
Eu e mais dois jovens colegas ativistas estávamos descendo os últimos degraus do prédio onde participamos das Conferências da ONU sobre o Clima quando fomos abordados por uma desconhecida. Ela fez três afirmações: “Não represento perigo para vocês”, “precisamos salvar uma Terra” e “vocês são capazes de executar essa tarefa”. Depois perguntou: “concordam em me ajudar?” Nos entreolhamos surpresos e, sem tempo para raciocinar, concordamos.
Senti um formigamento pelo corpo e ligeira náusea. Depois me vi em outro local, difícil de ser descrito. Primeiro vi vários instrumentos de controle, algo como o cockpit de um avião. Depois, olhando para fora, confirmei que estava no ar, em local muito afastado da superfície. A desconhecida se apresentou como Ana e acrescentou: “não sou daqui e nem de agora. Olhem pela janela!”
A Terra abaixo de nós se acelerava até que não podíamos mais ver continentes, nuvens nem oceanos. As cores se misturaram até formar um azul bem claro, uniforme e sem textura. Entendi que estávamos em alta velocidade, sem compreender como isso seria possível: “porque não sinto nosso veículo em velocidade ou sendo acelerado?”, perguntei. Ana riu: “cancelamento de inércia. Um efeito diferente será distinguível em breve. Prestem atenção!”
A Terra agora era um bola lisa, com bordas muito bem definidas. “Olhem!” Primeira a borda da esfera perdeu a nitidez. Em seguida várias outras esferas menores despontaram ao seu lado. Passados alguns segundos as esferas bifurcadas se dividiram também, formando uma flor complexa. “Estamos vendo muitas Terras”, disse Ana, “bifurcações de eventos à partir de um evento qualquer em uma delas. Vocês conhecem o conceito de muitos mundos, da mecânica quântica?”. Discutimos rapidamente o assunto. Conhecíamos aquela ideia sem saber que ela poderia ter uma aplicação prática.
Ana percebeu nossa desorientação. “Cada evento tem muitas maneiras de progredir no tempo. Chamamos de trajetórias essas maneiras. Aquelas de maior probabilidade formam as Terras que vocês estão vendo. As Terras improvavéis se dissolvem no espaço-tempo. A aplicação prática de tal abstração é a seguinte: observando eventos destruidores que se propagam em muitas versões ou trajetórias podemos saber se um evento tem potencial danoso para seres sencientes ou não.”
“Por exemplo, observem aquela evolução…” , ela apontou para uma das esferas entre o centro e as bordas. À princípio eu não consegui resolver um esfera única em meio a tantas outras. Aos poucos, discutindo com os colegas, comecei a ver uma esfera escurecida, no meio de outras mais brilhantes. Ana nos informou: “A cor escura decorre da abundância de CO2. Essa Terra está em processo de extinção da vida abrigada. Vocês estão vendo a morte lenta de um planeta.”
Um dos meus colegas perguntou: “se são tantas Terras, por que deveríamos nos precupar com a morte de uma delas?”. “Acaso você sabe em qual delas você vive?”, perguntou a mulher. “Mas essa discussão é irrelevante. Olhem por mais algum tempo.” Foi isso o que fizemos até perceber que a cor escura do planeta moribundo se espalhava para esferas adjacentes. Ana voltou a falar, com voz tensa: “efeitos dos eventos se espalham. A humanidade, em todas as trajetórias de mundos, está tornando inviável a vida humana. Esse não é um evento singular e muitas estrelas com vida senciente são destruídas nesse processo, quando suas civilizações atingem eras tecnológicas. A imagem tipo flor que vocês estão vendo … nós a chamamos de Orbis. Nosso objetivo é salvar o maior número possível de Orbis.”
Ana fez um gesto nos impedindo de fazer perguntas. “Vocês se lembram dos limites de poluição acordados pelos chefes de nações na reunião da ONU?” Concordamos com a cabeça. “Tais metas serão cumpridas?” Sabíamos que não. “Vocêm devem agir!” Apontando para nós três ela continuou. “Vocês serão dirigentes políticos ou científicos em seus respectivos países. Comecem agora a estudar formas de produção da energia limpa.” Um dos colegas perguntou: “sabemos como gerar energia limpa. Mas também sabemos que as formas alternativas de geração de energia são caras. A comunidade econômica mundial não tolera perdas.”
Ana parecia estar se preparando para se despedir de nós e não interrompeu nenhum de seus movimentos por causa da pergunta. Ela só disse: “quando chegar a sua vêz de agir, o que será em breve, a economia já estará combalida o bastante. Não poderão se opor a políticos e cientistas que apresentarem projetos sólidos e factíveis. E vocês não estarão sozinhos … boa sorte!”
Senti vertigem novamente, menos assustado agora que sabia o que estava ocontecendo. Nos encontramos no alto da escadaria, onde estávamos mais ou menos três minutos antes de nossa partida. Nos abraçamos: “temos que falar sobre isso!” e fomos para um bar na esquina mais próxima, para confirmar nossas impressões e combinar nossas atitudes futuras.

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[…] eJihon explicou que, antes disso, várias máquinas foram bem sucedidas em testes de Turing parciais. Nestes testes um examinador interage com uma inteligência sem saber se fala com um humano ou uma IA, uma inteligência artificial. Se o examinador estiver falando com uma IA e não puder determinar se o interlocutor é humano ou não, esta IA terá passado no teste de Turing. Ela se lembrou que Jenery não poderia compreender plenamente a importância deste momento pois estava habituada a interagir com máquinas Turing desde a infância. Para ela era apenas normal que uma máquina simulasse com perfeição um diálogo humano. eJihon a levou até uma placa placa metálica onde estava descrito o momento histórico em que a inteligência não mais necessitou ser categorizada como natural ou artificial. Na placa estava gravado o diálogo:
“Nas encostas da montanha Hypsus o soldado Giorge Capadocius encontrou um animal exótico e assustador. Giorge era um guerreiro ordinário e sem casta, e há muito perdera a esperança de se eternizar como um herói verdadeiro. Mas guardara o desejo de fazer pelo menos uma coisa útil para a comunidade. A fera, pelo contrário, era incomum. Com com asas enormes e pele escura coberta por escamas, patas largas como as de um leão e cabeça de réptil ela aterrorizava os viajantes, impedindo a passagem de quem tentava cruzar o país tomando atalho pelas regiões mais elevadas, sendo responsável por um número de mortes e desaparecimentos. Giorge seguia a pé por uma trilha estreita, caminhando com cuidado pois o Sol se ocultava por trás dos picos mais altos, quando a fera que se aproximou de súbito. Ela se postou sobre o caminho de forma que o soldado não podia fugir para os lados, sob o risco de cair no despenhadeiro, nem voltar dando as costas para o animal. Depois se aproximou do rosto do guerreiro até que ele sentiu sua respiração. E explicou que faria uma única pergunta. Ele sobreviveria se fornecesse a resposta correta. O animal levantou seu pescoço e olhou para baixo, dizendo em tom de voz ameaçador: ‘O que humanos e meckos partilham e eu, o senhor do Hypsus, não possuo?’ Giorge percebeu num relance que, com um pouco de sorte, teria a oportunidade de realizar algo relevante. E respondeu: ‘DNA!’ O animal não disse uma única palavra. Ele encolheu o pescoço abaixando a cabeça, cobrindo a parte superior do peito com a pata anterior e se afastou com respeito liberando a passagem. Giorge, no entanto, acionou sua lança e penetrou com ela o ponto exato que a criatura tentara proteger, causando sua morte imediata. Um ser desprovido de DNA, pensou o recém formado herói, era artificial e não estava protegido por nenhum dos tabus vigentes de proteção à vida. E nem tinha motivo defensável para atacar os viajantes da região. Ele apenas fizera justiça!”