Por que o céu noturno é Escuro?

🔻Final do artigo

Suponha que uma pessoa é curiosa e tem uma mente investigativa mas não dispõe de recursos tecnológicos, tais como grandes telescópios, ou teóricos, como a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Existe alguma maneira pela qual ele perceba que o universo não é simultaneamente infinito e estático?

Este investigador sem recursos sai à noite para observar as estrelas e percebe, como todos sabemos, que o céu éescuro à noite, exceto pelo brilho pontual das estrelas, dos planetas e galáxias. Sabemos ainda, embora o observador sem recursosnão o possa notar, que existe também uma radiação abrangente e uniformemente espalhada pelo espaço, aradiação cósmica de fundo que não é visível por estar na faixa de frequência das microondas. No geral o céu noturno é escuro. Nosso pensador, no entanto, supõe que o universo é infinito e estático e que existe um número enorme de estrelas espalhadas de modo aproximadamente uniforme pelo espaço. Em qualquer direção em que ele olhar para o céu haverá uma estrela uma vez que o universo é infinito (ou muito grande).

Figura 1: O Paradoxo de Olber

Figura 1A área da casca esférica (a superfície da esfera representada na figura pelo círculo verde) cresce com o quadrado da distância, enquanto o brilho das estrelas decai de modo inversamente proporcional ao quadrado desta distância. Como se partiu da suposição de que a densidade é a mesma, na média, então o número de estrelas é maior na medida em que se afasta do observador. Este número maior compensa o efeito da queda de luminosidade devido à distância.

É claro que as estrelas mais distantes parecerão ser menos brilhantes mas, por outro lado, haverá um número maior delas para camadas mais distantes, como está ilustrado na figura 1. A intensidade do brilho diminui com o inverso da distância ao quadrado, mas o número de estrelas aumenta proporcionamente com o quadrado da distância de forma que os efeitos se cancelam e o céu noturno deveria ser brilhante, pelo menos com brilho similar ao do disco solar, visto aqui da Terra.

Este é o chamado paradoxo de Olber e foi, na verdade, percebido muito antes de Olber. O astrônomo Edward Harrison1 descreve que Thomas Digges, matemático e astrônomo inglês, percebeu ainda no século XVI problema do brilho do céu noturno. Digges era um defensor do sistema Copernicano e foi o primeiro asugerir que, além da esfera das “estrelas fixas” havia um espaço infinito e “repleto de estrelas”. Também Kepler descreveu o problema em 1610, embora uma forma mais moderna de compreensãodo mesmo só tenha surgido no século XVIII com o trabalho de Halley e Cheseaux. O astrônomo alemão Heinrich Olber voltou a levantar a questão em 1823 e a tornou mais conhecida, sem ter alcançado uma compreensãode sua solução. Lord Kelvin, segundo Harrison, foi o primeiro a apresentar uma tentativa de solução. Curiosamente o escritor Edgar Allan Poe2, antes de Kelvin, fez uma descrição simples de sua solução.

(1) 1987. Harrison, Edward: Darkness at Night: A Riddle of the Universe, Harvard University Press. ISBN 9780674192706.

2) A citação de Poe, aqui em livre tradução, é uma antecipação da explicação oferecida por Kelvin: “Se houvesse uma sucessão infinita de estrelas o fundo do céu nos pareceria brilhar com luminosidade uniforme, como a exibida na Galáxia – uma vez que não existiria nenhuma direção para a qual se olhasse sem que uma estrela lá estivesse. Portanto a única maneira de compreendermos esta situação, de acomodarmos a noção de que os telescópios podem mostrar grandes vazios em diversas direções, é através da suposição de que as distâncias cósmicas são tão gigantescas que nenhum raio de luz das estrelas distantes foi até agora capaz de nos alcançar.”

Esta não é, infelizmente, uma explicação correta para o suposto paradoxo.

(3) A radiação cósmica de fundo é bastante uniforme mas não completamente! Pequenos desvios na homogeneidade ou “caroços” em regiões um pouco mais quentes ou mais frias são exatamente o que se deveria esperar à partir das teorias de geração das estruturas, tais como galáxias e grupos de galáxias. Se a matéria-energia primordial fosse completamente homogênea nenhuma estrutura seria formada.

Algumas tentativas de solução foram apresentadas:
  1. o espaço é permeado por grande quantida de poeira que impede a passagem da luz,
  2. existe apenas um número finito de estrelas,
  3. a distribuição das estrelas não é uniforme,
  4. o universo é muito jovem e a luz das estrelas distantes ainda não nos alcançou,
  5. o universo está se expandindo.

A primeira tentiva consiste em supor que existe matéria espalhada pelo espaço e que esta poderia impedir a passagem da luz das estrelas distantes. No entanto, ao absorver luminosidade (que é uma forma de radiação e transporta energia) a poeira se aqueceria a passaria a emitir luz por conta própria. Por outro lado uma quantidade muito grande de poeira obscureceria nosso Sol e poderia ser detectada da Terra, algo que não acontece.

Quanto a segunda resposta, é possível (mas não muito provável) com base no que se conhece hoje que o universo seja finito e exista um número finito de estrelas. No entanto o número de estrelas e outros objetos celestes já conhecidos e catalogados já é suficientemente grande para iluminar o céu noturno.

A discussão da terceira tentativa de explicação do problema é um pouco mais complexa e está discutida com mais detalhe no artigo principal sobre cosmologia. Em resumo, apesar de exibir claramente desvio de uniformidade em escalas menores, como pode ser observado nos sistemas planetários, nas galáxias e mesmo nos agrupamentos galáticos, o universo aparenta ser aproximadamente homogêneo em escalas muito grandes, bem maiores que a de agrupamentos de algumas poucas galáxias! A homogeneidade da radiação cósmica de fundo é outro bom argumento de que o universo é homogêneo em grande escala3.

A quarta premissa é um pouco mais complexa e exige um conhecimento matemático um pouco mais detalhado para sua compreensão. Apenas para não deixar de todo a questão sem tratamento, adiantemos algum conteúdo para análise e apreciação! O Big Bang não representa apenas a origem do conteúdo material do cosmos, mas também do espaço e do tempo. De acordo com a Teoria da Relatividade o próprio espaço se expande e o tempo teve um início. Não existia nada antes do início, nem matéria, nem o espaço e nem o próprio tempo. A informação mais antiga que temos da explosão é representada pela radição cósmica de fundo e ela está fria demais para iluminar o céu noturno!

O Universo Observável é composto de tudo aquilo que emitiu radiação e esta radição nos alcança no presente. Como a velocidade da luz é finita é possível que existam partes do universo não observadas mas isto nos remete a um terreno pouco físico, uma vez que estas regiões não nos afetam de forma alguma. Além disto seria surpeendente se regiões distantes de nossa observação, se existirem, fossem muito diferentesda região observado, que apresenta grande grau de uniformidade e homegeneidade. Além disto a homogeneidade da radição de fundo é uma indicação de que houve tempo suficiente para que as diversas regiões do espaço interagissem entre si atingindo a homogeneidade.


A última das possibilidades é geralmente apresentada como a melhor solução para o paradoxo (que portanto não é um verdadeiro paradoxo!). Com a expansão universal as estrelas, galáxias e tudo o mais que emite luz estão em velocidades que são mais altas para objetos mais distantes e o efeito do desvio para o vermelho enfraquece o brilho desta radiação.

Desta forma, uma pessoa desprovida de instrumentos poderia ter percebido, antes das medidas do deslocamento feitas por Hubble, que o universo não pode ser simultaneamente estático e infinito.

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