T, G, A) que se organizam em 46 grupos de cromossomos. Algumas das moléculas internas à célula monitoram todo o processo, interrompendo a divisão e forçando a célula a provocar sua própria morte caso algum defeito grave tenha sido inserido durante a divisão. O HPV, no entanto, manipula esse processo e causando uma aceleração sem que a célula alterada morra.

As células epiteliais crescem durante toda a vida do indivíduo. Em situação normal, sem infecção, elas começam a se multiplicar em regiões mais profundas da pele empurrando para fora as camadas mais antigas. Lentamente as células mais externas se alteram formando uma camada mais dura de queratina, o mesmo material que forma as nossas unhas e nos protegem de agressões externas. Novas camadas são produzidas na medida em que as células externas vão morrendo. Quando infectadas por HPV as células que escaparam das defesas internas do organismo, ao se aproximar da superfície, começam a produzir rapidamente novos vírus que são liberados em outro hospedeiro através do contato direto das peles.

Quando a ação do vírus é mais intensa que a regulação interna da célula ocorre o câncer. Cada vez que uma célula infectada se divide existe uma chance pequena de que um dos genes que governam a própria função reguladora seja alterado por mutações. Desta forma as células não conseguem limitar a reprodução dos vírus que continuam sendo empurrados para fora junto com a queratina. Em ritmo rápido de reprodução eles não são eliminados eficazmente pelo desgaste externo da pele, formando chifres, verrugas e tumores.

Agentes infecciosos que matam rapidamente seu hospedeiro perdem a oportunidade de se espalhar. Não é esse o caso do papilomavírus que existe há centenas de milhões de anos em equilíbrio com os humanos. Os cientistas conseguem traçar a história do vírus comparando as sequências genéticas de cepas diferentes encontradas em humanos e animais. Eles são encontrados em inúmeros vertebrados, inclusive pássaros e répteis. Existe a hipótese de que esses vírus já existiam nos primeiros vertebrados (que eram ovíparos) que abandonaram o mar para caminhar sobre a terra, há 3 milhões de anos. Na medida em que esse animal evoluiu e se ramificou em um diversidade de novas espécies os vírus foram se ajustando, através de mutações e seleção natural, para cada linhagem desses novos animais.

Apesar da evolução especializada do vírus para se conectar a células específicas de uma determinada espécie, as rápidas mutações podem fazer com que ele ultrapasse a fronteira entre espécies, infectando um hospedeiro diferente do seu original. O contato próximo entre estas espécies favorece o salto. É conhecido que o papiloma vírus que infecta humanos é mais próximo daquele que infecta cavalos do que os de macacos. O contato doméstico com cavalos é, nesse caso, o responsável. Com a devastação das florestas, populações humanas estão cada vez mais próximas dos animais selvagens, o que implica em maior risco de contaminações vindas destes animais. Junte-se a isso o consumo como alimento de espécies não domésticas e a proximidade entre pessoas e seus animais domésticos que se observa em algumas populações.

Êxodo humano a partir da África

Exôdo do Homo Sapiens da África.

Há que se lembrar que um número muito pequeno de humanos saiu da África para colonizar a Europa, a Ásia e, mais tarde, as Américas. Existe hoje uma diversidade genética muito maior entre africanos do que em todo o restante do planeta, uma vez que esse segundo grupo é inteiramente descendente dos poucos que saíram da África.Além disso a diversidade genética entre todos os humanos do planeta é bem baixa. Pode-se encontrar mais variações genéticas em uma tribo de chimpanzés de que em toda a população humana da Terra.

Quando nossos ancestrais humanos surgiram na África, em torno de 200 mil anos atrás, eles provavelmente já carregavam em seus corpos muitas cepas de HPV. Esses vírus, modificados em alguma extensão, podem ser encontrados em todo o mundo. Mas apenas uma pequena parte deles abandonou a África (há 50 mil anos, aproximadamente) e os vírus que eles portavam continuaram a evoluir. Por isso a distribuição atual do HPV guarda uma relação com a próprio povoamento do planeta pelos humanos. Na África as variantes de HPV hoje existentes são modificações das mais antigas cepas, enquanto na Europa, Ásia e América encontramos cepas derivadas daquelas transportadas pelo pequeno grupo colonizador inicial.

Na modernidade, com a extensão da longevidade, um número cada vez maior de pessoas morrem por câncer. Isso leva a uma corrida entre pesquisadores e laboratórios farmacêuticos para o desenvolvimento de curas para o câncer. Apesar de grande sucesso na cura de alguns tipos, a melhor estratégia contra o câncer ainda é a prevenção: deve-se adquirir hábitos que reduzam todas as chances de produzir mutações deletérias em nosso corpo. Para isso devemos evitar o fumo e outras substâncias reconhecidamente cancerígenas, promover estilo de vida saudável, incluindo boa alimentação. No caso do câncer cervical temos o recurso das vacinas contra o HPV. Todas as variantes dessa vacina contém proteínas da capa externa do vírus, com a intenção de ensinar ao organismo como produzir anticorpos que reconheçam o vírus e o combatam. Mas a vacina também levanta questionamentos. Há quem argumente que não se passou tempo suficiente, desde sua invenção, para saber se ela é efetiva. Além disso a vacina hoje existente bloqueia apenas duas cepas do vírus, que são responsáveis por 70% das ocorrências de câncer cervical. Mas humanos abrigam mais de uma centena de cepas diferentes de HPV e todas elas estão em constante mutação. Alguns médicos temem que a extinção das duas principais cepas promova a evolução de outras que ocuparão seus lugares.

Toda essa discussão mostra que o combate aos vírus, assim como a outras doenças que hoje nos afligem, dependem de muita pesquisa científica.

Vírus no mar

Até bem recentemente se acreditou que poucos vírus existissem na água do mar. As poucas cepas até então encontradas eram atribuídas à contaminação por esgoto ou outras fontes terrestres. Em 1980 Lita Proctor coletou água em vários pontos do oceano, preparando amostras para o microscópio eletrônico. Com surpresa ela verificou que havia muitos tipos de vírus nas amostras, alguns flutuando livremente na água, outros infectando bactérias. Ela estimou que cada litro de água continha 100 bilhões de vírus. Após vários outros estudos hoje se estima que existam algo em torno de 1030 (1 seguido de 30 zeros) vírus no oceano. Desses apenas uma pequena fração pode infectar
humanos. Os demais infectam peixes, baleias e outros micróbios invisíveis a olho nu.

10 milhões de vírus em uma gota de água do mar

Por mais que nos pareçam ameaçadores esses bacteriófagos assumem papel importante na ecologia terrestre, controlando a população de bactérias danosas. A cólera, por exemplo, é causada por uma bactéria chamada Vibrio que, por sua vez, hospeda alguns fagos. Quando a população dos Vibrios cresce demais temos uma epidemia de cólera. Os fagos são os responsáveis pelo controle dessa população. Algumas cepas de vírus matam a bactéria Vibrio, outras fornecem genes que habilitam a bactéria a produzir toxinas usadas para produzir diarreia.

Vírus marinhos também afetam a atmosfera da Terra controlando populações de bactérias e algas que geram e absorvem oxigênio, dióxido de carbono e outros gases que contribuem para o efeito estufa. Organismos mortos por vírus se decompõem liberando parte de seu carbono na atmosfera, parte nas águas do mar. O carbono estimula o crescimento de outros organismos microscópicos, em um ciclo complexo e não totalmente compreendido.

Vírus oceânicos exibem uma grande diversidade genética, bem mais variada que aquela encontrada em organismos terrestres. Parte dessa diversidade é explicada pela multidão de espécies marinhas que eles infectam. Existem aqueles que se misturam aos genes do hospedeiro apenas se reproduzindo quando o hospedeiro se multiplica, sem o matar. Na maioria das vezes o vírus pode se destacar do hospedeiro continuando sua existência em separado. Mas ocorrem também situações em que a mistura se torna permanente e a parcela da DNA do vírus se torna parte integrante da genética do hospedeiro. Também ocorrem as situações em que parte do DNA do hospedeiro é incorporada ao do vírus, mesmo que ele ainda possa se destacar e partir para infectar outro organismo.

Em alguns casos o hospedeiro, que teve sua genética alterada por efeito de um vírus, se torna mais apto na luta por sua sobrevivência e reprodução. Essa alteração é benéfica também para o vírus na medida em que o hospedeiro se torna um difusor mais eficiente de sua infecção.

A bactéria Synechococcus, muito abundante nos oceanos, é responsável por quase 25% da fotossíntese no planeta. A análise do DNA dessas bactérias revela a existência de proteína de vírus. Eles também encontram vírus livres, fora de organismos, portando a informação genética para a realização da fotossíntese. Há uma estimativa aproximada de que 10% de toda a fotossíntese terrestre é realizada com o auxílio de genes de um vírus.

Essa reciclagem de genes entre organismos hospedeiros e vírus representa uma parte relevante na evolução da própria vida terrestre. Como são pequenos e frágeis eles não deixam registros fósseis mas sua ação pode ser capturada no genoma dos hospedeiros. Dessa forma sabemos que eles estiveram atuando desde bilhões de anos no passado (lembrando que o fóssil mais antigo tem 2 bilhões de anos). É possível, por exemplo, saber que um determinado tipo de vírus estava presente em um ancestral comum de duas espécies vivas hoje, pois os vírus que elas carregam são parentes modificados do vírus de seu ancestral. Por outro lado se estima que o vírus do sarampo foi formado há pouco tempo, estando em circulação por não mais que 200 anos.

A análise das mutações em um genoma indica que elas ocorrem em uma taxa constante para cada geração para um gene específico. Isso levou à sugestão, na década de 1960, de usar essas alterações como um relógio molecular. O conceito é válido, e de fato usado, para qualquer outro organismo e não apenas para os vírus. Verificando as permutações genéticas é possível encontrar um vírus ancestral de um moderno, e medir quanto tempo se passou entre a existência deles. Duas amostras do mesmo tipo de vírus isoladas pelo mesmo tempo terão evoluído e se distanciado igualmente de seu ancestral comum. Na ausência de registros fósseis virais o relógio molecular é usado para estimar o tempo de origem do vírus e para traçar árvores evolutivas ( filogenéticas) que exibe o grau de relação com outros vírus. A técnica foi usada para revelar a história do sarampo e mostrar que o vírus da varíola humano é muito próximo do vírus da varíola de camelos e jerboas, um roedor que vive no Deserto de Gobi, na Mongólia e na China. Um ancestral comum deve ter existido entre 5 mil a 10 mil anos atrás.


Outros tipos de vírus

O que é um vírus?

Geralmente pensamos nos vírus como agentes causadores de doenças, algo a ser combatido. Isso não é totalmente incorreto se considerarmos que milhares de pessoas morrem por ação direta de um deles. Um exemplo é o vírus da varíola, o campeão de mortes humanas, agora totalmente erradicado. Além de afetar humanos eles agem em todas as demais espécies, sejam micróbios, plantas ou animais.

O último caso de varíola foi registrado em 1977. Em 1980 a Organização Mundial da Saúde certificou a erradicação global dessa doença, obtida através do uso de vacinas.

Novos vírus estão constantemente sendo identificados. Entre eles estão o HIV, que causa a AIDS e até hoje representa um desafio de tratamento, e o novo Coronavírus, causador da COVID-19, que tanto está impactando a saúde e a economia do planeta.

Mas vírus também são partes importantes na ecologia terrestre. Eles contribuem na formação do oxigênio na atmosfera, no controle da temperatura, agem na regulação da população de organismos e fornecem um mecanismo de movimentação de material genético entre as espécies. Assim como animais, plantas e outros microrganismos eles foram moldados por um longo processo evolucionário, através do processo da evolução natural, que consiste de mutações aleatórias e seleção dos mais aptos, até atingir os estados de maior eficiência para sua preservação e espalhamento. Eles estão por toda parte, incluindo o genoma humano onde se encontram diversas partes de vírus que infectaram nossos ancestrais no passado. Eles podem inclusive ter contribuído na formação dos organismos vivos, há bilhões de anos.

Microbiologia, um breve histórico

Apesar da longa luta da humanidade contra as doenças, apenas no século 19 começamos a entender que muitas são causadas por microrganismos. Com a invenção dos microscópios (instrumentos óticos para visualização de pequenas estruturas) foi possível reconhecer que muitos microrganismos são responsáveis por doenças entre humanos ou animais domésticos. Antonie van Leeuwenhoek, um holandês fabricante de lentes no século 16, foi o primeiro a visualizar micróbios. Somente no século 19 Louis Pasteur e Robert Koch associaram microrganismos com doenças e, por isso, são considerados os fundadores da microbiologia. Entre esses seres minúsculos estão as bactérias, organismos unicelulares que habitam praticamente todos os lugares do planeta, vivendo em relações de parasitismo ou simbiose com plantas e animais. O antrax (ou carbúnculo), tuberculose, cólera, difteria, tétano e sífilis, todas elas foram associadas às infecções causadas por bactérias. Elas possuem uma estrutura similar a células de mamíferos. Em geral as bactérias são autônomas, podendo fabricar as proteínas necessárias de que necessita, ingerir e metabolizar alimentos e se dividir sem a ajuda de outros organismos.

O que são células?


Células são as unidades básicas de todos os organismos vivos. Elas são formadas por uma membrana que envolve uma mistura de água com diversas substâncias químicas onde se encontram dispersos organelos (pequenos orgãos, com diversas funções). Dentro dela existe uma molécula longa armazenada em forma de uma espiral circular formada pelo DNA, a codificação contendo toda a informação necessária para a construção de novas células. Em células de mamíferos existe um mecanismo de proteção que verifica o processo da duplicação celular em vários pontos. Se cópias de DNA são danificadas (por meio de excessivas mutações, por exemplo) seu mecanismo interno de verificação fazem com que a célula se autodestrua.

Martinus Beijerinck

Apesar do sucesso em atribuir doenças a bactérias patogênicas, muitas outras doenças infecciosas continuaram inexplicadas e seus agentes causadores desconhecidos. Algumas são corriqueiras e comuns, outras podem levar à morte. Entre elas estão a varíola, sarampo, caxumba, rubéola e gripe. Estes agentes eram, como se concluiu na época, muito pequenos pois passavam por filtros cujos poros diminutos conseguiam impedir a passagem de bactérias. Por algum tempo foram chamados de “agentes filtráveis” e considerados como pequenas bactérias.

Em 1879 agricultores holandeses se depararam com uma grave praga que assolava a plantação de fumo. Adolph Mayer, um químico agrícola, estudou o problema que ele chamou de doença mosaica do tabaco. Ele verificou que não havia diferença entre os ambientes onde estavam as plantas doentes e as saudáveis e também não encontrou fungos ou parasitas. Então ele descobriu que plantas saudáveis adoeciam quando se injetava gotas de líquido extraído de fumo doente. Ele fez uma cultura de bactérias encontradas na seiva do fumo e depois aplicou essas bactérias em plantas saudáveis, sem que elas adoecessem. Isso mostrou que bactérias não causavam a doença.

Mais tarde outro holandês, Martinus Beijerinck, mostrou que, qualquer que fosse o agente de infecção, ele seria minúsculo. Ele fez diversas filtragens da seiva de plantas doentes, a expôs a temperaturas altas e ressecou esse material sem que ele perdesse seu poder de contaminação. Sem saber do que se tratava ele chamou o agente de “líquido vivo contagiante”, mais tarde de vírus, uma palavra derivada do latim significando veneno.

Na década de 1930 os vírus mosaicos do tabaco foram ressacados e armazenados sob forma cristalina, uma indicação de que eram compostos por proteína pura. Logo depois seu componente de ácido nucléico foi descoberto e identificado como responsável pela ação infecciosa. No entanto os vírus e suas estruturas só foram visualizados com o desenvolvimento dos microscópicos eletrônicos, em 1939. Só então se compreendeu que eram uma classe própria de microrganismos.

O que é a vida?


De um modo geral, considera-se tradicionalmente que uma entidade é um ser vivo se, exibe todos os seguintes fenômenos pelo menos uma vez durante a sua existência:

  • Desenvolvimento: passagem por várias etapas distintas e sequenciais, que vão da concepção à morte.
  • Crescimento: absorção e reorganização cumulativa de matéria oriunda do meio; com excreção dos excessos e dos produtos “indesejados”.
  • Movimento: em meio interno (dinâmica celular), acompanhada ou não de locomoção no ambiente.
  • Reprodução: capacidade de gerar entidades semelhantes a si própria.
  • Resposta a estímulos: capacidade de “sentir” e avaliar as propriedades do ambiente e de agir seletivamente em resposta às possíveis mudanças em tais condições.
  • Evolução: capacidade das sucessivas gerações transformarem-se gradualmente e de adaptarem-se ao meio.

Se nos limitarmos aos organismos “convencionais”, poder-se-ia considerar alguns critérios adicionais em busca de uma definição mais precisa:

  • Presença de componentes moleculares como hidratos de carbono, lipídios, proteínas e ácidos nucléicos.
  • Composição por uma ou mais células.
  • Manutenção de homeostase.
  • Capacidade de especiação.

(Wikipedia)

1 nm = 1 nanômetro = 10-9m, ou seja, um bilionésimo de um metro.

Embora certamente formados por matéria orgânica os vírus são agentes infecciosos microscópicos que estão no limiar entre seres vivos e partículas inertes. Geralmente carregam poucos genes, de 2 até 200 (em casos raros), armazenados em forma de RNA ou DNA, e tem diâmetro entre 20 e 300 nm. Apenas os maiores podem ser vistos em microscópios óticos enquanto os demais exigem microscópios eletrônicos para serem observados. A forma do vírus depende do tamanho e volume de seu conteúdo, podendo ter a forma de um filamento, de esferas, hexahedros ou mesmo formas bem mais complexas. O vírus da varíola têm o formato de tijolos, o da herpes são icosaedros (aproximadamente esférica, com 20 lados planos) , o da raiva tem formato de uma bala e o vírus mosaico de um tubo ou haste. Alguns deles são revestidos por uma camada externa de proteína. Os vírus podem possuir seu código genético codificado no DNA, com um hélice dupla, ou em sua versão de fita única, o RNA.

A discussão sobre se são ou não organismos vivos continua em aberto pois não satisfazem os critérios básicos de definição de vida. Quando não estão dentro de um organismo hospedeiro eles se apresentam como partículas inertes chamadas de vírions. Eles são formados por: material genético, ou seja, longas moléculas de DNA ou RNA que contém as instruções de formação do próprio vírus; uma capa protetora de proteína chamada capsídeo, que envolve o material genético; um envelope externo de lipídeos (existentes em alguns tipos de vírus, somente).

Como são incapazes de se multiplicar sozinhas estas partículas precisam infectar o organismo a que estão ajustadas, penetrando suas células para usar delas o mecanismo reprodutor. Vírus que infectam plantas entram em suas células através de algum rompimento em suas paredes externas ou são injetadas através da picada de algum inseto vetor que suga sua seiva. Depois eles se espalham para outras células através das plasmodesmata, que são poros por onde passam moléculas entre células na planta saudável. Já os vírus de animal infectam suas células se ligando a receptores específicos na superfície da célula. Esses receptores são como trancas que apenas podem ser abertas pelos vírus que possuem a chave própria. Células receptoras são diferentes em vírus diversos. Algumas são encontradas em muitas células, outras são restritas a apenas um tipo de célula. O HIV, por exemplo, possui a chave que abre especificamente a molécula CD4, e apenas células com moléculas CD4 em sua superfície podem ser infectadas por ele. Por isso os vírus são especializados em infectar uma determinada espécie ou mesmo um tipo específico de célula e é provável que exista um vírus associado a cada uma das espécies existente, inclusive bactérias.

Hélice dupla de DNA e sua replicação

Após se ligar em sua molécula receptora o capsídeo do vírus penetra no interior da célula e seu genoma (DNA ou RNA) é liberado junto do citoplasma da célula, jogando dentro dela a sua informação genética. Dentro do núcleo celular o vírus encontra os mecanismos necessários para fabricar suas próprias proteínas. Apenas alguns vírus maiores e mais complexos, como os da família Poxviridae (da qual faz parte o vírus da varíola), carregam os genes necessários para a elaboração das proteínas de que necessitam e, por isso, podem completar todo o seu ciclo dentro do citoplasma. Dentro da célula o DNA do vírus é tratado como parte da célula hospedeira e são por ela duplicados. O código de DNA é transcrito em mensagens de RNA que são lidos e traduzidos em forma de proteínas. Depois os componentes gerados do vírus são remontados como milhares de novos vírus que. Em geral um grande número de cópias são produzidas, fazendo com que a célula se rompa e jogue os novos vírus de volta no organismo hospedeiro onde eles infectarão novas células. Existem também aqueles vírus que conseguem sair pela membrana celular sem matar a célula mas, provavelmente, deixando-a infectada. Muitos vírus carregam sua informação genética sob forma de RNA, o que dispensa o processo de transcrição (de DNA para RNA, que só pode ser feita com os mecanismos da célula). O RNA é traduzido diretamente em proteínas o que torna esses vírus menos dependentes das enzimas do hospedeiro, permitindo que terminem seu ciclo sem destruir a célula. Os retrovírus são uma família de vírus de RNA, entre eles o HIV que desenvolveu a habilidade de infectar células por muito tempo enquanto se escondem do ataque dos mecanismos de imunidade. Eles transportam uma enzima chamada transcriptase reversa, capaz de converter seu RNA em DNA. Este DNA viral pode ser integrado no DNA celular. Esses segmentos genéticos adicionados à célula hospedeira, chamados de provírus, ficam arquivados e passam a ser copiados e passados para os descendentes do organismo hospedeiro. O provírus pode ainda, sob certas circunstâncias, fabricar novos vírus que abandonam a célula e provocam sua morte.

Células humanas sofrem mutações genéticas em uma taxa baixa, de uma a cada milhão de nucleotídeos (os blocos básicos do RNA e DNA) em cada geração. Nos vírus essa mutações são muito mais rápidas. Além de conseguirem se replicar (gerar novas cópias de si mesmos) mais rapidamente que nós, eles não possuem um mecanismo de regulação dessa replicação, que ocorre na taxa de aproximada de uma a cada mil nucleotídeos. Portanto, a cada infecção, um vírus produz milhares de cópias que carregam muitas mutações. Pode ocorrer que algumas cópias carreguem alterações genéticas pouco viáveis na continuidade de seu processo de expansão e terminem se extinguindo. Outras introduzem alterações inócuas. Aquelas que recebem alterações benéficas (para o vírus), úteis para derrotar ou se esconder dos mecanismos de defesa do organismo infectado, para resistir à drogas antivirais ou para se propagar mais rapidamente, prosperam. Pela seleção natural esses últimos vírus logo se tornam a maioria da população.

Vírus estão por toda parte

Os vírus estão por toda parte, seja em escavações profundas no solo, grãos de areia do deserto ou sob camadas de gelo antártico com quilômetros de espessuras. Quando novos lugares são investigados, novos vírus são encontrados.

Caverna dos Cristais (Cueva de los Cristales) é uma caverna situada na Mina de Naica no estado mexicano de Chihuahua. Esta caverna tem dimensões aproximadas de 10 por 30 metros, contendo no seu interior cristais gigantes de selenite, alguns dos maiores cristais naturais já encontrados no mundo.

Em 2009 um cientista conseguiu permissão para visitar a Caverna dos Cristais no México, um ambiente fechado, sem vida e isolado do mundo exterior por milhões de anos. Lá ele coletou água das câmaras internas para análise. Em cada gota de água da caverna ele encontrou duzentos milhões de vírus.

A bióloga americana Dana Willner, em 2009, fez um estudo para identificar vírus no corpo humano. Seus colaboradores coletaram muco resultado de tosse e escarro de dez pessoas, metade saudável e as demais doentes com fibrose cística. Do fluido Willner e sua equipe separaram fragmentos de DNA e os compararam em um bancos de dados com dezenas de milhões de genes conhecidos. Embora não esperassem encontrar vírus nas pessoas saudáveis eles descobriram que todas as pessoas carregam muitos tipos de vírus em seus pulmões, em média 174 espécies. Destas espécies 90% eram de vírus nunca antes detectados. Estima-se que apenas uma parte muito pequena dos vírus existentes no planeta foram encontrados.


Gripe, HPV, vírus marinhos

História dos Símbolos Matemáticos

Já em 1489 os sinais \( + \mbox{ e } –\) aparecem em uma obra sobre aritmética comercial de João Widman d’Eger, publicada em Leipzig, Alemanha. Eles não se referiam, no entanto, às representações de soma e subtração, ou à números positivos ou negativos, mas a excessos e déficit em problemas sobre operações comerciais. Os símbolos para positivos e negativos só se difundiram na Inglaterra com o uso feito por Robert Recorde em 1557. Os mesmos sinais já eram usados anteriormente, como exemplifica o pintura destes sinais em barris para indicar se estavam ou não cheios. Os gregos antigos, como Diofanto, por exemplo, indicavam a soma por justaposição das parcelas, assim como ainda é feito no caso de frações, \(1^{1/2}\), por exemplo. Os algebristas italianos usavam a palavra latina plus, ou sua letra \(p\) inicial, para indicar a operação de soma.

O sinal \(\times\), indicador de um produto, é relativamente moderno. Oughtred foi o primeiro a usá-lo em seu livro Clavis Matematicae, publicado em 1631. No mesmo ano, Harriot usou um ponto entre os fatores. Em 1637 Descartes usou a pura justaposição dos termos para indicar seu produto. Nos textos mais antigos de Leibniz encontra-se o sinal \(\cap\) para indicar multiplicação e \(\cup\) para a divisão. Mais tarde ele introduziu o ponto como um símbolo para a multiplicação e dois pontos (\(:\)) para a divisão. O sinal \(\div\), segundo Rouse Ball, resultou de uma combinação de dois sinais existentes “-” e “:”. As formas \(a/b\) ou \(\frac{a}{b}\) são atribuídas aos árabes.

Na Idade Média a igualdade entre dois termos é indicada literalmente por aequalis, do latim, ou através da abreviatura est. Xulander, matemático alemão do século XVI indicava a igualdade por dois pequenos traços paralelos verticais, ||,

“bicauſe noe .2. thynges, can be moare equalle”.
Em seu primeiro livro, publicado em 1540, Record colocava o símbolo \(\psi\) entre duas expressões iguais. Mais tarde, em 1557, ele foi o primeiro a empregar os dois pequenos traços paralelos, o sinal \(=\) para indicar a igualdade. Os sinais \(\gt\) (maior que) e \(\lt\) (menor que) são devidos a Thomaz Harriot, que muito contribuiu com seus trabalhos para o desenvolvimento da análise algébrica.

O símbolo \(\infty\) para o infinito foi introduzido por John Wallis (1616-1703) em seu livro De sectionibus conicis (Sobre as seções cônicas, 1655 ). Wallis era um estudioso clássico com grande erudição e é possível que tenha se inspirado no sinal romano para o número 1000, escrito CD ou M. Também se cogita que ele tenha tido esta idéia a partir da última letra do alfabeto grego, o ômega grego minúsculo, \(\omega\), como uma metáfora para o limite superior, o fim.

Os símbolos para a operação de derivação, \(dx,\, dy\) e \(dx/dy\) foram propostos por Leibniz em um manuscrito de novembro de 1675. Newton usava a notação de fluxos \(\dot x, \dot y, \dot x /\dot y\). Esta notação é ainda usada amplamente em textos de mecânica quando a trajetória de uma partícula aparece sob forma paramétrica. Por exemplo, se descrevemos a trajetória de uma partícula por meio de sua posição vetorial \(\vec{r}(t)= \left(x(t), y(t), z(t)\right)\) então sua velocidade será escrita como \(\vec{v}(t)= \left(\dot x(t), \dot y(t), \dot z(t)\right)\).

Os símbolos \(f'(x)\) e \(f”(x)\) para as derivadas de primeira e segunda ordem respectivamente foram usados primeiro por Lagrange. Em Théorie des Fonctions Analytiques, 1797, se lê simplesmente \(f’x\) e \(f”x\), símbolos revisados mais tarde para incluir os parênteses que envolvem o argumento da função. Em 1770 Lagrange empregou \(\phi’=d\phi/dx\), omitindo por completo o argumento quando ele estava claro pelo contexto e, em 1772, \(u’=du/dx\) e \(du=u’dx\). O símbolo \(D_x y\) foi usado por Louis François Antoine Arbogast (1759-1803) em De Calcul des dérivations et ses usages dans la théorie des suites et dans le calcul différentiel.

Um delta grego maiúsculo, \(\Delta\), para indicar uma quantidade pequena ou a diferença entre funções foi usado em 1706 por Johann Bernoulli. O símbolo \(\partial\), “d curvo ”, apareceu em 1770 por sugestão de Antoine Nicolas Caritat (1743-1794) em um livro sobre equações diferenciais parciais para representar diferenciais parciais \(\partial f\), em oposição às diferencias totais \(df\). A forma \(\frac{\partial u}{\partial x}\) só foi empregada em 1786 por Legendre em um texto sobre máximos e mínimos associados ao cálculo das variações. Legendre abandonou o uso deste símbolo, só recuperado mais tarde por Jacobi em 1841. O símbolo \(\partial\) corresponde à letra dey cursiva no alfabeto Cirílico.

Para representar a integração Leibniz escrevia, no início de seu desenvolvimento, a palavra latina omnia (tudo) em frente à quantidade a ser integrada. Depois passou a escrever \(dx\) após a integração e, em carta de 1675 para Oldenburg, secretário da Royal Society, ele sugeriu o uso de \(\int\), uma degeneração de um S longo significando summa (soma). Em Quadratura curvarum, 1704, Newton usou uma pequena barra vertical \(\overline x\) para representar \(\int x dx\). Duas barras verticais paralelas, \(\overline {\overline x}\) indicava a integração dupla. Em outras ocasiões ele escrevia o termo a ser integrado dentro de um retângulo. As convenções de Newton, como se pode imaginar, davam margem a erros de interpretação e nunca se tornaram populares, nem mesmo entre seus seguidores diretos na Inglaterra.

Os limites de integração eram inicialmente indicados por palavras, não existindo um simbolismo para os designar. Euler foi o primeiro a sugerir o uso de uma notação específica, escrevendo os limites entre colchetes e escrevendo as palavras latinas ab e ad. Fourier deu a forma atual, escrevendo \(\int_a ^b f(x)dx\) para representar a integral definida, com \(x\) variando de \(a\) até \(b\). Este símbolo apareceu em um artigo da Memórias da Academia Francesa, 1819-20, reimpresso em Théorie analytique de la chaleur, 1822. O símbolo \(\oint\) para representar a integração sobre um caminho fechado parece ter sido usado pela primeira vez em 1917 por Arnold Sommerfeld (1868-1951) no periódico Annalen der Physik.

A notação de limites foi apresentada em 1786 por Simon Antoine Jean L’Huilier (1750-1840). Em seu Exposition élémentaire des principles des calculs superieurs ele escreveu: “… para resumir e facilitar o cálculo por meio de uma notação mais cômoda é conveniente escrever
$$\lim . \frac{\nabla P}{\nabla x}$$
o limite das variações simultâneas de \(P\) e de \(x\) em lugar de
$$\lim . \frac{dP}{dx},$$

de forma que as duas expressões significavam a mesma coisa. Observe que L’Huilier escrevia \(\lim\)., usando um ponto após o limite. Karl Weierstrass (1815-1897) adotou esta notação, abandonando o ponto.

Cauchy usou a letra grega epsilon, \(\epsilon\) ou \(\varepsilon\) em 1821 em Cours d’analyse, embora também usasse às vezes a letra delta, \(\delta\). Alguns autores sugerem que delta significa “ différence ” (diferença) enquanto epsilon significa ” erreur ” (erro). A primeira prova de Cauchy usando epsilons e deltas é basicamente o teorema do valor intermediário para as derivadas. Na demonstração ele traduz sua definição de que a derivada é um limite do quociente das diferenças, quando este limite existe, em linguagem algébrica usando epsilons e deltas. No entanto ele não estabelece uma relação entre \(\epsilon\) e \(\delta\), não fazendo portanto distinção entre convergência uniforme ou pontual.

O operador diferencial \(\nabla\) (nabla ou del) foi introduzido por William Rowan Hamilton (1805-1865). Inicialmente Hamilton usou este símbolo para representar uma função arbitrária, depois como o operador de permutações. Em 1846 Hamilton usou nabla, desenhado horizontalmente, como o operador diferencial vetorial. Maxwell e Riemann usavam a abreviatura grad para representar o gradiente. William Clifford (1845-1879) incorporou o termo divergência que denotava por \(\mbox{div }u\) ou \(\mbox{dv }u\). O símbolo \(\nabla ^2\) para representar o operador laplaciano foi proposto por Robert Murphy em 1883.

Devemos observar, como conclusão, que a notação usada para descrever um conceito em matemática é completamente arbitrária, não passando de convenções que podem, em princípio, ser totalmente alteradas. No entanto, temos que aprender com Leibniz que o estabelecimento de uma notação compacta, simples e de fácil leitura e manipulação é essencial para o desenvolvimento e uso de uma teoria. Além disto a padronização é essencial para que os conceitos sejam facilmente transmitidos e o ensino da disciplina seja simplificado. Com frequência, na história da matemática, uma nova teoria ou a demonstração de uma conjectura é proposta de forma obscura e de difícil leitura, sendo acessível apenas a um círculo restrito de especialistas na área. Mais tarde, dependendo da generalidade e aplicabilidade da inovação ela passa por uma série de alterações, encontrando formas mais didáticas e claras de exposição e reunindo argumentações de mais fácil acesso para a comunidade mais geral. Eventualmente, em geral após a depuração e aprimoramento teórico, a novidade surge nos livros textos e é incorporada nos currículos de ensino.


História do Cálculo

Matéria Escura (Dark Matter)

No início da década de 1930 o astrônomo suíço Fritz Zwicky estava usando um novo tipo de telescópio no topo do Monte Palomar, Califórnia, para fotografar grandes áreas do céu em tomadas rápidas e com pouca distorção. Ele construiu um grande mapa com centenas de milhares de galáxias, o Catálogo Zwicky de Galáxias. Fazendo isso ele e seus colegas descobriram que as galáxias tendem a se juntar em aglomerados. Estudando o Aglomerado de Galáxias de Coma, sob a luz das descobertas de Hubble, ele notou uma anomalia no movimentos das galáxias dentro de aglomerados.

De acordo com as leis de Newton objetos que se movem mais afastados do centro de massa a que estão ligados devem se mover mais lentamente. Este princípio se reflete em uma das leis de Kepler para o movimento dos planetas no sistema solar. No entanto Zwicky percebeu que mesmo as galáxias mais afastadas mantinham velocidades altas demais em relação à massa observada do aglomerado.

ZwickyFritz Zwicky (1898 — 1974) foi um astrônomo suíço que trabalhou a maior parte de sua vida nos EUA. Zwicky foi o primeiro astrónomo a usar o teorema do virial para fazer inferências sobre a existência da não-observada matéria escura, descrevendo-a como dunkle Materie (dark matter ou matéria escura). Ele foi também o primeiro a observar estrelas super brilhantes, que ele denominou supernovas, que se formam quando as estrelas estão em sua fase final de evolução, depois de usar a maior parte de seu combustível nuclear. Supernovas são a fonte de grande parte dos raios cósmicos que chegam a Terra e marcam a transição entre estrelas comuns e as estrelas de neutrons. Zwicky propôs a existência das lentes gravitacionais, uma consequência da teoria da gravitação de Einstein.

Mais especificamente, Zicky aplicou o Teorema do Virial que relaciona a energia potencial gravitacional com o movimento das partes de um sistema. Nas velocidades observadas as galáxias deveriam romper com a atração gravitacional exercida pelo grupo e partir em voo livre pelo espaço. Em resumo, a massa do aglomerado, deduzida à partir da observação da luz por elas emitidas, era insuficiente para explicar por que as galáxias mais afastadas do centro permaneciam ligadas ao aglomerado.

Para resolver esta anomalia Zwicky apresentou a hipótese de que grande parte da massa no aglomerado era constituída por um novo tipo de matéria, que já havia sido cogitado por outros astrônomos, denominado Dark Matter ou matéria escura. Esta matéria deveria ser diferente da usual, exercendo atração gravitacional sobre outros corpos mas não interagindo com eles de nenhuma outra forma. Naturalmente, dada a exoticidade da sugestão, algum tempo se passou até que outras evidências foram encontradas para dar suporte à hipótese e a matéria escura fosse amplamente aceita pelas astrônomos e cosmólogos.

O mesmo princípio foi usado pelo astrônomo francês Le Verrier. Percebendo anomalias no movimento de Urano ele postulou a existência de outro corpo em órbita depois deste planeta. Seus cálculos foram precisos o suficiente para que ele anunciasse a existência de Plutão, que foi observado por astrônomos na posição prevista com erro de apenas um grau. O mesmo Le Verrier também notou variações inesperadas no movimento de Mercúrio e sugeriu a existência do planeta Vulcano órbita próxima ao Sol. Nesse caso ele estava errado e o fenômeno só foi explicado mais tarde pela teoria de Einstein.
Vera Rubin foi uma astrônoma dos EUA, uma das primeiras pessoas a estudar as curvas de rotação de galáxias espirais. Ela mostrou que a velocidade de rotação das estrelas afastadas do centro galático é muito maior do que o esperado se considerarmos apenas a matéria visível. Considera-se que a discrepância pode ser explicada pela existência da matéria escura.

Em 1965 a astrofísica americana Vera Rubin estava trabalhando com amplificadores eletrônicos de luz que permitiam a coleta rápida de espectros de emissão de galáxias. Ela estudava a rotação de galáxias como Andrômeda, nossa vizinha, e descobriu coisas interessantes e inesperadas. Com esses aparelhos sensíveis ela obteve as curvas de rotação para objetos dentro da galáxia.

Galáxias espirais possuem longos braços que giram em torno do centro galático. A densidade de massa luminosa decai quando de afasta do centro em direção às bordas. Estrelas (e outros objetos) mais afastadas deveriam ter velocidades cada vez menores, de acordo com a segunda lei de Kepler, da mesma forma que acontece com os planetas no sistema solar. Mas, como observou Rubin, isso não ocorre. Surpreendentemente as velocidades ficam quase inalteradas com o distanciamento do centro. Esse efeito pode ser explicado postulando a existência de um halo, algo como uma bola oca gigante envolvendo a galáxia, feito de algum material com atração gravitacional. O problema está em que esse halo não aparece nas fotos dos telescópios nem nas imagens geradas pelos radiotelescópios.

Intrigados com a observação, Rubin e vários outros pesquisadores começaram a coletar dados sobre outras galáxias e, em todos os casos, o mesmo fenômeno foi verificado. Mais uma vez se levantou a hipóteses de que existe um agente de atração não detectado dentro do conjunto estudado. Rubin estimou que deveria existir em torno de 6 vezes mais massa do que a observada por meios luminosos.

Curvas de rotação na galáxia
Curvas de rotação de estrelas dentro da galáxia Messier 33. A linhas tracejada mostra as velocidades em função da distância do centro para a galáxia constituída apenas por matéria visível. A curva superior, contínua, mostra as velocidades de fato observadas. Os primeiros pontos são obtidos na faixa de luz visível, os demais na radiação de 21cm do hidrogênio.
Dark Matter (artístico)
Imagem artística da possível densidade de matéria escura na Via Láctea.

Hoje pelo menos três tipos de observações independentes confirmam a existência da matéria escura. A velocidade das galáxias em aglomerados ou de estrelas dentro das galáxias, a emissão de raios-X pelo gases que permeiam os aglomerados e as lentes gravitacionais. Por todos esses meios se constata que em torno de 80% da massa dos aglomerados, em média, é formada por um tipo de matéria exótica que não emite luz nem nenhuma outra forma de radiação eletromagnética detectável.

Lentes Gravitacionais

De acordo com a Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein a presença da matéria deforma o espaço em torno dela. Um feixe de luz, emitido por uma estrela distante, passando perto do Sol, por exemplo, se desvia fazendo com que a estrela pareça estar em outro ponto no céu. Esse efeito foi usado em 1919, Sobral, nordeste do Brasil, para prover a primeira verificação observacional da TRG. Aproveitando-se de um eclipse solar astrônomos ingleses puderam mostrar que o desvio da luz era compatível com aquele previsto na teoria de Einstein.

Cinco imagens com aparência de estrelas aparecem quando a luz de um único quasar passa por uma lente gravitacional. Telescópio Hubble, NASA.

Zwicky já havia proposto que seria possível usar um aglomerado de matéria no espaço como lente gravitacional, uma vez que o espaço deforma a luz que foi emitida por trás. Essas lentes são observadas através de efeitos peculiares, tais como a formação de imagens múltiplas de um mesmo objeto ou arcos e anéis formados por deformação da imagem. Através das medidas de distorção é possível se calcular a massa da lente, o objeto que causou essa distorção. Desta forma é possível confirmar que existe uma deformação maior do que aquela que seria causada apenas pelos objetos luminosos, o que vem a fortalecer a hipótese de que existe matéria escura presente nesse objeto.

Evidência Cosmológica

Edwin Hubble observou que a maioria das galáxias estão se afastando de nós e que quanto mais distantes elas estão maiores suas velocidades. O afastamento é percebido pelo desvio para o vermelho da luz por elas emitidas.

Outra indicação importante de que a matéria escura realmente existe é dada pela cosmologia. A Teoria do Big Bang, a mais amplamente aceita na atualidade, é uma aplicação direta da TRG sob a hipótese de que o universo é bastante uniforme, em grandes escalas. Dependendo da densidade de massa nesse modelo a geometria universal assume uma das três formas possíveis de espaços homogêneos (igual em todos os pontos) e isotrópicos (igual em todas as direções). Se a densidade de massa no universo (massa dividida pelo volume) for acima de um certo número crítico o universo seria formado por seções esféricas (ou seja, a cada momento ele seria uma hiper-esfera de 3 dimensões, de curvatura positiva). Se a densidade for abaixo do número crítico o universo teria seções como selas (de curvatura negativa). Mas a observação não mostra curvatura mensurável indicando que estamos exatamente sobre o caso crítico de um universo com densidade tal que o espaço contém seções planas, de curvatura nula. No entanto a massa visível, observada em estrelas e galáxias e todos os demais corpos luminosos, é bem inferior a essa massa crítica, o que leva a crer, mais uma vez, que grande parte dela está sob a forma de matéria escura.

No modelo padrão das partículas elementares a matéria bariônica é toda aquela composta por prótons, neutrons e elétrons, como a matéria ordinária que conhecemos. No modelo cosmológico do Big Bang a maior parte da matéria bariônica foi formada por hidrogênio e um pouco de hélio. Os elementos mais pesadas foram formados mais tarde, no interior das estrelas e nas explosões de supernovas. Uma hipótese é a de que a matéria escura seja não bariônica, como veremos.

Outra consequência observada do Big Bang é a chamada radiação cósmica de fundo, um resíduo deixado pela radiação inicial de alta temperatura. Com a expansão essa radiação se encontra hoje muito mais fria, aproximadamente de 3ºC, com vibração na faixa de micro-ondas. Ela pode ser mapeada com precisão, sendo uniforme o bastante para embasar o modelo cosmológico padrão, mas possuindo granulação suficiente para a geração das estruturas formadas mais tarde, como galáxias, aglomerados e filamentos. A matéria escura e a ordinária não se comportam da mesma forma com a expansão do espaço. Embora as duas interajam gravitacionalmente, a matéria bariônica (ordinária) passou por um período de interação forte com a radiação nos momentos primordiais da evolução. Essas interações alteram a forma como a granulação inicial evoluiu mais tarde formando estruturas. A observação do universo hoje, comparado com as granulações da radiação de fundo, corrobora a hipótese de que grande porção da massa hoje existente é formada por matéria escura.

Penzias e Wilson descobriram a radiação cósmica de fundo.

Boa parte da pesquisa moderna em astronomia se concentra na busca dessa matéria e sua natureza permanece em debate. Inicialmente se considerava que essa matéria fosse formada por estrelas frias e pouco brilhantes, por planetas escuros e errantes, por gases ou por corpos macroscópicos ou não, espalhados no meio intergalático. Houve a sugestão de que buracos negros poderiam ser abundantes a ponto de fornecer essa massa oculta. Mas, se esse fosse o caso, os atuais buracos negros seriam feitos de matéria ordinária antes que estas estrelas colapsassem. Toda essa matéria ordinária estaria presente nos primeiros momentos do universo, o que estaria em discordância com a quantidade de matéria escura esperada pela análise da radiação cósmica de fundo.

Buracos negros são formados por estrelas de grande massas, quando seu combustível nuclear é esgotado. O gás estelar é comprimido para volumes pequenos até que a densidade seja tão alta que nem a luz pode escapar de sua atração gravitacional.

Teoricamente um tipo diferente de buraco negro pode existir e estas entidades hipotéticas foram consideradas como partes de matéria escura. Buracos negros primordiais podem ter sido criados no início do universo quando a própria matéria comum estava se formando. Eles poderiam ter se originado de flutuações do espaço-tempo logo após o Big Bang, fortes o bastante para aglomerar blocos de massa em um volume muito pequeno, formando buracos negros diminutos. A modelagem computacional sugere que eles poderiam ter massas bem pequenas e poderiam ser responsáveis por parte do efeito atribuído à matéria escura. Em 2018 foi realizada uma pesquisa em 740 supernovas em busca de efeitos de lentes gravitacionais causadas por esses objetos e o resultado indica que eles não podem explicar mais que 40% do efeito da matéria escura. Pelo contrário, surgiram indicações de que esta não é uma boa hipóteses e que buracos negros primordiais não contribuem nessa questão. Além disso não existem evidências de eles existam de fato.

Portanto a hipótese da matéria escura como constituída por matéria ordinária entra em conflito com o que é observado e nenhum dos modelos propostos foi capaz de explicar as anomalias observadas. A teoria mais aceita é a de que esta matéria é não bariônica, o que significa que não é composta de prótons e nêutrons como a matéria ordinária que conhecemos. A primeira possibilidade consiste em explorar os neutrinos.

Neutrinos

Primeira observação de um neutrino colidindo com um próton em uma câmara de bolhas (colisão ocorre no ponto onde os três riscos à direita da foto).

A existência dos neutrinos foi proposta em 1930, 26 anos anos de sua detecção experimental. Durante o decaimento beta a força nuclear fraca, dentro do núcleo atômico, quebra um nêutron em um próton mais um elétron, que é ejetado do átomo. Apesar de que a carga criada no próton (+) fica balanceada pelo elétron (-), Wolfgang Pauli notou que seria necessária a criação de outra partícula para equilibrar a energia, o momento linear e o momento angular do átomo inicial.

Curiosamente o neutrino foi proposto 2 anos antes da descoberta do nêutron, por James Chadwick. Neutrinos possuem massa, portanto tem efeito gravitacional, mas não interagem por meio da força eletromagnética.Neutrinos são difíceis de serem detectados.

Hoje, com o avanço da tecnologia, é possível saber se um neutrino foi emitido pelo Sol, por outros objetos no sistema solar ou na Via Láctea, ou mesmo por fontes fora de nossa galáxia.

Uma das hipóteses feitas para solucionar o mistério da matéria escura consiste em apelar para o Modelo Padrão de Partículas da física. Neste modelo, que é muito bem sucedido na explicação das partículas conhecidas, existem os neutrinos, partículas estáveis (de longa vida) que não interagem com outras partículas por meio do eletromagnetismo nem das interações nucleares fortes. Neutrinos atravessam grandes amontoados de matéria (como o planeta Terra, por exemplo) sem sofrer alterações. O modelo dos WIMPs (weakly interacting massive particles, partículas massivas de interação fraca) inicialmente considerou neutrinos formados no início do universo, deixados como resíduos da grande explosão inicial, como os responsáveis pela atração da matéria não luminosa.

Na década de 1980 as simulações numéricas realizadas em computador começaram a ganhar importância no estudo da evolução do universo e da formações de estruturas, como galáxias, aglomerados e grandes filamentos cósmicos. No modelo padrão é predito que os neutrinos foram formados com altíssimas velocidades, comparáveis (mas inferiores) à velocidade da luz. De acordo com as simulações estas partículas quentes (por que muito velozes) favoreceriam a formação inicial de estruturas muito grandes que apenas mais tarde se quebrariam em blocos menores, formando coisas tais como as galáxias.

Em contraste, partículas mais frias (lentas) estimulariam a formação de pequenos aglomerados de matéria, que bem mais tarde se fundiriam formando estruturas maiores. Comparando estes resultados teóricos com as estruturas observadas se descartou a predominância de neutrinos super velozes na composição da matéria escura. As simulações deixaram claro que pelo menos uma partícula desconhecida, não presente no modelo padrão de partículas, deveria existir.

Uma outra partícula proposta para explicar efeitos da matéria escura são os áxions, partículas ainda não detectadas, por enquanto apenas uma conjectura teórica proposta para resolver outro problema existente na cromodinâmica quântica. Se existirem eles interagiriam pouco com a matéria comum e radiação, teriam massa bem pequena. Eles poderiam, no entanto, existir em quantidade suficiente para explicar os efeitos da massa desaparecida.

Gravitação Alternativa

Em 1983 o astrofísico Mordehai Milgrom sugeriu um mecanismo alternativo para explicar as anomalias observadas nos movimentos galáticos. Ou invés de buscar fontes desconhecidas de atração gravitacional ele optou por sugerir alterações na teoria gravitacional. Sua hipótese foi denominada Dinâmica Newtoniana Modificada (Modified Newtonian Dynamics) ou MOND.

A gravitação Newtoniana está muito bem verificada na escala de experiência cotidiana, em experimentos feitos na Terra. Não há garantia absoluta de que ela continua funcionando da mesma forma em escalas galáticas. Assim como a Gravitação de Einstein se reduz à Newtoniana para a escala cotidiana, Milgrom propôs uma teoria alternativa que age um pouco diferente em grandes escalas.

Algumas galáxias parecem se movimentar em bom acordo com a teoria MOND mas ela não resolve todos os problemas. Resta, no entanto, explorar outros modelos, com novas descrições da gravitação, até que todas as anomalias fiquem bem explicadas.

Conclusão

Imagem 3D da distribuição de matéria escura pelo universo observável. O mapeamento foi feito por meio de lentes gravitacionais, pelo Telescópio Espacial Hubble.
Existe também o problema não resolvido da energia escura que causa efeito contrário ao da matéria escura, impulsionando galáxias e aglomerados para que se acelerem no movimento de expansão. Esse assunto será tratado em outro artigo neste site.

A questão da natureza da matéria escura e da energia escura permanece em aberto, juntamente com muitos outros problemas importantes ainda não foram resolvidos pela ciência. Pela própria natureza da investigação científica cada resposta obtida abre um leque de dúvidas e caminhos para futuras pesquisas. O tema é de grande interesse porque, entre outras coisas, ele pode levar a uma expansão da física para novos domínios, da mesma forma que a mecânica quântica e a relatividade expandiram a física clássica. Se existem partículas fora do modelo padrão de partículas então uma nova física tem que ser desenvolvida para acomodá-las.

Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (em inglês: Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory – LIGO) é um projeto que busca detectar ondas gravitacionais de origem cósmica.

Novos detetores e novas táticas de busca são desenvolvidos a todo momento para tentar verificar ou descartar alguma hipótese. Em outubro de 2017 o Observatório LIGO conseguiu detetar ondas gravitacionais geradas pela interação de duas estrelas de nêutrons girando em órbitas muito próximas e espiralando para seu centro de massa. A observação dessas ondas abre uma nova página na investigação do cosmos e deverá ser usada também para testar hipóteses sobre a matéria escura, em particular a existência de buracos negros primordiais.

É possível que a anomalia observada (o problema da matéria escura) seja devida a erros nos pressupostos cosmológicos, sendo o principal deles considerar que o universo é uniforme, aproximadamente igual em todas as direções e em todas as partes. No estado atual do conhecimento é impossível descartar que nossa posição no universo seja de alguma forma incomum, nos dando uma falsa visão de como seria o todo. Também é possível que uma nova forma da interação gravitacional seja válida para escalas cósmicas, ou que existam forças desconhecidas, além das quatro forças fundamentais. Também devemos nos lembrar que os dados obtidos nessa área são difíceis de se obter e analisar. Mesmo assim grande parte dos cosmólogos e astrofísicos defende que existe a matéria escura. Aqueles que acreditam em coisas diferentes estão propondo teorias alternativas, nenhuma delas ainda com sucesso.

A própria existência de um problema tão importante sem solução até o momento torna a pesquisa ainda mais interessante. A ciência é uma aventura com desdobramentos inesperados. Pessoas no mundo inteiro se unem e trabalham na solução desses problemas. Infelizmente, o processo científico se torna cada vez mais especializado e inacessível para pessoas sem treinamento específico. Para isso servem artigos (como este) e livros de divulgação. A aventura é coletiva e deve ser partilhada com todos.

Bibliografia

Clegg, Brian: Dark Matter & Dark Energy, Icon Books, Agosto 2019.

Bertone, Gianfranco; Hooper, Dan: A History of Dark Matter https://arxiv.org/abs/1605.04909 (16 May 2016).

Panek, Richard: The 4% Universe, Dark Matter, Dark Energy, and The Race to Discover the Rest of Reality, HMH Books & Media, New York, 2011.

Science History: Fritz Zwicky and the whole Dark Matter thing
https://cosmosmagazine.com/physics/science-history-fritz-zwicky-and-the-whole-dark-matter-thing

Dinâmica relativística


Até o momento discutimos o movimento de partículas livres e a transformação de seu movimento entre dois referenciais inerciais. Partículas livres descrevem retas em \(M_4\) e estas retas são levadas em outras retas por meio de transformações de Lorentz, já que elas são transformações lineares. Concluímos que, assim como acontece na mecânica clássica sob transformações de Galileu, a inércia não fica alterada de um referencial para outro. Qualquer desvio na linearidade do movimento de uma partícula deve ser atribuído à presença de alguma interação, uma força agindo sobre ela.

Para construir uma dinâmica devemos definir massa e momento sobre esta teoria. Na teoria Newtoniana a massa é uma constante de proporcionalidade entre a aceleração e a força. Na TRE tentamos seguir de perto, tanto quanto possível, as definições e conceitos da mecânica clássica, principalmente tendo em mente que a teoria relativística deve se reduzir à clássica no caso limite de baixas velocidades, em particular no que se refere às leis de conservação.

Construímos, na seção anterior, os quadrivetores
$$
u^{\mu} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau} = \left( \gamma c, \gamma v \right), \text{} p^{\mu} = mu^{\mu} = \left( \gamma mc, \gamma mv \right) .
$$

Vimos que as partes espaciais destes quadrivetores se relacionam com a velocidade e o momento linear ordinários em 3 dimensões de forma simples,
$$
u_{\left( 4 \right)}^i = \gamma v_{\left( 3 \right)}^i ; p_{\left( 4
\right)}^i = \gamma p_{\left( 3 \right)}^i .
$$

Gostaríamos agora de explorar um pouco mais o significado do componente temporal \(p^0\) do quadrivetor momento, o que faremos na próxima seção, juntamente com o conceito de força generalizada.

Além dos vetores \(u^{\mu}\) e \(p^{\mu}\) , contruídos à partir da linha mundo \(x^{\mu} \left( \tau \right)\) , podemos definir um terceiro vetor
interessante
$$
K^{\mu} = m \frac{d^2 x^{\mu}}{d \tau} = \frac{dp^{\mu}}{d \tau} =
\frac{d}{d \tau} \left( \gamma mc, \gamma mv \right) .
$$

a chamada força generalizada de Minkowsky.\(\mathbb{}\) Denotaremos o componente espacial desta força de \(\vec{F}\) e portanto \(K = \left( K^0, \vec{F} \right)\). Em particular estamos interessados em descobrir as quantidades que se conservam nesta teoria.

Contraindo a força generalizada e a 4-velocidade podemos obter um esclarecimento sobre \ natureza do componente \(p^0\) do momento. Começamos
por notar que
$$
u^{\mu} K_{\mu} = mu^{\mu} \frac{du_{\mu}}{d \tau} = 0.
$$

A expressão acima se anula pois
$$
0 = \frac{d}{d \tau} \left( u_{\mu} u^{\mu} \right) = u_{\mu}
\frac{du^{\mu}}{d \tau} = \left( \frac{du_{\mu}}{d \tau} \right) u^{\mu} =
2 u_{\mu} \frac{du^{\mu}}{d \tau},
$$

já que \(u_{\mu} u^{\mu} = – c^2\) é uma constante. Observe também que usamos neste cálculo o fato de que \(\eta_{\mu \nu}\) é formado por constantes e portanto
$$
u^{\mu} \frac{du_{\mu}}{d \tau} = u^{\mu} \frac{d \left( \eta_{\mu \nu}
u^{\nu} \right)}{d \tau} = \eta_{\mu \nu} u^{\mu} \frac{du^{\nu}}{d \tau}
= u_{\mu} \frac{du^{\mu}}{d \tau} .
$$

Por outro lado
$$
0 = u^{\mu} K_{\mu} = – \left( u^0 K^0 \right) + u^i K_i = – \gamma cK^0 +
\gamma v^i K_i,
$$

de onde tiramos uma expressão para \(K^0\) ,
$$
K^0 = \frac{1}{c} v^i K_i = \frac{1}{c} \vec{v} . \vec{F} .
$$

Prosseguindo na analogia com o caso clássico relembramos a equação 2. Se \(T\) é a energia cinética de uma partícula então
$$
\frac{dT}{dt} = \vec{F} . \vec{v},
$$

o que sugere a adoção da seguinte notação: fazemos
$$
P^0 = \gamma mc = \frac{E}{c}
$$

e, por conseguinte,
$$
K^0 = \frac{1}{c} \frac{dE}{d \tau},
$$

onde \(E\) é a energia total da partícula, cujo sentido exploraremos em seguida. Usando estas definições temos

(7)

$$
E = \gamma mc^2 \text{e} \vec{p} = \gamma m \vec{v}, \label{emc2}
$$
generalizações da energia e do momento ordinário, podemos escrever o vetor quadri-momento como

(8)

$$
p^{\mu} = \left( \frac{E}{c}, \vec{p} \right) . \label{pmu}
$$
A norma deste vetor é invariante,
$$
p^{\mu} p_{\mu} = – \left( \frac{E}{c} \right)^2 + p^2 = – m^2 c^2,
$$

sendo \(p = \left| \vec{p} \right|\). Uma expressão útil pode ser obtida daí,
$$
E^2 = m^2 c^4 + p^2 c^2,
$$

uma expressão que associa a energia total da partícula com sua massa e velocidade. No referencial comóvel, onde \(\gamma = 1\) e \(p = 0\) temos a famosa equação de Einstein
$$
E = mc^2,
$$

válida, como já indicado, apenas no referencial da partícula. Outra relação interessante pode ser obtida para o caso de baixas velocidades, \(\beta \ll 1\). Neste caso usamos a expansão em séries de potências mantendo apenas os termos mais relevantes para escrever \(\gamma \approx \left( 1 + \beta^2 / 2 \right)\) e a equação 7 para a energia se torna
$$
E = \gamma mc^2 \approx \left( 1 + \frac{\beta^2}{2} \right) mc^2 = mc^2 +
\frac{1}{2} mv^2 .
$$

Para baixas velocidades a energia definida na equação 7 é a energia cinética ordinária mais um termo constante que denominaremos energia de repouso da partícula.

Diversos fenômenos observados confirmam a correção destas expressões. Um exemplo interessante é o da aniquilação de um elétron e um pósitron que resulta na completa aniquilação da massa de repouso das partículas iniciais resultando na emissão de fótons com massa de repouso nula que transportam toda a energia inicial do sistema. Reações atômicas que ocorrem dentro de reatores nucleares ou bombas atômicas se utilizam da fissão nuclear, a quebra de núcleos, para a liberação de grandes quantidades de energia. Os núcleos partidos possuem massa menor que a massa inicial, a diferença sendo liberada sob forma de energia transportada por radiação eletromagnética. Um processo análogo, porém inverso, ocorre no interior das estrelas onde núcleos leves, basicamente hidrogênio e hélio, são fundidos em núcleos mais pesados, resultando na liberação de energia.

Leis de conservação

Na Mecânica Clássica as simetrias do sistema considerado levam às leis de conservação. Um sistema homogêneo por translações de coordenadas exibe conservação do momento linear enquanto sistemas isotrópicos apresentam conservação do momento angular. Se um sistema é homogêneo por translaçãoes temporais então ele possue a energia total conservada.

Na Teoria da Relatividade Especial os escalares são as quantidades conservadas. Escalares são invariantes quando se troca de um sistema de coordenada estabelecido em um referencial inercial para outro sistema inercial. Em um referencial comóvel uma partícula tem o 4-momento
$$
p^{\mu} = \left( m_0 c, \vec{0} \right),
$$

onde \(m_0\) é a chamada massa de repouso da partícula, a massa medida por um observador no referencial comóvel. Calculamos \(p^{\prime \mu}\) obtido por meio de uma transformação de Lorentz sobre o momento anterior
$$
p^{\prime \mu} = \Lambda_{\hspace{0.75em} \alpha}^{\mu} p^{\alpha} = \left[
\begin{array}{cccc}
\gamma & \gamma v / c & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
\gamma v / c & \gamma & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 1 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 1
\end{array} \right] \left[ \begin{array}{c}
m_0 c\\
0\\
0\\
0
\end{array} \right] = \left[ \begin{array}{c}
\gamma m_0 c\\
\gamma m_0 v\\
0\\
0
\end{array} \right],
$$

ou seja,
$$
p^{\prime \mu} = \gamma \left( m_0 c, \hspace{0.25em} m_0 v
\hspace{0.25em}, 0 \hspace{0.25em}, 0 \right) .
$$

Se pretendemos manter a expressão para o momento como composto por energia e momento, \(p^{\mu} = \left( \frac{E}{C}, \hspace{0.75em} m \mathbf{v} \right)\) teremos então que definir
$$
m = \gamma m_0 = \frac{m_0}{\sqrt{1 – \beta^2}}
$$

que mostra a dilatação da massa para partículas em altas velocidades. Nenhum objeto com massa de repouso não nula pode ser acelerado até uma velocidade igual ou superior à velocidade da luz.

Podemos mostrar que, na TRE, o quadrivetor momento-energia é uma entidade conservada em um sistema de partículas. Definindo a variação total de momento-energia em um referencial como
$$
\Delta p^{\mu} = \left( \sum^n_a p_a^{\mu} \right)_{final} – \left(
\sum^n_a p_a^{\mu} \right)_{inicial}
$$

onde a soma é realizada sobre todas as partículas do sistema. Em outro referencial os momentos são transformados, para cada partícula, da seguinte forma
$$
p_a^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
$$

e, portanto, a variação total do momento-energia é
$$
\Delta p^{\prime \mu} = \left( \sum^n_a \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
\right)_{final} – \left( \sum^n_a \Lambda_{\nu}^{\mu} p_a^{\nu}
\right)_{inicial} = \Lambda_{\nu}^{\mu} \Delta p^{\nu} = \Delta p^{\mu} .
$$

Isto significa que se a variação total é nula em um referencial então ela será nula em qualquer referencial inercial. Observe que, para concluir isto, seria suficiente afirmar que a variação total, sendo composta por somas de vetores, é também um vetor. Se transformarmos este vetor para o referencial comóvel os componentes de \(\mathbf{p}\) são, como vimos na equação 8, a energia e o momento ordinário, ambos quantidades conservadas em qualquer reação ou interação de forma que a variação total do sistema será \(\Delta p^{\prime \mu} = 0\). Concluimos assim que
$$
\Delta p^{\mu} = 0
$$

em qualquer referencial inercial. Note, no entanto, que o momento e a energia não se conservam isoladamente.

Convenções e notação

O espaço-tempo é denominado \(M_4\) , o espaço de Minkowsky, cujos pontos são os eventos
$$
\mathbf{x =} \left( x^0, x^1, x^2, x^3 \right) \text{ ou, resumidamente, }
\mathbf{x =} \left\{ x^{\mu} \right\} .
$$

Vetores de \(M_4\) são representados por letras em negrito, \(\mathbf{x, u, p}\) enquanto vetores de \(I \hspace{-4pt} R^3\) são representados por meio de setas \(\vec{x} = \left( x, y, z \right)\) ou \(\vec{x} = \left\{ x^i \right\}\).Algumas vêzes é interessante separar o vetor em suas partes temporal e espacial fazendo, por exemplo,
$$
\mathbf{p} = \left( p^0, \vec{p} \right)
$$

Usamos índices gregos como índices do espaço-tempo,
$$
\alpha, \beta, \mu, \nu = 0, 1, 2, 3,
$$

enquanto índices latinos são puramente espaciais:
$$
i, j, k = 1, 2, 3.
$$

\(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) é a base canônica de \(M_4\), onde \(\mathbf{\hat{e}}_0\) é um vetor unitário puramente temporal e \(\mathbf{\hat{e}}_1 = \hat{\imath}, \mathbf{\hat{e}}_2 = \hat{\jmath}, \mathbf{\hat{e}}_3 = \hat{k}\).A métrica de Minkowsky é \(\eta_{\mu \nu} = \textit{diag} \left( -, +, +, + \right)\). A base canônica \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) é ortonormal em relação à métrica de Minkowsky, ou seja

$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0, \mathbf{\hat{e}}_0 \right) = – 1,
$$

$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_i, \mathbf{\hat{e}}_j \right) = \delta_{ij} .
$$

A convenção de Einstein para o somatório, onde índices repetidos são somados, é adotada em quase todo o texto. Com ela podemos escrever, por exemplo,

$$
ds^2 = \sum^3_{\mu, \nu = 0} dx^{\mu} dx^{\nu} \eta_{\mu \nu} = dx^{\mu}
dx^{\nu} \eta_{\mu \nu} .
$$

Bibliografia

  • Carrol, Sean, M.: Lecture Notes in General Relativity, gr-qc/9712019, Santa Barbara, 1997.
  • Lopes, J. L.: A Estrutura Quântica da Matéria, Editora UFRJ, Rio e Janeiro, 1993.
  • Misner, C., Thorne, K., Wheeler, A.: Gravitation, W. H. Freeman and Co., San Francisco, 1970.
  • Ohanian, H., Ruffini: Gravitation and Spacetime, W. W. Norton & Company, New York, 1994.
  • Ramond, P.: Field Theory, A Modern Primer, Addison-Wesley, New York, 1990.
  • Weinberg, S.: Gravitation and Cosmology, Principles and Applications of General Theory of Relativity, John Wiley and Sons, New York, 1971.

 

Início: TRE

A estrutura do espaço-tempo

Um evento

O espaço onde os fenômenos ocorrem, segundo a TRE, é um espaço vetorial de quatro dimensões que denotaremos por \(M_4\), o espaço de Minkowsky (que é similar ao \(R^4\), mas não euclidiano, como veremos). Cada ponto deste espaço é denominado um evento e será marcado com as coordenadas \((ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z)\) que descrevem quando e onde o evento ocorreu. Cada ponto, portanto, pode ser associado a um quadrivetor \(\mathbf{x} = \left\{ x^{\mu} \right\} = \left( ct, \hspace{0.25em} x, \hspace{0.25em} y, \hspace{0.25em} z \right)\).

Com esta definição podemos reescrever a separação infinitesimal na forma
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 = – \left( dx^0 \right)^2 + \left(
dx^1 \right)^2 + \left( dx^2 \right)^2 + \left( dx^3 \right)^2 = \eta_{\mu
\nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

onde escrevemos

(6)

$$
\eta_{\mu \nu} = \left( \begin{array}{cccc}
– 1 & 0 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 1 & 0 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 1 & 0\\
\hspace{0.75em} 0 & 0 & 0 & 1
\end{array} \right) . \label{etaMikowsky}
$$
Por construção as transformações de Lorentz deixam invariante este intervalo. Estas transformações, dadas pelas equações 5, podem ser escrita da seguinte forma:
$$
x^{\prime 0} = \gamma \left( x^0 – \frac{v}{c} x^1 \right),
\hspace{1.5em} x^{\prime 2} = x^2
$$

$$
x^{\prime 1} = \gamma \left( x^1 – \frac{v}{c} x^0 \right), \hspace{1.5em} x^{\prime 3} = x^3 .
$$

Em forma matricial temos
$$
\left[ \begin{array}{c}
x^{\prime 0}\\
x^{\prime 1}\\
x^{\prime 2}\\
x^{\prime 3}
\end{array} \right] = \left[ \begin{array}{cccc}
\gamma & – \gamma v / c & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
– \gamma v / c & \gamma & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 1 & \hspace{0.75em} 0\\
0 & 0 & \hspace{0.75em} 0 & \hspace{0.75em} 1
\end{array} \right] \left[ \begin{array}{c}
x^0\\
x^1\\
x^2\\
x^3
\end{array} \right]
$$

ou ainda, em forma compacta,
$$
x^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} x^{\nu}, \hspace{0.75em} \mu = 0, 1, 2, 3;
$$

onde a soma sob o índice \(\nu\) está subentendida. A invariância do intervalo, \(ds^{\prime 2} = ds^2\) , implica em
$$
\eta_{\mu \nu} dx^{\prime \mu} dx^{\prime \nu} = \eta_{\mu \nu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu} dx^{\alpha} \Lambda_{\hspace{0.3em}
\beta}^{\nu} dx^{\beta} = \eta_{\mu \nu} dx^{\mu} dx^{\nu}
$$

e, por conseguinte, vale
$$
\eta_{\mu \nu} \Lambda_{\hspace{0.3em} \alpha}^{\mu}
\Lambda_{\hspace{0.3em} \beta}^{\nu} = \eta_{\alpha \beta} .
$$

A exigência da invariância entre separações de eventos define uma métrica \(\eta\) no espaço-tempo, a chamada métrica de Minkowsky. Tomando \(\mathbf{x}\) e \(\mathbf{y}\) como vetores de \(M_4\) definimos uma aplicação bilinear e simétrica satisfazendo

  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) = \left|
    \mathbf{x} \right|^2\) , onde \(\left| \mathbf{x} \right|\) é a norma ou comprimento de \(\mathbf{x}\)
  • \(\mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{y} \right) = \mathbf{\eta}
    \left( \mathbf{y, x} \right)\)
  • \(\eta \left( \mathbf{x}, \mathbf{x} \right) \hspace{0.75em} \left\{
    \begin{array}{c}
    = 0\\
    > 0\\
    < 0
    \end{array} \right. \begin{array}{c}
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo luz,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo espaço,}\\
    \hspace{0.75em} \text{separação tipo tempo.}
    \end{array}\)
Tipo de vetores

Observe, no entanto, que ela não é positiva como a métrica euclidiana, definida pelo produto interno ou produto escalar. Dizemos que \(M_4\) é um espaço pseudo-euclidiano.

Usando como base de \(M_4\) os vetores \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\} = \left\{ \hat{t}, \hat{\imath}, \hat{\jmath},
\hat{k} \right\}\) podemos obter os componentes da métrica
$$
\eta_{\mu \nu} = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \mathbf{,
\hat{e}_{\nu}} \right) = \left\{
\begin{array}{cl}
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}_0} \right) & =
– 1\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_i \mathbf{, \hat{e}}_j \right) & =
\delta_{ij}\\
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_0 \mathbf{, \hat{e}}_i \right) & =
0.
\end{array} \right. .
$$

São estes os componentes já exibidos na equação (5).

Observe que dois eventos ligados por um feixe de luz, como a emissão e captação de um fóton, por exemplo, estão separados por uma distância nula, ou seja, um vetor não nulo pode ter comprimento zero. Para ver isto fazemos
$$
ds^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2 =
$$

$$
= dt^2 \left[ – c^2 + \frac{dx^2}{dt^2} + \frac{dy^2}{dt^2} +
\frac{dz^2}{dt^2} \right] = dt^2 \left[ – c^2 + v^2 \right] = 0
$$

já que para o fóton \(v = c. \hspace{0.75em}\) Observe ainda que um vetor pode ter norma negativa ou, ainda, um vetor não nulo pode ter norma nula.
Este é o caso de vetores sobre o cone de luz
$$
– c^2 t^2 + x^2 + y^2 + z^2 = 0,
$$

Figura 6: Cone de luz

ilustrado na figura 6. A partir de um evento colocado na origem \(O\), o espaço fica dividido em três regiões distintas: o futuro e o passado de \(O\) , dentro do cone, e uma região sem conexão causal com \(O\).

O passado é composto por pontos onde ocorreram eventos que podem influenciar o evento em \(O\) por meio de alguma interação causal. Por outro lado \(O\) pode influenciar todos os eventos dentro do cone do futuro. Nenhum evento fora do cone pode afetar \(O\) nem ser por ele afetado pois não podem estar conectados por nenhuma interação com velocidade menor ou igual à da luz. A velocidade da luz é uma velocidade limite para a transmissão de qualquer informação dentro do panorama de Relatividade Especial.

Vetores e tensores de M4

(8) Com frequência usaremos um abuso de linguagem, comum na literatura, dizendo que o vetor \(\mathbf{x}\) é simplesmente \(x^{\mu}\).

O espaço-tempo é um espaço vetorial de quatro dimensões onde a métrica ou produto interno foi definido de modo a manter invariante a separação entre eventos. Se \(\mathbf{x} \in M_4\) então \(\mathbf{x =} x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}\). Usaremos a notação(8)
$$
\mathbf{x =} \left( x^0, x^1, x^2, x^3 \right) \text{ ou, abreviadamente, } \mathbf{x =} \left\{ x^{\mu} \right\} .
$$

Observe que \(\mathbf{x}\) é um objeto geométrico que nada tem a ver com o sistema de coordenadas escolhido enquanto enquanto os componentes \(x^{\mu}\) dependem da escolha da base \(\left\{ \mathbf{\hat{e}}_{\mu} \right\}\) e, portanto, do sistema de coordenadas utilzado. De acordo com a definição da norma temos
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = \mathbf{\eta} \left( \mathbf{x}, \mathbf{x}
\right) = \mathbf{\eta} \left( x^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, x^{\nu}
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu} \mathbf{\eta} \left(
\mathbf{\hat{e}}_{\mu}, \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = x^{\mu} x^{\nu}
\eta_{\mu \nu}
$$

e, portanto, \(\mathbf{x}\) tem comprimento invariante sob transformações de Lorentz. Diremos que \(x^{\mu}\) são os componentes contravariantes do vetor enquanto
$$
x_{\mu} = \eta_{\mu \nu} x^{\nu}
$$

são os componentes covariantes. Observe que \(x_0 = \eta_{0 \nu} x^{\nu} = – x^0\) e que, com esta notação,
$$
\left| \mathbf{x} \right|^2 = x^{\mu} x_{\mu} = – \left( x^0 \right)^2 +
x^i x_i = – \left( x^0 \right)^2 + \vec{x} \cdot \vec{x} .
$$

Se definirmos como \(\eta^{\mu \nu}\) como os componentes da matriz inversa de \(\mathbf{\eta,}\) de forma que
$$
\mathbf{\eta}^{- 1} \mathbf{\eta = I} \Rightarrow \eta^{\mu \alpha}
\eta_{\alpha \nu} = \delta_{\nu}^{\mu}
$$

então podemos retornar aos componentes contravariantes fazendo
$$
x^{\mu} = \eta^{\mu \nu} x_{\nu} .
$$

Definiremos como vetores de \(M_4\) todas as quantidades que se transformam da mesma forma que \(\mathbf{x.}\) O comprimento de todos os vetores, assim como o produto interno de dois vetores
$$
\mathbf{\eta} \left( \mathbf{u}, \mathbf{v} \right) = \mathbf{\eta} \left(
u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}, v^{\nu} \mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) =
u^{\mu} v^{\nu} \mathbf{\eta} \left( \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
\mathbf{\hat{e}}_{\nu} \right) = u^{\mu} v^{\nu} \eta_{\mu \nu} = u^{\mu}
v_{\mu},
$$

denominado a contração de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{v,}\) são escalares, independentes do sistema de referência. Em particular será útil definir os vetores velocidade e momento, o que faremos a seguir.

Uma trajetória em \(M_4\) é uma curva parametrizada também chamada de linha mundo da partícula,
$$
P \left( \tau \right) = \mathbf{x} \left( \tau \right) = x^{\mu} \left(
\tau \right) \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(\tau\) é um parâmetro qualquer embora, com frequência, seja conveniente usar o tempo próprio. Como \(\mathbf{x}\) é um vetor de \(M_4\) então
$$
\mathbf{u =} \frac{d \mathbf{x}}{d \tau} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau}
\mathbf{\hat{e}}_{\mu} = u^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu}
$$

onde definimos
$$
u^{\mu} = \frac{dx^{\mu}}{d \tau} .
$$

\(\mathbf{u,}\) a quadri-velocidade, é também um vetor, tangente à linha mundo. Seus componentes são
$$
u^0 = \frac{dx^0}{d \tau} = \frac{cdt}{d \tau} = \frac{c}{\sqrt{1 –
\beta^2}},
$$

$$
u^i = \frac{dx^i}{d \tau} = \frac{dt}{d \tau} \frac{dx^i}{dt} =
\frac{v^i}{\sqrt{1 – \beta^2}} .
$$

Portanto
$$
\mathbf{u} = \left( \frac{c}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_x}{\sqrt{1 –
\beta^2}}, \frac{v_y}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{v_z}{\sqrt{1 – \beta^2}}
\right) = \gamma \left( c, \hspace{0.75em} \vec{v} \right) .
$$

A partir desta velocidade construimos outro vetor paralelo à 4-velocidade, o 4-momento
$$
\mathbf{p =} m \mathbf{u} = mu^{\mu} \mathbf{\hat{e}}_{\mu},
$$

onde \(m\) é a massa da partícula. Seus componentes são
$$
\mathbf{p} = \left( \frac{mc}{\sqrt{1 – \beta^2}}, \frac{m \vec{v}}{\sqrt{1
– \beta^2}} \right) = m \gamma \left( c, \sim \vec{v} \right) .
$$

No referencial comóvel \(\vec{v} = 0\) e \(\gamma = 1\) e, portanto, estes vetores assumem as formas particulares
$$
u^{\mu} = \left( c, \vec{0} \right) \hspace{1.5em} \text{ e } \hspace{1.5em} p^{\mu} = \left( mc, \vec{0}
\right) .
$$

Como se verá \(\mathbf{p}\) é uma constante do movimento enquanto o momento linear tridimensional \(\vec{p} = m \vec{v} \mathbf{,}\) que é uma quantidade conservada classicamente, não se conserva na TRE. As normas de \(\mathbf{u}\) e\(\mathbf{p,}\) em qualquer referencial inercial, são
$$
\left| \mathbf{u} \right|^2 \mathbf{=} u^{\mu} u_{\mu} = – \left( u^0
\right)^2 + u^i u_i = \gamma^2 \left( – c^2 + v^2 \right) = \frac{- c^2 +
v^2}{1 – \beta^2} = – c^2 ;
$$

$$
\left| \mathbf{p} \right|^2 = p^{\mu} p_{\mu} = m^2 u^{\mu} u_{\mu} = – m^2
c^2 .
$$

Tensores do espaço-tempo O mais simples dos tensores é um escalar, um tensor de ordem zero. Escalares são invariantes sob transformações de Lorentz, como ocorre com a separação de eventos \(ds^2\) , com o tempo próprio \(\tau\) , ou com a norma do vetor quadrivelocidade, \(\left| \mathbf{u} \right|^2 = – c^2\).

Um vetor é um tensor de ordem um, um objeto de quatro componentes que se transforme como \(x^{\mu}\) :
$$
A^{\prime \mu} = \Lambda_{\nu}^{\mu} A^{\nu} .
$$

O vetor quadri-velocidade e o quadri-momento são exemplos. Um tensor mais geral, de ordem \(r\) é um objeto com \(4^r\) componentes que se transforma deacordo com
$$
A^{\prime \alpha \beta \ldots \gamma} = \Lambda_{\mu}^{\alpha}
\Lambda_{\nu}^{\beta} \ldots \Lambda_{\rho}^{\gamma} A^{\mu \nu \ldots
\rho} .
$$

Um exemplo é o tensor formada pelo produto externo \(x^{\mu} x^{\nu}\).

 

Dinâmica Relativística

As Transformações de Lorentz


A teoria da relatividade afirma que observadores em movimento relativo concordam quanto à forma das equações que descrevem os fenômenos observados. é necessário então descobrir a lei de transformação que leva à descrição feita em um referencial para o outro. Matematicamente esta é uma transformação particular de coordenadas, que passamos a explorar.

Suponhamos que dois observadores em movimento relativo analisam um pulso de luz. Cada observador está em repouso nos referenciais \(S\) e \(S^{\prime}\) com origens respectivamente em \(O\) e \(O^{\prime} . \hspace{0.75em} S^{\prime}\) se move com velocidade \(v\) no direção do eixo \(Ox\) em relação a \(S\). Como a velocidade da luz é a mesma em todos os referenciais inerciais, o que foi demonstrado pelo experimento de Michelson-Morley, os observadores devem ver o pulso de luz se afastando de forma esférica. Se isto não fosse verdade um dos observadores seria capaz de determinar seu movimento relativo em relação ao outro, o que contradiz o princípio da relatividade. Consideremos ainda dois eventos infinitesimalmente próximos ligados por este raio de luz. Para os observadores em \(S\) e \(S^{\prime}\) estes eventos estarão separados por \(ds^{\prime}\) e \(ds^{\prime,}\) respectivamente dados por
$$
ds^2 = – dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2,
$$

$$
ds^{\prime 2} = – dt^{\prime 2} + dx^{\prime 2} + dy^{\prime 2} +
dz^{\prime 2} .
$$

(5) Na verdade esta conclusão é uma inferência. Experimentalmente não é possível
observar o movimento de uma partícula em um ambiente totalmente livre de campos de força.

(6) Transformação lineares levam retas em retas.

Devido à invariância da velocidade da luz estas separação deverão ser iguais, \(ds^{\prime 2} = ds^2\). Observamos que a transformação de Galileu não deixa invariante uma frente de onda de luz que satisfaz, no referencial em repouso com relação à fonte, a equação \(x^2 + y^2 + z^2 = c^2 t^2\). Sabemos da observação(5) que partículas livres seguem trajetórias que são linhas retas e isto deve ser preservado em qualquer referencial inercial. Procuramos então uma transformação linear(6) na forma de
$$
\begin{array}{cl}
x^{\prime} & = \alpha x + \mu t\\
y^{\prime} & = y\\
z^{\prime} & = z\\
t^{\prime} & = \lambda x + \delta t,
\end{array}
$$

onde \(\alpha, \hspace{0.75em} \beta, \hspace{0.75em} \gamma \hspace{0.75em} \text{e} \hspace{0.75em} \delta \hspace{0.75em} \) são constantes a determinar. Sem perda de generalidade podemos colocar o observador fixo na origem de \(S^{\prime}\) e, portanto, sua coordenada \(x^{\prime} = 0\) enquanto \(x\) será sua coordenada do ponto de vista do observador em \(S\). Como consequência
$$
x^{\prime} = \alpha x + \mu t = 0 \Rightarrow \frac{x}{t} = v = –
\frac{\mu}{\alpha} .
$$

Já um observador fixo na origem de \(S\) \(\left( x = 0 \right)\) terá em \( S^{\prime} \) as coordenadas
$$
x^{\prime} = – \alpha vt ; \hspace{0.75em} t^{\prime} = \delta t.
$$

O referencial \(S\) se afasta de \(S^{\prime}\) com velocidade \(– v\) e
$$
\frac{x^{\prime}}{t^{\prime}} = – v = – \frac{\alpha}{\delta} v
$$

e, portanto \(\alpha = \delta\). Resta descobrir \(\alpha\) e \(\gamma\) na transformação
$$
\begin{array}{cl}
x^{\prime} & = \alpha \left( x – vt \right)\\
t^{\prime} & = \lambda x + \alpha t.
\end{array}
$$

Para o observador em \(S^{\prime}\) a frente de onda será vista como
$$
x^{\prime 2} + y^{\prime 2} + z^{\prime 2} = c^2 t^{\prime 2} \Rightarrow
\alpha^2 \left( x – vt \right)^2 + y^2 + z^2 = c^2 \left( \lambda x +
\alpha t \right)^2 \Rightarrow
$$

$$
x^2 \left( \alpha^2 – \lambda^2 c^2 \right) + y^2 + z^2 – 2 xt \left(
\alpha^2 v + c^2 \alpha \lambda \right) = c^2 t^2 \left( \alpha^2 –
\alpha^2 v^2 / c^2 \right) .
$$

Para igualarmos esta expressão à \(x^2 + y^2 + z^2 = c^2 t^2\) devemos ter
$$
\alpha^2 – \lambda^2 c^2 = 1 ; \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \alpha^2 – \alpha^2 v^2 / c^2 ;
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \alpha^2 v
+ c^2 \alpha \lambda = 0,
$$

cuja solução é
$$
\alpha = \frac{1}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}}, \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \lambda = \frac{- v /
c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}} .
$$

As transformações de coordenadas que deixam invariante a frente de onda luminosa são as chamadas transformações de Lorentz e são dadas por

(5)

$$
x^{\prime} = \frac{x – vt}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y^{\prime} = y
$$

$$
t^{\prime} = \frac{t – vx / c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} z^{\prime} =
z. \label{TransfLorentz}
$$
As transformações inversas, para se transformar a descrição do referencial \(S^{\prime}\) para \(S\) , pode ser obtida simplesmente lembrando que \(S\) se move com velocidade \(– v\) em relação a \(S^{\prime}\). Portanto
$$
x = \frac{x^{\prime} + vt^{\prime}}{\sqrt{1 – \left( v / c \right)^2}},
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y = y^{\prime}
$$

$$
t = \frac{t^{\prime} + vx^{\prime} / c^2}{\sqrt{1 – \left( v / c
\right)^2}}, \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} z = z^{\prime} .
$$

Revisando a contração espacial e dilatação temporal

Uma vez obtidas as transformações de Lorentz os efeitos da contração espacial e dilatação \ temporal se tornam mais fáceis de serem verificados. Suponha por exemplo, que queremos medir o comprimento de uma régua que tem uma ponta em \(x_1\) e a outra em \(x_2\). No referencial de repouso seu comprimento será
$$
L_0 = x_2 – x_1 .
$$

Para um observador em movimento, com velocidade \(v\) ao longo do comprimento da régua, seu comprimento será
$$
L = x_2^{\prime} \left( t^{\prime} \right) – x_1^{\prime} \left( t^{\prime}
\right) .
$$

Observe que as medidas de cada ponto devem ser feitas no mesmo instante, \(t^{\prime}\). De acordo com a transformação de Lorentz temos
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right) \Rightarrow x = \gamma \left(
x^{\prime} + vt^{\prime} \right)
$$

e, portanto,
$$
\begin{array}{cl}
x_2 = & \gamma \left( x_2^{\prime} + vt^{\prime} \right)\\
x_1 = & \gamma \left( x_1^{\prime} + vt^{\prime} \right)
\end{array} .
$$

Dai podemos concluir que o observador em movimento mede um comprimento \(L\) para a régua menor que o medido no referencial de repouso:
$$
L_0 = x_2 – x_1 = \gamma \left( x_2^{\prime} – x_1^{\prime} \right) =
\gamma L.
$$

Invariância da equação de onda

Um exercício interessante pode ser feito para mostrar que a equação a equação de onda para a luz é invariante sob a transformação de Lorentz. Das equações de Maxwell se pode deduzir que a luz obedece a equação
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^2} + \frac{\partial^2}{\partial y^2} +
\frac{\partial^2}{\partial z^2} – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial
t^2} \right] \Phi \left( x, y, z, t \right) = 0,
$$

que é a equação de onda se propagando com velocidade \(c\). Em um referencial em movimento \(S^{\prime}\) teremos
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} +
\frac{\partial^2}{\partial y^{\prime 2}} + \frac{\partial^2}{\partial
z^{\prime 2}} – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}}
\right] \Phi \left( x^{\prime}, y^{\prime}, z^{\prime}, t^{\prime} \right)
= 0
$$

sendo que \(\Phi\) é um escalar, satisfazendo portanto \(\Phi \left( x, y, z, t \right) = \Phi \left( x^{\prime}, y^{\prime}, z^{\prime}, t^{\prime} \right)\). Para simplificar as operações vamos considerar o caso de uma onda plana, com propagação na direção de \(x\) apenas, descrita por \(\Phi \left(x, t \right)\). Para relacionar as derivadas temos
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right) ; \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} t^{\prime} = \gamma \left( t – vx / c^2
\right),
$$

e, portanto, as derivadas espaciais e temporal em termos das novas
variáveis:
$$
\frac{\partial \Phi}{\partial x} = \frac{\partial \Phi}{\partial
x^{\prime}} \frac{\partial x^{\prime}}{\partial x} + \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} \frac{\partial t^{\prime}}{\partial x} = \gamma
\frac{\partial \Phi}{\partial x^{\prime}} – \frac{\gamma v}{c^2}
\frac{\partial \Phi}{\partial t^{\prime}},
$$

$$
\frac{\partial \Phi}{\partial t} = \frac{\partial \Phi}{\partial
x^{\prime}} \frac{\partial x^{\prime}}{\partial t} + \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} \frac{\partial t^{\prime}}{\partial t} = –
\gamma v \frac{\partial \Phi}{\partial x^{\prime}} + \gamma \frac{\partial
\Phi}{\partial t^{\prime}} .
$$

Os operadores derivadas se relacionam, nos dois sistemas de coordenadas, da seguinte forma:
$$
\frac{\partial}{\partial x} = \gamma \frac{\partial}{\partial x^{\prime}} –
\frac{\gamma v}{c^2} \frac{\partial}{\partial t^{\prime}} ;
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \frac{\partial}{\partial t}
= – \gamma v \frac{\partial}{\partial x^{\prime}} + \gamma
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} .
$$

Podemos construir a regra de transformação para as derivadas segundas,
$$
\frac{\partial^2}{\partial x^2} = \frac{\partial}{\partial x} \left(
\frac{\partial}{\partial x} \right) = \left( \gamma
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} – \gamma \frac{v}{c^2}
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) \left( \gamma
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} – \gamma \frac{v}{c^2}
\frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) =
$$

$$
= \gamma^2 \left( \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} – \frac{2
v}{c^2} \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime} \partial t^{\prime}} +
\frac{v^2}{c^4} \frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}} \right) ;
$$

$$
\frac{\partial^2}{\partial t^2} = \frac{\partial}{\partial t} \left(
\frac{\partial}{\partial t} \right) = \left( – \gamma v
\frac{\partial}{\partial x^{\prime}} + \gamma \frac{\partial}{\partial
t^{\prime}} \right) \left( – \gamma v \frac{\partial}{\partial x^{\prime}}
+ \gamma \frac{\partial}{\partial t^{\prime}} \right) =
$$

$$
= \gamma^2 \left( v^2 \frac{\partial^2}{\partial x^{\prime 2}} – 2 v
\frac{\partial^2}{\partial x^{\prime} \partial t^{\prime}} +
\frac{\partial^2}{\partial t^{\prime 2}} \right) .
$$

Escrevendo a equação de onda no referencial em movimento temos
$$
\left[ \frac{\partial^2}{\partial x^2} – \frac{1}{c^2}
\frac{\partial^2}{\partial t^2} \right] \Phi = 0 \Rightarrow
$$

$$
\gamma^2 \left[ \frac{\partial^2 \Phi}{\partial x^{\prime 2}} \left( 1 –
\frac{v^2}{c^2} \right) – \frac{1}{c^2} \frac{\partial^2 \Phi}{\partial
t^{\prime 2}} \left( 1 – \frac{v^2}{c^2} \right) \right] = 0,
$$

ou, simplesmente,
$$
\frac{\partial^2 \Phi}{\partial x^{\prime 2}} – \frac{1}{c^2}
\frac{\partial^2 \Phi}{\partial t^{\prime 2}} = 0,
$$

o que mostra a invariância da equação de onda sob transformações de Lorentz. De fato se pode mostrar que as equações de Maxwell são invariantes sob estas transformações. Lorentz deduziu corretamente a formas destas transformações à partir das equações do eletromagnetismo, mas não foi capaz de aplicá-las ao uso da mecânica, como fez Einstein.

Transformação de velocidades

A partir das transformações de Lorentz
$$
x^{\prime} = \gamma \left( x – vt \right), \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} y^{\prime} = y, \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} z^{\prime} = z,
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} t^{\prime}
= \gamma \left( t – vx / c^2 \right),
$$

podemos obter uma expressão para a relação entre velocidades nos dois referenciais inerciais. Denotamos por
$$
u_x = dx / dt \text{e} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
u_x^{\prime} = dx^{\prime} / dt^{\prime}
$$

as velocidades em \(S\) e \(S^{\prime}\) respectivamente e calculamos as diferenciais
$$
dx^{\prime} = \gamma \left( dx – vdt \right), \hspace{0.75em}
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} dy^{\prime} = dy,
\hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} dz^{\prime}
= dz, \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em} \hspace{0.75em}
dt^{\prime} = \gamma \left( dt – v / c^2 dx \right) .
$$

O componente em \(x\) da velocidade é
$$
u_x^{\prime} = \frac{dx^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dx – vdt}{dt – v /
c^2 dx} = \frac{u_x – v}{1 – v / c^2 u_x} .
$$

Na última igualdade dividimos numerador e denominador por \(dt\). Da mesma forma podemos encontrar o componente \(y\) ,
$$
u_y^{\prime} = \frac{dy^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dy}{\gamma \left( dt
– v / c^2 dx \right)} = \frac{u_y}{\gamma \left( 1 – v / c^2 u_x \right)},
$$

e o componente \(z\) ,
$$
u_z^{\prime} = \frac{dz^{\prime}}{dt^{\prime}} = \frac{dz}{\gamma \left( dt
– v / c^2 dx \right)} = \frac{u_z}{\gamma \left( 1 – v / c^2 u_x \right)} .
$$

Isto mostra que os vetores velocidades não se somam da mesma forma que na mecânica de Newton.

Exemplo: Uma partícula A se move com velocidade \(v_A = 0, 5 c\) no referencial do laboratório, e emite uma partícula B com velocidade \(v_B = 0, 5 c\) em relação à sua própria velocidade. Qual a velocidade \(W\) da partícula B no laboratório? O laboratorio tem velocidade \(– v_A\) em relação a partícula:
$$
W = \frac{v_A + v_B}{1 + v_A v_B / c^2} = \frac{c}{1 + \left( 0, 5
\right)^2} = 0, 8 c.
$$

Tempo Próprio

Vimos que as medidas do tempo variam com a velocidade do observador que analisa o fenômeno sob consideração. O tempo próprio \(\tau\) de uma partícula é definido como o tempo medido por um observador que se move junto com a partícula, no chamado referencial comóvel. Neste caso \(dx = dy = dz = 0\) para o este observador. Como a separação em \(M_4\) é invariante temos, em comparação com um outro observador qualquer, temos que
$$
ds^2 = – c^2 d \tau^2 = – c^2 dt^2 + dx^2 + dy^2 + dz^2,
$$

ou seja,
$$
d \tau^2 = dt^2 – \frac{1}{c^2} \left( dx^2 – dy^2 – dz^2 \right) = \left(
1 – \frac{v^2}{c^2} \right) dt^2,
$$

onde foi feita a substituição
$$
v^2 = \left( \frac{dx}{dt} \right)^2 + \left( \frac{dy}{dt} \right)^2 +
\left( \frac{dz}{dt} \right)^2,
$$

sendo \(v\) a velocidade relativa entre os dois referenciais e, por conseguinte, a velocida da partícula estudada pelo observador não comóvel. Podemos ainda escrever
$$
d \tau = dt \sqrt{1 – \left( v / c \right)^2} = dt \sqrt{1 – \beta^2}
$$

e, como consequência
$$
\frac{dt}{d \tau} = \frac{1}{\sqrt{1 – \beta^2}} .
$$

O tempo próprio é um escalar
$$
d \tau^2 = \frac{- 1}{c^2} ds^2
$$

e portanto invariante sob mudanças de coordenadas que satisfazem as transformações de Lorentz. Por este motivo é um bom candidato a ser usado como parâmetro nas equações do movimento.

 

A estrutura do espaço-tempo