Matemática na Grécia Antiga



Preliminares Históricos

A Matemática é mais antiga que a civilização. Existem registros muito antigos de contagem por meio de riscos em pedaços de ossos, pedras e moldes de barro originados de uma época em que os agrupamentos humanos eram nômades e não possuíam a palavra escrita. O início da civilização ocorreu no Período Neolítico na Mesopotâmia, na região entre os rios Tigres e Eufrates onde hoje se encontra o Iraque, e no Egito, quando teve início um processo de desertificação das savanas. Os agrupamentos humanos foram forçados a abandonar a vida nômade e se fixar em aldeias em torno das bacias dos grandes rios e a desenvolver tecnologias para aumentar sua eficiência na produção de alimentos e utensílios de uso geral. Para isto tiveram que irrigar as terras cultiváveis e garantir o fornecimento de água potável. Devido ao acúmulo de habitantes sobre uma área limitada tiveram também que construir um sistema de esgotos. A necessidade de previsão das estações férteis exigiu a construção de calendários que, por sua vez, demandava conhecimentos de astronomia. Para tudo isto foi necessário o desenvolvimento da palavra escrita e da matemática. A história da Matemática se inicia com os processos de contagem de objetos e da passagem do tempo, com a aplicação deste conhecimento nas plantações e criação de animais, na construção das cidades, de ferramentas, na fabricação de tecidos e na aplicação sobre a arte. A necessidade de reproduzir em rituais religiosos a saga mitológica de cada cultura também contribuiu para a evolução da matemática, particularmente em seus aspectos teóricos.

(1) Também chamado papiro de Rhind, um antiquário escocês que adquiriu o papiro em 1858.

Os fundamentos antigos da matemática são encontrados em papiros egípcios e tabletes de barro cozido com a escrita cuneiforme dos vários povos que floresceram na Mesopotâmia, entre eles os babilônios. Estes documentos indicam um conhecimento básico de Aritmética, Álgebra, Geometria e até mesmo de Trigonometria. O papiro de Ahmés(1) (~1750 a.C.) revela o uso de um sistema de numeração decimal no Egito, onde a unidade era representada por uma linha simples e as primeiras potências de dez possuíam símbolos hieroglíficos próprios. A aritmética era realizada basicamente por adições simples e algumas frações, especialmente as frações unitárias, sob a forma de \(\frac{1}{n}\), eram conhecidas e tabeladas. Na álgebra eram utilizadas equações lineares contendo uma incógnita que era então representada por uma palavra e não por um símbolo.

(2) Também as civilizações chinesa e hindu contribuíram para o progresso do pensamento grego, exercendo, no entanto, menor influência devido às dificuldades de contato comercial e cultural.
(3) Um axioma é um princípio básico considerado verdadeiro sem a necessidade de provas ou demonstrações. O uso de axiomas na matemática teve origem na Grécia, em torno do século V a.C., e representa um passo fundamental para o estabelecimento desta disciplina. Os axiomas que formam a base de qualquer sistema de pensamento devem ser autocoerentes, não devendo levar a contradições internas. Além disto devem ser reduzidos em número e independentes, no sentido de não poderem ser deriváveis um do outro.
(4) A prova matemática é uma argumentação destinada a estabelecer a veracidade de uma afirmação ou teorema. Ela se inicia geralmente com as premissas consideradas corretas, em geral demonstradas previamente ou axiomas, e condições sobre as quais o teorema ou afirmação é suposto válido. Em seguida, usando as regras da lógica, se mostra que as conclusões decorrem das premissas ou não estão em desacordo com elas, devendo ser, portanto, igualmente verdadeiras.

A aritmética babilônica, por sua vez, era baseada em um sistema sexagesimal de numeração, o que deixou uma herança até os dias de hoje no uso de sistemas de base 60, por exemplo, na contagem de ângulos e do tempo. Os babilônicos do período de Hammurabi (~1950 a.C.) possuíam uma álgebra suficientemente desenvolvida para o tratamento de equações quadráticas e até mesmo algumas formas simples de equações cúbicas. Existem tabletes cuneiformes de períodos posteriores (~600 a.C. até 300 d.C.) que mostram a existência de tabelas para o cálculo da multiplicação, recíprocos e raízes quadradas, que eram geralmente empregados para o estudo da astronomia. No entanto, nem os babilônicos nem os egípcios possuíam as noções de fundamentação lógica e formal do pensamento matemático(2).

Um passo de fundamental importância para o desenvolvimento da matemática, como hoje a entendemos, foi dado durante o período grego. Grande parte dos fundamentos culturais da civilização moderna foi por eles estabelecida, particularmente nos campos do pensamento filosófico, científico e matemático. A eles se deve a fundamentação da disciplina por meio de axiomas(3) e a construção progressiva de conclusões por meio do pensamento lógico-dedutivo, as provas ou demonstrações(4). As formas e estratégias aceitas para a construção de provas matemáticas evoluíram através do tempo, tendo sido, em grande parte, propostas pelos pensadores gregos.

Um exemplo interessante deste desenvolvimento pode ser observado no uso e aceitação do teorema de Pitágoras que, na verdade, era conhecido de outros povos anteriores aos gregos, em particular os Mesopotâmios. Estes povos utilizavam o teorema e o consideravam correto porque verificavam a concordância entre o predito e o observado em situações práticas. Além de desconhecer a noção de provas eles também não percebiam a diferença entre resultados exatos e resultados aproximados que, embora úteis para o uso em aplicações, não representam grande progresso teórico. Como exemplo podemos citar o cálculo da área de um disco de raio \(r\), considerado como \(A=(3+1/6)r^2\). Os gregos foram os primeiros a compreender que a observação cotidiana não pode servir como prova final da veracidade de uma afirmação matemática.

Um Pouco de História da Grécia

Grécia Antiga é a denominação comum para um conjunto de cidades-estados independentes que se desenvolveram na bacia do mar Egeu até o mar Jônio que se formaram em torno de 2800 a.C., aproximadamente na mesma época em que estavam sendo construídas as pirâmides egípcias. No primeiro período, durante a chamada Idade do Bronze, em torno do terceiro milênio a.C. até o fim do período micênico (~1100 a.C.), os gregos eram basicamente uma população rural pacífica, formada por criadores de gado e agricultores. O grande número de ilhas e a geografia do continente, em forma de península, acabaram por facilitar a expansão do comércio marítimo com os povos da costa do Mediterrâneo e, com isto, a busca por tecnologia e integração cultural entre os povos da região, os europeus ao norte e os asiáticos a leste.

Figura 1: Mapa da Grécia

Por volta de 2600 a.C. houve uma invasão de povos de origem asiática que viviam ao norte e eram hábeis ferreiros, agricultores e navegadores. Aproximadamente seis séculos depois tribos indo-européias invadiram a península destruindo a sociedade então existente. Estes invasores, apesar de terem derrotado os habitantes da península, aprenderam com os derrotados parte de sua técnica e cultura e introduziram novos elementos, tais como a construção de cidades sob a forma de complexos fortificados. Mais tarde, em torno de 1600 a.C., os povos do continente se misturaram com um agrupamento humano que já se desenvolvia na ilha de Creta ocasionando o surgimento da chamada cultura micênica. Uma característica marcante deste período são as cidades formadas por grandes edifícios e que abrigavam uma grande população. Eles eram um povo guerreiro, interessado no comércio e nas artes e possuidores de notável conhecimento sobre arquitetura e construção de armas.

No início do século XII a.C. ocorreu uma nova invasão, desta vez promovida pelo povo dório, também de origem asiática, que migrou para a Grécia e fez sucumbir a civilização micênica. Os dórios eram guerreiros rudes e os 300 anos de seu domínio ficaram conhecidos como uma idade das trevas gregas, durante o qual houve pouco progresso nas artes e na ciência. Mais uma vez a cultura pré-existente sobreviveu à invasão violenta e, gradualmente, os dórios assimilaram dos antigos habitantes remanescentes parte de sua tradição e conhecimentos. Neste período surgiram uma língua e uma religião comuns e foi implantado o culto aos deuses do Olimpo. Para apaziguar as lutas entre as cidades e promover a união entre elas foram criados os festivais religiosos e disputas atléticas entre as cidades. Entre estes estavam os Jogos Olímpicos realizados a cada quatro anos em Olímpia, em homenagem a Zeus e Hera, iniciados em 776 a.C.. Nesta época os gregos adotaram o alfabeto fenício, abandonando os hieróglifos, o que tornou mais acessível o aprendizado da palavra escrita e facilitou a expressão de conceitos filosóficos.

Os gregos continuaram, no entanto, a viver sob o temor de novas invasões de povos diversos vindos do norte e do oriente. Isto fez com que os habitantes se agrupassem em torno de aldeias que cresceram até se tornarem as grandes cidades-estados, sendo as principais delas Atenas, Esparta, Tebas, Corinto e Argos. Em torno de 800 a.C. estas cidades adotaram um padrão arquitetônico comum, formado por uma fortaleza, a acrópole, cercada de muros altos que poderia servir de abrigo am caso de invasões. Abaixo da acrópole se encontravam o mercado, a ágora, e as áreas residenciais. Apesar da identidade cultural destas cidades, da tradição, língua e dos inúmeros esforços feitos nesta direção por alguns dirigentes, as cidades nunca foram unificadas sob uma mesma nação. Inúmeras guerras foram travadas entre as diversas cidades-estados, mas era raro que uma das cidades conseguisse anexar a outra. No entanto muitos indivíduos derrotados em batalhas eram tomados como escravos, o que favoreceu o surgimento do ócio, do tempo livre para o debate sobre temas de interesse comum tais como temas de interesse do cidadão e do pensamento filosófico.

A partir do século V a.C. os gregos começaram a formar colônias fora do continente, expandindo sua civilização em direção à Ásia, em torno do Mar Negro, França, Espanha e norte da África. Cidadãos de Atenas fundaram as primeiras colônias onde hoje se encontra a Turquia. Os cidadãos jônicos, residentes nestas colônias, se consideravam gregos e nunca perderam o contato com o continente. Foram eles os criadores do alfabeto grego e os principais responsáveis pela formação da literatura e filosofia gregas. Um importante elemento de fixação dos conceitos mitológicos foram os poemas de Homero, a Ilíada e a Odisséia, baseados na guerra de Tróia e nas viagens de Ulisses. Tales de Mileto foi então considerado o primeiro grande filósofo grego. Também nessa época viveu, no continente, Hesíodo o escritor de A Teogonia e O Trabalho e os Dias, importantes registros da tradição mitológica e religiosa antiga.

Durante o chamado período clássico, no século V a.C., o continente foi invadido duas vezes pelos persas, que provocaram grande devastação. A guerra contra os persas fez com que as duas cidades mais poderosas, Atenas e Esparta, superassem suas divergências e se unissem contra o inimigo comum. Após sucessivas derrotas uma confederação de cidades gregas pôde finalmente rechaçar o inimigo persa, em 479 a.C., principalmente devido ao poderio grego em forças navais. Os gregos atribuíram sua vitória a seu amor pela liberdade, o que representou um forte estímulo à criatividade e unificação dos povos vencedores. Os gregos do período clássico se autodenominavam helenos chamando de Hélade o seu país. O nome Grécia foi usado pelos romanos que atribuíram a toda região o nome da primeira tribo que encontraram no continente.

As principais cidades-estados, Atenas e Esparta possuíam formas de governo e na cultura bastante diversos durante este período o que resultou em inúmeros conflitos. Esparta havia adotado um regime autoritário e militarista, incluindo o treinamento militar na formação de seus cidadãos mais jovens, enquanto Atenas vivia em regime democrático onde os cidadãos, ricos ou pobres, podiam participar na elaboração das leis e na direção da cidade. Atenas experimentou grande progresso durante o governo de Péricles, de 460 a 429 a.C., se transformando no centro político, econômica e cultural do mundo grego. A democracia reduziu os privilégios da aristocracia enquanto a vontade popular era livremente expressa nas assembléias. No entanto, apesar de seus esforços, Péricles não conseguiu unificar sob uma mesma bandeira os vários povos helênicos.

Gradualmente, após a vitória sobre os persas, as cidades se lançaram em divisões e conflitos internos que enfraqueceram a Grécia progressivamente. Após algum tempo o campo estava devastado e os pequenos proprietários rurais tendiam a desaparecer. Mercenários assolavam o campo e as cidades. A economia estava estagnada enquanto os menos favorecidos esperavam a assistência do estado. Nesta época surgiu entre os intelectuais, Platão, Isócrates e Xenofonte entre eles, a idéia da unificação grega sob a liderança de um líder carismático. Alexandre o Grande (356-323 a.C.) se propôs unificar sob seu poder todo o mundo civilizado. Para realizar este feito ele iniciou a conquista das cidades gregas e, em seguida, se lançou à conquista da Pérsia, atravessando a Ásia e estendendo seus domínios até a Índia.

O projeto de conquista promovido por Alexandre resultou na expansão da civilização grega para a Pérsia, Síria, Índia e Egito, dando origem à chamada civilização helenística. Esta ampliação dos limites de influência grega fez com que, mesmo depois de ter a Grécia perdido seu poder e independência política, sua língua e cultura ainda continuaram a influenciar toda a formação do mundo moderno. Após a morte de Alexandre na Babilônia em 323 a.C. as coligações gregas foram novamente dissolvidas e o país arrastado para novas guerras. Com isso, o império se dividiu apesar das inúmeras tentativas de novas reunificações, até a intervenção final e a ocupação do território pelos romanos.

As primeiras relações dos romanos com as cidades gregas foram amistosas. No entanto, em 215 a.C. Roma resolveu intervir militarmente em conflitos gregos internos. Os romanos seguiram a princípio uma política de prudência devolvendo a autonomia às cidades gregas. A partir de 146 a.C., porém, a Grécia foi submetida definitivamente ao domínio da república. Os romanos, apesar da dominação militar e política, sempre apreciaram a cultura grega e a cultivaram. O Império Romano que por um muito tempo dominou a maior parte do mundo conhecido, não promoveu grande aprimoramento das ciências e da matemática. No entanto eles assimilaram a cultura e a religião grega e a transmitiram para o restante do mundo.

A partir do século V d.C. a parte oriental do Império Romano se tornou relativamente independente de Roma, adotando como capital a cidade de Constantinopla ou Bizâncio. Eles adotaram a língua, a formação cultural e tradições gregas o que garantiu a transmissão deste legado cultural à Rússia e aos povos eslavos. O império bizantino se manteve durante toda a Idade Média até a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453. Com a queda do império os sábios bizantinos se refugiaram na Itália, contribuindo para a renovação do conhecimento sobre o pensamento grego clássico e a tradição jurídica romana no período conhecido como Renascimento, que então florescia no Ocidente. Vale lembrar que durante a Idade Média na Europa a maior parte dos textos clássicos, gregos e romanos, haviam sido destruídos pela intolerância e o fanatismo então reinantes.

(5) O conceito de democracia na Grécia era bastante diferente do que hoje possuímos. Grande parte do trabalho braçal era executada por escravos, em geral soldados derrotados nas guerras. As mulheres não participavam das decisões coletivas e nem podiam competir ou sequer assistir aos jogos olímpicos.
(6) O juramento de Hipócrates, que resume sua ética, é ainda hoje recitado nas colações de grau de estudantes de medicina.

O surgimento da democracia(5) foi essencial para o estímulo às ciências, matemática, artes e filosofia. As assembléias eram muitas vezes realizadas em praças públicas. As primeiras idéias filosóficas foram estabelecidas através da discussão sobre o mito primitivo, o que influenciou fortemente o caráter da filosofia. Ainda em resposta às tradições mitológicas e religiosas surgiu o teatro e a sátira, quase sempre atacando, ironizando ou simplesmente reformulando conceitos antes considerados intocáveis. Um exemplo importante desta tendência foi representado por Hipócrates (~460 a.C. – 377 a.C.) que se recusou a aceitar as interpretações mágicas e religiosas para as doenças aceitas na época, favorecendo a análise do organismo e a observação para a obtenção do conhecimento médico(6).

Origens arcaicas do pensamento científico

(7) A Homero (850 a.C.) atribui-se as obras Ilíada e Odisséia. Hesíodo (~800 a.C.) escreveu A Teogonia, um relato da formação dos deuses e do universo, e O Trabalho e os Dias, voltada para a descrição da formação da humanidade e a explicação da estrutura social entre os homens.

Assim como outros aspectos de sua cultura, a religião grega influiu de forma duradoura sobre as tradições religiosas posteriores e sobre o pensamento filosófico e científico. Em sua fase mais antiga, em um período anterior à palavra escrita, a tradição era transmitida pelos Aedos, sábios, profetas e curandeiros, que guardavam de memória os relatos contados por seus antepassados sobre a origem do universo, a criação do ser humano, seu objetivo e destino final. As narrativas escritas mais antigas hoje disponíveis, os textos de Homero e Hesíodo(7) são, em grande medida, uma coletânea destes relatos. Segundo Hesíodo no início dos tempos, antes que qualquer outra coisa existisse, havia o Caos, palavra geralmente traduzida como abismo ou hiato.

“Primeiro que tudo houve o Caos. Depois veio a Terra de amplos seios e Eros, o mais belo entre os deuses imortais. Do Caos nascem Érebo e a negra noite. Da Noite nascem Éter e o Dia. A Terra gera primeiro o Céu Constelado para que a cobrisse e fosse para sempre a mansão segura dos deuses. Depois gera as Montanhas e o Mar. …”

Tradução livre e abreviada de Cornford.

Da Terra (Gaia) nasceu Urano, o Céu, que contraiu matrimônio com sua mãe. Eles geraram os Titãs que foram escondidos pelo pai no ventre de Gaia. Entre eles Cronos se rebelou contra Urano e, depois de castrá-lo, passou a governar o universo. Posteriormente Cronos é destronado por seu filho Zeus, o fundador do panteão helênico clássico e governante do Olimpo.

Outras variantes para explicar a ordem atual das coisas podem ser obtidas de outras fontes, como por exemplo, na tradição órfica, uma das fortes influências do pensamento pitagórico. Em todos eles, entretanto, se pode encontrar um elemento comum: a origem em um princípio único, o “Indeterminado” de Anaximandro, ou o “Ovo Órfico”, mais arcaico, um elemento de difícil ou impossível apreensão pelo intelecto humano, com potencial de geração da polaridade ou oposição básica, tais como o Céu e a Terra (Urano e Gaia) de Hesíodo, ou o ar (frio) e o fogo (quente), capazes, por sua vez, de gerar pela sua interação a multiplicidade das coisas que existem. As novas gerações de Deuses suplantam e derrotam as gerações anteriores, instalando uma nova ordem no universo. Aos poucos a religião adquiriu sua característica de politeísmo antropomórfico onde os deuses eram movidos por interesses bem mundanos, pouco diferentes dos humanos ordinários.

O culto a Dionísio se firmou no continente por volta do século VIII a.C.. Nele se realizavam festejos e representações que buscavam celebrar e reconstituir a ordem cósmica, a origem do universo e do ser humano, e seu destino. Estes festejos deram origem, mais tarde, à representação teatral. Desenvolveram-se nos séculos seguintes os chamados mistérios de Elêusis, em torno de Deméter, símbolo da vida que se recolhe no inverno e renasce na primavera. O templo dedicado a Apolo, onde se encontrava o oráculo de Delfos, transformou-se no centro espiritual da Grécia. As consultas ao oráculo motivaram, muitas vezes, aprimoramentos do pensamento filosófico, científico e matemático.

No período helenístico, após as conquistas de Alexandre o Grande, houve um grande intercâmbio entre as culturas e mitologias de vários povos. Isto promoveu um sincretismo pacífico com o conseqüente aperfeiçoamento do pensamento grego e a sua difusão pelo resto do mundo.

Na visão grega o ser humano é “o centro do universo e a medida de todas as coisas”. Ele é composto de corpo e alma sendo que a alma é preexistente à formação do corpo. Em diversas vertentes a alma possui origem divina ou celeste e se encontra aprisionada à terra por meio do corpo. A contemplação da verdade, o amor à filosofia e ao belo são os elementos restauradores da liberdade perdida. Ao morrer a alma desce em forma de sombra para o reino de Hades onde são julgadas e, se condenadas, enviadas para o castigo no Tártaro. Caso contrário poderão desfrutar da bem-aventurança nos Campos Elísios.

(8) O teatro grego é considerado o modelo original do teatro no Ocidente e teve raízes em rituais tais como o culto de Dionísio. Restam hoje peças completas de Ésquilo (~526-456 a.C.), Eurípides (~484-406 a.C.) e Sófocles (~495-406 a.C.).
(9) No entanto, o processo de inteira libertação da crença de um deus que se envolve constante e pessoalmente no funcionamento do universo, por exemplo, no movimento dos astros, persiste até depois de Isaac Newton no século XVIII.

O surgimento da visão democrática e o despertar da liberdade de pensamento permitiram que os pensadores iniciassem uma crítica do pensamento arcaico, reformulando-o por pontos, procurando explicar de forma racional um aspecto ou outro da descrição antiga de mundo. Esta tendência surge, por exemplo, no teatro(8), onde as idéias mitológicas são expostas à crítica e até mesmo ao deboche e, mais tarde, no pensamento filosófico e científico.

O pensamento mitológico arcaico é uma tentativa de explicação do mundo. A reforma do pensamento primitivo é realizada gradualmente e cada novo avanço do pensamento se baseia na visão prévia do mundo, reformulando alguns aspectos e mantendo outros. A ênfase do relato mítico na origem única de todas as coisas se propaga para dentro da filosofia através do debate sobre o princípio essencial, travado entre os pré-socráticos, e exerce influência poderosa sobre o pensamento posterior até a modernidade. De certa forma a liberdade para pensar consiste em um rompimento com o substrato mitológico e religioso. O medo humano da interferência arbitrária de um deus em sua vida e no cosmos, e a prestação de contas na vida após a morte é impeditivo da investigação. É improvável que um grupo de pensadores, em qualquer época, procure explicações científicas para os fenômenos naturais se a crença em uma intervenção divina arbitrária é predominante. Um universo sem regularidade e movido por interesses arbitrários dos deuses não pode ser alvo de discussão científica(9).

Um das contribuições gregas para este processo consiste na crença de que o ser humano partilha com o universo o nous, a capacidade pensante, e, por isto, pode compreender o que nele ocorre. O pensamento religioso floresceu na Grécia até o fechamento das escolas pagãs pelo imperador bizantino Justiniano, no ano 529 da era cristã.

Pensadores pré-socráticos

Os pensadores que antecederam Sócrates foram responsáveis pela fundação do pensamento filosófico, científico e matemático e vão desde a escola de Mileto, no século VI a.C, até os sofistas do século V a.C.. Muitos deles viveram nas colônias gregas em Mileto, Samos e Eléia, entre outras. Entre os pré-socráticos destacam-se Tales, Pitágoras, Heráclito, Parmênides, Empédocles, Anaxágoras e Demócrito.

Tales de Mileto (624 a.C. – 547 a.C.)

Tales é considerado por muitos pensadores como sendo o primeiro filósofo, cientista e matemático. Ele foi o fundador da Escola Jônica que teve como estudantes Anaximandro e Anaxímenes. Nenhum dos escritos de Tales foi preservado e, mesmo nos tempos de Aristóteles, estes textos já estavam perdidos e, portanto, tudo o que sobre ele sabemos vem de relatos de outros filósofos ou historiadores(10).

(10) A principal fonte de informação sobre a matemática grega primitiva é o texto Sumário Eudemiano escrito por Proclo, sec. V d.C..
(11) Diógenes Laércio, século II d.C..

Heródoto relata que Tales foi um estadista de visão que defendeu a união das cidades jônicas na região do mar Egeu. Já Aristóteles afirmou ter sido ele o primeiro a defender que a água era a substância fundamental do universo e de toda a matéria. Segundo Proclo, Tales aprendeu no Egito o estudo da geometria que passou depois a ensinar na Grécia. Além disto ele teria descoberto diversas proposições por si próprio e seus métodos inovavam em generalidade. Alguns relatos descrevem que Tales teria predito um eclipse do Sol em 585 a.C., uma realização improvável quando analisada sob a luz do conhecimento moderno. Existem relatos interessantes sobre como Tales teria medido a altura das pirâmides egípcias observando “o comprimento de sua sombra no momento em que o comprimento de nossas sombras é igual à nossa altura”(11).

Figura 2: Semelhança de triângulos

Na versão apresentada por Plutarco, no entanto, Tales teria colocado uma vara na extremidade da sombra da pirâmide, estabelecendo triângulos semelhantes e deduzindo a altura procurada. Ele seria, segundo esta versão, o responsável pela descoberta e uso da semelhança de triângulos. Conta também a tradição que Tales mediu a distância de um navio até a praia, provavelmente usando semelhança de triângulos. Para medir esta distância ele teria procedido da seguinte forma: de um ponto O na praia se fixa o olhar no navio, em \(B\). Traça-se uma perpendicular \(OA\) a \(OB\) . De \(A\) se fixa o olhar para o ponto \(B\), onde está o navio. Por um ponto \(C\) escolhido na base \(OA\), traça-se o segmento \(CD\), paralelo à \(OB\), portanto perpendicular à base, cuidando-se para que \(D\) seja um ponto em terra firme e que a distância \(CD\) possa ser conhecida. Sendo os triângulos \(ACD\) e \(AOB\) semelhantes se pode medir a distância \(OB\), como na figura.

Muitos textos sobre a historia da antiguidade creditam a Tales o estabelecimento dos cinco teoremas seguintes:

  1. Um círculo é bissectado por qualquer um de seus diâmetros.
  2. Os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais.
  3. Ângulos opostos, formados por duas retas que se interceptam, são iguais.
  4. Dois triângulos que tem dois ângulos e um lado iguais são iguais.
  5. Um ângulo inscrito em um semicírculo é um ângulo reto.

Acredita-se hoje, no entanto, que não há evidências de que Tales tenha de fato proposto todos estes teoremas. Apesar da incerteza sobre a real contribuição deste pensador para a matemática é considerado certo que ele teve grande importância para a evolução do pensamento científico. Juntamente com seus contemporâneos ele desenvolveu uma concepção de mundo baseada no logos, palavra grega que significa razão, palavra ou discurso. O logos se contrapõe ao pensamento mitológico ou religioso, entendido como verdade revelada que não pode ser discutida ou criticada. Baseado na razão e na capacidade do ser humano de compreender, Tales efetuou uma tentativa para explicar racionalmente o universo sem o recurso a divindades ou outras forças alheias à natureza.

Figura 3: Teorema de Tales

Um exemplo deste pensamento lógico pode ser contemplado na demonstração da afirmação 3 listada acima, que afirma que ângulos entre duas retas que se interceptam são iguais. Pode parecer à primeira vista que a afirmação é óbvia e que não necessita de maior elaboração. Tales, no entanto teria argumentado que α + β é um ângulo raso, porque \(r\) é uma reta, enquanto γ + β também é raso porque porque \(s\) é reta. Igualando os dois ângulos se conclui que se α = γ.

Para explicar a multiplicidade do fenômeno natural e a mutabilidade das aparências, os filósofos da escola de Mileto buscaram um princípio unificador imutável, denominado arké, origem, substrato e causa de tudo o que existe. Tales propôs que a água era o princípio formador da matéria e do universo porque os seres quentes precisam da umidade, a morte traz o ressecamento, os germes são úmidos e os alimentos estão cheios de líquido. Ele julgava natural que as coisas se alimentassem da essência de onde provêm. A água é o fundamento da natureza e a terra repousa sobre a água.

Tales foi o primeiro a buscar explicação para a variedade dos fenômenos por meio de um número reduzido de hipóteses e, juntamente com outros filósofos, tentou encontrar uma explicação racional para tudo aquilo que antes deles era inteiramente explicado pelo mito. No entanto, apesar da relativa liberdade para questionar o que estava estabelecido, a racionalidade deste período não foi capaz de romper integralmente com o conceito arcaico de que na base da multiplicidade do fenômeno existe apenas um elemento primário, o princípio formador de tudo o que existe.

Pitágoras de Samos (~580 a.C. ~500 a.C)

Parte importante da história antiga da matemática grega foi perdida devido ao sucesso e ênfase que se deu ao texto de Euclides, A Geometria, escrito por volta de 300 a.C.. A principal fonte de informação é o Sumário Eudemiano, escrito por Proclo no séc. V d.C., que relata a existência do matemático e filósofo Pitágoras. Muito da vida de Pitágoras permanece imerso nas brumas da lenda e da tradição, sendo difícil até mesmo garantir sua existência histórica. Nenhum documento escrito por ele foi preservado até o presente embora se considere certo que sua sociedade existiu como um grupo fechado, que prezava o sigilo. Seus discípulos o tinham como um mestre dotado de poderes extraordinários, capaz de viajar fora do corpo e entrar em contacto deuses e demônios. Seus rituais de purificação incluíam o ascetismo e a apreciação da beleza e da verdade como forma de libertação da alma. Apesar de sua natureza mística e religiosa seus ensinamentos foram determinantes para a evolução da matemática posterior e da construção do pensamento filosófico e científico ocidental.

Supondo verdadeiro o que relata a tradição, Pitágoras nasceu aproximadamente em 580 a.C na ilha de Samos, uma das colônias na Anatólia, onde hoje se encontra a Turquia e teria sido um discípulo de Tales. Interessado em ciência e filosofia passou um período de sua vida peregrinando pelos santuários gregos, viajando depois pelo Egito, Fenícia, Babilônia, Índia e Pérsia, onde teria aprendido a matemática e o pensamento acumulado por aqueles povos. De volta a Samos ele procurou, sem sucesso, formar um grupo de discípulos. Alguns narradores relatam que ele pagou a um jovem para ser seu estudante, até que o aluno teria despertado seu interesse pela matemática e se oferecido para custear seus estudos. Perseguido pelo tirano Polícrates, principalmente devido a suas idéias sociais renovadoras, por volta do ano 530 a.C., Pitágoras emigrou para Crotona, ao sul da Itália. Lá conseguiu reunir um grupo significativo de seguidores que podiam entender suas doutrinas e contribuir para seu aperfeiçoamento. Com a ajuda de Milos, um homem rico da região e atleta famoso que também apreciava a filosofia, fundou uma comunidade ao mesmo tempo religiosa e filosófica que visava à reforma social e política da região.

Sua doutrina consistia de uma reforma do orfismo que, por sua vez, era uma modificação do culto a Dionísio. A obscuridade que cerca o pitagorismo se deve provavelmente ao caráter religioso e secreto da irmandade. Era comum que um discípulo adotasse o nome de seu mestre ou atribuísse a ele autoria de seus trabalhos, o que torna difícil a correta atribuição de autoria de teoremas e resultados científicos ou filosóficos. Pitágoras ensinava a transmigração das almas e estimulava os discípulos a levar uma vida de austeridade e ascetismo, incluindo a abstenção do consumo de carne. Ao se filiar ao grupo cada membro entregava para a comunidade todas as suas posses mantendo, no entanto, o direito de receber em dobro o que havia depositado se desejasse partir. Os membros, homens, mulheres e crianças de classes diversas, eram tratados com igualdade. Os novos discípulos deviam passar por um período de cinco anos apenas ouvindo e sem ter permissão para falar, enquanto aprendiam os conceitos básicos da doutrina e as normas de comportamento da comunidade. Após esta fase iniciavam o aprendizado de matemática e passavam de discípulos a mestres. Para definir seus propósitos, e os de seu grupo, Pitágoras cunhou a palavra filósofo, amante da sabedoria “pois, embora nenhum homem seja completamente sábio, em todos os assuntos ele pode amar a sabedoria como chave para os segredos da natureza”(12).

(12) Citado em O Último teorema de Fermat, Singh.
(13) Substância simples e indivisível.

Na busca pela substância primordial os diversos pensadores da época se revezavam escolhendo diferentes elementos como candidatos para o elemento essencial: Tales de Mileto propôs que a água era este elemento; Anaximandro se referia ao indeterminado, uma substância infinita que a tudo permeava; Anaxímenes o tomava como sendo o ar, que se tornando fogo podia mover todas as coisas; Heráclito afirmava que a transformação era o elemento essencial. A resposta pitagórica para este problema foi matemática: o essencial é o número! O número está por trás do fenômeno e é a base imutável deste mesmo fenômeno. Aritmética (como teoria dos números), geometria, música e astronomia eram as disciplinas básicas do programa de estudos pitagórico.

Os gregos faziam distinção entre a matemática como uma prática de efetuar cálculos com números (a aritmética) e o estudo das relações abstratas entre estes números (a logística), uma distinção que perdurou até meados do séc. XV. Atribui-se aos pitagóricos a fundação da teoria dos números. Eles se interessavam pelo estudo de propriedades numéricas e se aprofundaram neste estudo, em geral com objetivos místicos que hoje seriam considerados expúrios ou inválidos. Para a linguagem pitagórica, número é sinônimo de harmonia, entidades que, apesar de permanentes e invariantes, podem expressar o processo de permanente mutação da natureza. Inspirados pela tradição arcaica que apontava a Unidade como fonte geradora do universo os pitagóricos consideravam o número 1 como base e fundamento, a mônada(13) formadora de todos de todos os outros números. Combinações desta unidade e as razões entre os inteiros deveriam explicar toda a existência e daí o apreço pelos inteiros e os racionais. Entre os números mais importantes os pitagóricos se ocupavam dos inteiros perfeitos , ou números que são iguais à soma de seus divisores próprios. Exemplos de números perfeitos são

6 = 1 + 2 + 3/td>
28 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7
496 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + … + 31
8128 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + … + 127.

Se a soma dos divisores de um número inteiro n é maior que o próprio n então ele é dito um número abundante, enquanto se esta soma é menor o número é chamado de deficiente. 12 é abundante pois seus divisores são 1, 2, 3, 4 e 6 cuja soma é 16, enquanto 10 é deficiente. Na tentativa de entender o significado mais profundo dos números perfeitos Pitágoras e seus alunos descobriram que as potências de dois, \(2^n\), são sempre ligeiramente insuficientes (a soma de seus divisores é sempre igual ao número menos um):

Número Divisores Soma
22=4 1, 2 3
23=8 1, 2, 4 7
24=16 1, 2, 4, 8 15
25=32 1, 2, 4, 8, 16 31

Euclides mostrou em Os Elementos, nono livro, que, se \(2^n-1\) é um primo então \((2^n – 1) 2^(n-1)\) é um número perfeito. Os pitagóricos também descobriram a existência dos números amigáveis. Dois números são amigáveis se cada um deles é a soma dos divisores próprios do outro. Por exemplo, 284 e 220 são amigáveis:

Número Divisores Próprios Soma
284 1, 2, 4, 71, 142 220
220 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55, 110 284

 

(14) Um novo par de amigáveis (17296 e 18416) foi encontrado por Fermat, em 1636. Mais tarde se descobriu que o par já havia sido encontrado pelo árabe al-Banna no século XIII. Descartes e Euler retomaram este estudo fornecendo listas como diversos pares. Curiosamente o par (1184 e 1210) passou desapercebido até 1866, quando foi descoberto pelo adolescente italiano Nicolo Paganini (não o músico, de mesmo nome).

Acreditava-se, pelo menos em períodos posteriores, que dois indivíduos que usassem estes números gravados em um talismã teriam sua amizade fortalecida(14).
Os números figurados usados pelos pitagóricos são vistos como um primeiro elo de ligação entre a aritmética e a geometria. Eles tinham apreço pelos números triangulares e os quadrados, entre outros, e os utilizam em suas especulações filosóficas e demonstrações matemáticas.

Figura 4: Números Pitagóricos
Figura 5

Pode-se obter geometricamente, por exemplo, que todo o número quadrado é a soma de dois triangulares sucessivos, como mostrado na figura 5 ao lado para o caso de 52.
Muitos aspectos da teoria dos números nunca foram esclarecidos pelos pitagóricos ou mesmo por matemáticos de períodos posteriores. Como exemplo, embora existam infinitos números ligeiramente deficientes não se pode encontrar, até o presente, números ligeiramente excessivos, números cuja soma de seus divisores é sempre igual ao número mais um. Também não se mostrou que tais números não existem sendo que esta demonstração permanece como um problema em aberto na atualidade!

Como essência das coisas e sendo o número constituído da soma de pares e ímpares, todas as demais entidades da natureza deveriam encerrar em si tal oposição. O oposto na natureza poderia ser explicado pelo oposto nos números. O caráter dualista das coisas era compreendido e superado pela tese de que todas as antíteses observadas no universo cedem lugar a uma grande unidade harmônica, seu princípio fundamental, da mesma forma que os números pares e ímpares, antitéticos, se derivam da “unidade” primitiva. Nesse sentido todas as coisas são vistas como o ordenamento de átomos ou pequenas partículas ordenadas sob leis numéricas.

As maiores descobertas de Pitágoras e de seu grupo se encontram no domínio da geometria, especialmente nas relações entre os lados de um triângulo retângulo. O assim chamado teorema de Pitágoras era conhecido e utilizado na Mesopotâmia e no Egito para alguns casos particulares. Os gregos, no entanto, o generalizaram e apresentaram a sua prova. Não há unanimidade sobre qual demonstração teria sido feita por Pitágoras, mas muitos historiadores consideram que foi a seguinte: denotando por \(a, b\) e \(c\) os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo dividimos de duas formas diferentes um quadrado de lado \(a + b\) como representado na figura 5.

Figura 5: Teorema de Pitágoras

O primeiro está dividido em seis partes e sua área é \(a^2 + b^2 + 2ab\). O segundo tem a área de quatro triângulos em cinza e do quadrado central de lado \(c\), sendo portanto \(2ab+c^2\).
Identificando as áreas obtidas temos
$$c^2 = a^2 + b^2$$.
Observamos que, para a realização desta demonstração, é necessário o conhecimento de alguns princípios básicos de geometria, tais como o de que a soma dos ângulos internos de um triângulo retângulo é igual a dois ângulos retos além de propriedades sobre retas paralelas. A descoberta destas propriedades é também atribuída aos pitagóricos, sendo que bem mais tarde elas foram listadas por Euclides em Os Elementos.

(15) Nenhuma das duas fórmulas fornece todos os ternos pitagóricos.

Ligado ao problema do triângulo retângulo está o de se encontrar os ternos pitagóricos \(a, b, c\) satisfazendo \(c^2 = a^2 + b^2\). A seguinte fórmula é atribuída aos pitagóricos:

$$m^2 + \left( \frac{m^2-1}{2}\right)^2 = \left(\frac{m^2+1}{2}\right)^2$$

onde os três termos são inteiros para \(m\) ímpar, constituindo um terno pitagórico. Acredita-se que Platão aperfeiçoou esta fórmula (15) para
$$(2m)^2+(m^2−1)^2=(m^2+1)^2,$$
que fornece ternos pitagóricos para qualquer inteiro \(m\).

Em sua exploração da natureza dos números os pitagóricos terminaram por contradizer uma de suas próprias teses. O teorema de Pitágoras mostra que um triângulo retângulo com dois lados iguais a um tem hipotenusa com comprimento igual a \(\sqrt 2\), um número que não pode ser colocado sob forma de uma razão ou quociente, sendo portanto um irracional. Platão atribui a Teodoro de Cirene a descoberta posterior de diversos outros irracionais, tais como \(\sqrt 3\),\(\sqrt 5\) e \(\sqrt 6\). A aceitação destes números foi um processo lento e difícil. Por algum tempo se tentou manter em sigilo a descoberta da incomensurabilidade ou seja, de números que não podem ser expressos como razões. Existem relatos de que um membro da comunidade teria sido morto ou banido por ter revelado o segredo a fora do círculo. Mais tarde, a busca pela quadratura do círculo, a construção de um quadrado com a mesma área que um círculo de raio dado, levou à descoberta de outro irracional, o número \(\pi\). A solução do problema foi encontrada por Eudoxo, um contemporâneo de Platão, aluno de Arquitas que, por sua vez, foi um dos pitagóricos. Ele generalizou a teoria das proporções para incluir os números irracionais, afirmando que
$$\frac{a}{b} = \frac{r}{s} \to as= br$$
mesmo que qualquer dos números envolvidos seja um irracional. Sabemos hoje que um irracional pode ser obtido como uma soma infinita de termos racionais. Mas os pitagóricos, e os gregos em geral, não conheciam o conceito de infinito ou de quantidades infinitesimalmente pequenas. Tais habilidades somente foram adquiridas com o desenvolvimento da definição de limites, no século XIX.

Acredita-se que uma demonstração da irracionalidade de \(\sqrt 2\), que já era conhecida na época de Aristóteles, foi produzido por um pitagórico. Ela consiste em supor que \(\sqrt 2 = \frac{a}{b}\), \(a\) e \(b\) são primos entre entre si. (Se não fossem a fração poderia ser simplificada dividindo-se ambos os números pelo fator comum.) Então
$$a = 2\sqrt b \to a^2=2b^2.$$
Sendo \(a^2\) o dobro de um inteiro ele deve ser par de onde se conclui que \(a\) é par. Escrevemos \(a=2c\) e a última equação se torna
$$4c^2=2b^2\to2c^2=b^2.$$
Dai se observa que \(b^2\) é par e, portanto, \(b\) é par. Esta é uma contradição visto que a fração \(\frac{a}{b}\) foi suposta irredutível. Como conclusão \(\sqrt 2\) não pode ser um racional.

Os pitagóricos, observando a relação entre notas musicais e o comprimento das cordas do tetracórdio, uma lira de quatro cordas usada na época, sugeriram que a mesma harmonia deveria existir em todo o universo. Por exemplo, uma corda que ressoa com a nota , se presa pela metade, vibra em um dó mais agudo, uma oitava acima. Derivam dai os termos “funções harmônicas” e “progressão harmônica”, usados até hoje na matemática. O corpo humano com saúde, por exemplo, é uma harmonia que, quando rompida, deve ser restabelecida pela medicina.

A observação dos astros sugeriu a idéia de que o universo é, em grande escala, dominado pela ordem. Eles acreditavam, assim como o fizeram pensadores até o Renascimento, que os objetos celestes eram perfeitos e divinos. A sucessão de dias e noites, o alternar das estações e o movimento circular e perfeito das estrelas sugeriam esta conclusão. Por isto o mundo era o Kósmos, termo que implica em ordem, perfeição e beleza, em oposição ao Caos o falta de diferenciação ou estrutura original de onde o universo teria brotado. A cosmologia pitagórica ensinava que a Terra, juntamente com o Sol e as outras estrelas, gira em torno um fogo central. As distâncias entre os astros e o fogo central coincidem com intervalos musicais e o comprimento das cordas de um instrumento e, portanto, o universo ressoa como uma harmonia celeste(16) . Há referências de que autores pitagóricos afirmavam que a Terra é esférica e gira sobre seu eixo.

(16) Dai surgiu a expressão “harmonia das esferas”.
(17) A palavra física vem do grego physis, natureza.
(18) Alguns textos relatam que Pitágoras teria sido morto durante o ataque.

O conceito de que os números estão por trás de tudo e que as equações podem explicar o comportamento da natureza é a contribuição básica dos pitagóricos para a matemática e a ciência moderna em geral. Sem esta crença os pensadores nunca se lançariam à procura de novos modelos e novas ferramentas para a descrição da multiplicidade dos objetos observados no mundo. A matemática é hoje vista como uma linguagem para a construção de modelos de precisão na maior parte da ciência contemporânea, em particular para a física(17).

A irmandade pitagórica foi desfeita por uma conspiração que, segundo alguns relatos, foi iniciada por um candidato que teve seu pedido de ingresso na escola de Crotona recusado. Houve na época uma revolta na cidade vizinha de Síbaris forçando muitos de seus habitantes a se refugiarem em Crotona, o que levou a um ataque ao grupo. Milos conseguiu derrotar os invasores mas a discussão sobre o espólio de guerra e a desconfiança dos cidadãos de Crotona não membros, que temiam que as riquezas fossem todas destinadas a Pitágoras, os levou a invadir e destruir a comunidade. Alguns discípulos emigraram e o próprio Pitágoras foi desterrado(18) para Metaponto, onde morreu por volta do ano 500 a.C.. A escola e irmandade continuou a existir e a influenciar o pensamento da época por mais dois séculos, pelo menos.

Parmênides de Eléia (séc. VI a.C.)

Parmênides nasceu em Eléia, onde se acredita que fundou uma escola semelhante aos institutos pitagóricos para o ensino da dialética. Sua única obra conhecida é um longo poema filosófico em duas partes e 150 versos, chamado Da natureza ou Sobre a verdade, do qual só restam fragmentos. Parmênides defendia que só era real o que pudesse ser compreendido pela razão, inaugurando assim o pensamento metafísico mais tarde sistematizado por Platão, que entende como ilusório o mundo dos sentidos.

Como outros pensadores pré-socráticos ele enfrentou a questão central da busca de arké, um princípio subjacente a todas as coisas, e a determinação de como este princípio único dava origem à realidade do mundo físico, com sua multiplicidade de seres e objetos em constante mutação. Para Parmênides só existe a Unidade, o ser, que ele identifica com o pensamento, pois só se pode pensar sobre o que existe. Esse ser é eterno, imóvel, imutável, homogêneo e esférico, no sentido de que é fechado em si mesmo. Como o Ser não pode se alterar então o aparente movimento das coisas não passa de um engano dos sentidos. Nesse aspecto ele se opunha a Heráclito para quem a mudança era o princípio fundamental da realidade.

Zenão de Eléia (490 a.C. – 425 a.C.)

Zenão foi discípulo de Parmênides e com ele aprendeu a doutrina monista de que todas as coisas que parecem existir são apenas aspectos do Ser único e eterno no qual a modificação e o não ser são impossíveis. Nenhum de seus textos foi preservado e o que dele se sabe foi extraído de relatos de filósofos posteriores, em particular de Platão. Segundo a narrativa de Proclo ele descreve quarenta paradoxos que questionam a crença na continuidade e divisibilidade do espaço. Estes paradoxos tiveram forte influência na evolução posterior do pensamento matemático.

A argumentação de Zenão sob forma de paradoxos estava destinada a atacar a concepção de que o mundo contém mais do que uma única coisa. Ele argumentava que se alguma magnitude pode ser dividida então ela pode ser dividida infinitas vezes, enquanto que algo sem magnitude não pode existir. Nas palavras de Simplício, o último diretor da escola platônica, (sec. VI d.C.),

“[… algo sem magnitude], se acrescentado a alguma coisa não o tornará maior, se subtraído não o tornará menor. … Fica claro neste caso que o que foi acrescentado ou subtraído não é coisa alguma!”

Embora estes argumentos possam parecer pouco convincentes para a mente moderna, eles estimularam o aperfeiçoamento dos conceitos defendidos por aqueles que não acreditavam no Unitarismo de Parmênides.

Zenão se referia a paradoxos referentes ao movimento: “Nenhum movimento é possível, pois o que se move deve primeiro alcançar a metade do caminho antes de alcançar seu destino”. Repetindo o mesmo processo infinitas vezes ele concluía pela impossibilidade de um deslocamento, pois o objeto teria que executar infinitas operações em um intervalo finito de tempo. O paradoxo de Aquiles e a tartaruga contém um conteúdo similar: o corredor veloz nunca poderia alcançar a tartaruga que tivesse partido em sua frente pois, quando Aquiles atinge o ponto de partida da tartaruga esta já teria se deslocado para frente, e assim sucessivamente.

A solução de Zenão para o paradoxo se baseava na crença da Unidade Indivisível onde o movimento não era possível porque não havia partes separadas do espaço de onde e para onde um objeto pudesse viajar. Uma resposta histórica para este problema se deu na criação da teoria atômica, que sustentava que a matéria era constituída por blocos indivisíveis. Neste caso ela poderia ser dividida, mas não infinitamente.

Portanto os paradoxos foram importantes para impulsionar as noções de limite e do cálculo diferencial. Alguns autores sustentam que Zenão dirigia seus ataques particularmente aos pensadores de seu tempo que cogitavam no uso de quantidades infinitesimais. O conceito dos incomensuráveis de Anaxágoras e dos seguidores de Pitágoras também eram um alvo destas críticas.

Acredita-se hoje que os filósofos gregos posteriores a Zenão não perceberam plenamente a importância e o significado dos desafios por ele propostos. Muitos o julgaram um mero malabarista de conceitos e um manipulador de sofismas. No entanto sua contribuição é hoje plenamente reconhecida e a completa solução de seus paradoxos somente se deu muito recentemente, no século XIX, com o aprimoramento do conceito de limite.

Zenão também apresentou um sistema cosmológico onde o universo era descrito como composto por vários “mundos” feitos de calor, frio, umidade e secura, mas sem admitir em qualquer região o espaço vazio. Esta parece ser uma crença comum em torno do século V a.C. entre membros da escola Eleática e não há consenso de que tenha sido realmente proposta por Zenão.

Anaxágoras (c.500-c.428 a.C.)

Nascido em Clazômenas por volta do ano 500 a.C. Anaxágoras foi um dos responsáveis pela introdução em Atenas das concepções desenvolvidas pelos pensadores das colônias. Ele era a figura principal do grupo de intelectuais reunidos em torno de Péricles, o governante que promoveu a democracia estimulando a busca do conhecimento. Poucos fragmentos sobraram de sua obra e muita controvérsia existe sobre sua real contribuição. Juntamente com os filósofos de Mileto ele sustentava que a experiência dos orgãos dos sentidos coloca o ser humano em contato com uma realidade impermanente, cuja constituição última ele buscava encontrar.

Anaxágoras ensinava que “nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão”. A pluralidade de seres no mundo real é apenas o produto de ordenações e reordenações sucessivas dos princípios básicos existentes. Nada pode chegar a ser aquilo que não é ou deixar de ser o que é. Ele defendeu a idéia de que existe um princípio ordenador junto à matéria, um nous ou “inteligência”, como causa do movimento e por isso foi chamado de o primeiro dualista. Na descrição de Platão, Anaxágoras recorria a essa tese para explicar a origem do movimento no universo, sem o qual o universo ficaria abandonado a forças mecânicas. As opiniões científicas de Anaxágoras terminaram por se chocar com as concepções religiosas da época, o que lhe custou um julgamento por ateísmo. Graças à ajuda de Péricles ele conseguiu se refugiar em Lâmpsaco, onde morreu por volta de 428 a.C..

O conceito de Nous ou inteligência por trás da matéria representa um passo importante para a criação de um ambiente propício para o surgimento do pensamento científico. Primeiro, o universo deve ser ordenado o suficiente para que possa ser alvo de investigação. Segundo é necessário que a inteligência tenha instrumentos de captação da realidade compatíveis com o que ocorre no mundo objetivo, caso contrário não teria como estabelecer com ele qualquer relação.

Anaximandro de Mileto (610- c.546 a.C.)

Anaximandro de Mileto é considerado o fundador da astronomia e o primeiro pensador a desenvolver uma cosmologia, ou visão filosófica sistemática do mundo. Nascido em Mileto no ano 610 a.C., foi discípulo de Tales, o fundador da chamada “escola de Mileto”. Ele teria escrito tratados sobre geografia, astronomia e cosmologia que permaneceram como fonte de inspiração para outros filósofos por vários séculos. Racionalista que prezava a simetria, ele utilizou as proporções geométricas e matemáticas na tentativa de mapear o céu, abrindo o caminho para os astrônomos posteriores.

Em sua teoria o mundo era derivado de uma substância imponderável, denominada apeiron (o ilimitado), matéria eterna e indestrutível, anterior à “separação” dos contrários, como quente e frio, seco e úmido. Ela representava a unidade primordial por trás da aparente diversidade dos fenômenos. Todos os elementos antagônicos estavam contidos no apeiron, que não tinha princípio nem fim.

A ele se atribui a descoberta de que a eclíptica é oblíqua ou seja, de que o eixo de rotação da Terra não é exatamente perpendicular ao plano da órbita em torno do Sol, sendo que a maioria dos planetas estão aproximadamente neste mesmo plano. Além disto ele inventou o quadrante solar e idealizou os primeiros mapas geográficos. Uma de suas afirmações era de que a Terra permanecia em repouso no centro do universo porque não tinha motivo para se mover em nenhuma direção. Com suas hipóteses sobre a transformação de espécies inferiores em superiores ele antecipou o conceito de evolução de Darwin.

Anaxímenes de Mileto (séc. VI a.C.)

Juntamente com Tales e Anaximandro, Anaxímenes formou o trio de pensadores tradicionalmente considerados os primeiros filósofos do mundo ocidental. De seus tratados só subsistiram citações em obras de autores subseqüentes, daí os conflitos na interpretação de suas idéias.

Ele ensinava que o ar era o elemento primordial, base de todas as coisas que dele resultavam e a ele retornavam, por um duplo movimento de condensação e rarefação. Os graus de condensação correspondiam às densidades de diversos tipos de matéria. Quando distribuído mais uniformemente era o ar atmosférico invisível. Por condensação se tornava visível, a princípio como névoa ou nuvem, em seguida como água e depois como matéria sólida – terra e pedras. Em sua fase mais rarefeita se transformava no fogo. Bom observador, ele afirmou que o arco-íris não era uma deusa, mas o efeito dos raios de sol sobre um ar mais denso.

Heráclito de Éfeso (c.540-c.480 a.C.).

Considerado o último dos grandes pensadores da Escola Jônica Heráclito era filho de aristocratas. Os modernos historiadores do pensamento grego costumam tratar Heráclito como o primeiro filósofo a propor uma visão dialética do mundo. No século XIX, Hegel o apontou como um precursor de suas próprias concepções. Heráclito ridicularizava os cultos e ritos de seu povo e, por ter um estilo de difícil compreensão, foi chamado de “o obscuro”. Da obra que lhe é atribuída, restam apenas alguns fragmentos do livro Peri physeos (Da natureza), que se dividiria em três partes: o universo, a política e a teologia.

As histórias da filosofia apresentam Heráclito como um pensador de posições opostas às de Parmênides. Se este era o filósofo do ser, Heráclito era o do vir-a-ser, do devir. Para ele, tudo está em contínuo movimento, tudo flui. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, porque tanto o rio quanto a pessoa mudam incessantemente.

Heráclito considerava como substância única, ou arkhé, o fogo, definido como mobilidade e inquietação. O próprio ar transforma-se em outros elementos e estes, em mudanças sucessivas, chegam ao fogo. Tais mudanças, porém, não se fazem ao acaso. A marcha e a ordem dos acontecimentos são guiadas pelo logos, essência racional do Universo, expressa pelo fogo. Do ponto de vista ético, a virtude consiste na subordinação do indivíduo a essa razão universal. O mal, segundo Heráclito, está em que muitos querem viver como se fossem seu próprio logos, isto é, o centro dos acontecimentos. Heráclito morreu em Éfeso por volta de 480 a.C..

A Idade Heróica da Filosofia

Com a importação das idéias filosóficas vindas das colônias e o fortalecimento do regime democrático impulsionado pela administração de Péricles, a civilização helênica, principalmente em Atenas, viveu uma época de esplendor e efervescência cultural. Entre as reformas implantadas pelo regime democrático figurava a criação do tribunal popular dos heliastas, cidadãos que se reuniam ao ar livre para deliberar sobre assuntos da cidade.

No governo de Péricles, Atenas entrou em uma fase expansionista, monopolizando o comércio marítimo e tiranizando seus aliados da confederação de Delos. Essa política levou a um longo conflito armado com Esparta, conhecido como guerra do Peloponeso. Também neste período a peste dizimou grande parte da população ateniense. Outra fonte de conflitos foi o fato de que apenas os cidadãos de Atenas, menos de dez por cento da população, tinha total direito à cidadania. Os demais habitantes eram estrangeiros, os filhos destes e os escravos e estava excluída da maioria dos benefícios destinados ao cidadão. Neste período, embora curto, floresceu a mais importante escola de pensamento da antiguidade e surgiram os três maiores pensadores da Grécia Antiga, Sócrates (c.470-c.399 a.C.), Platão (c.428-c.348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), os responsáveis pelo estabelecimento dos fundamentos filosóficos da cultura ocidental.

Sócrates (c.470-c.399 a.C.)

Sócrates nasceu em Atenas por volta do ano 470 a.C.. Como não deixou obras escritas, tudo o que se sabe de sua vida e de suas idéias é o que relatam principalmente autores como Platão e Xenofonte. Sócrates gozava de muita popularidade em Atenas e vivia cercado de seus jovens discípulos, embora seus ensinamentos também lhe valessem grande número de inimigos. Passava a maior parte do tempo ensinando em lugares públicos, como praças, mercados e ginásios, mas ao contrário dos filósofos profissionais – os sofistas, que combatia com vigor – não cobrava por suas lições.

Se os filósofos anteriores buscavam obsessivamente uma explicação para o mundo natural, para Sócrates a especulação filosófica deveria se voltar para assunto mais urgente: o ser humano e os temas a ele concernentes, como a ética e a política. Sócrates dizia que a filosofia não era possível enquanto o indivíduo não se voltasse para si próprio e reconhecesse suas limitações. “Conhece-te a ti mesmo” era seu lema. Conta-se que Sócrates, quando jovem, foi visitar o Oráculo de Delfos que o teria apontado como o mais sábio de todos os homens. Sócrates reagiu afirmando “Só sei que nada sei” e, a partir daí, passou a entrevistar as pessoas supostamente sábias para encontrar alguém que fosse mais sábio que ele. Assim, ele se voltava para as pessoas e os interrogava a respeito de assuntos que eles julgavam saber. Seu senso de humor confundia os interlocutores que acabavam confessando sua ignorância, da qual Sócrates extraía sabedoria. Com isto ele desenvolveu um método de argumentação, ensino e pensamento através do qual se pode extrair da pessoa que ouve um entendimento que, a princípio, ela já possui.

O exemplo clássico da aplicação do método socrático está relatado no diálogo platônico intitulado Mênon, no qual Sócrates leva um escravo ignorante a descobrir e formular vários teoremas de geometria. A indução, finalmente, consiste na apreensão da essência (do universal que se acha contido no particular), na determinação conceitual e na definição. A teoria socrática das essências preparou a teoria platônica das idéias.

Sócrates lançou as bases do racionalismo idealista, desenvolvido mais tarde por Platão. O método e as intenções de Sócrates constituíram o início da reação helênica contra o relativismo defendido pelos sofistas, que havia levado o pensamento filosófico à ruína. Diante do crescente individualismo e da crise de valores que ameaçavam a democracia ateniense, depois do declínio do culto às divindades gregas, questões sobre a melhor forma de governo e a moral individual tornaram-se prementes. Entretanto, a resposta de Sócrates, que pregava um sistema moral absolutamente alheio às doutrinas religiosas e admitia a aristocracia – governo dos melhores – como a forma desejável de administração do estado, fez com que se indispusesse com as autoridades conservadoras, o que lhe custou a vida.

No ano de 399 a.C. Sócrates foi acusado de corromper a juventude e desdenhar o culto aos deuses tradicionais. O processo foi montado de modo a forçar o pensador a contrariar suas idéias e a retratar-se. A maioria dos comentadores concorda que ele teria sido poupado se não se mostrasse tão inflexível. Sócrates manteve diante do tribunal a mesma postura irônica de sempre, o que aumentou a irritação dos juízes. O tribunal perguntou ao réu que pena ele considerava justa para si próprio. Sócrates respondeu que, tendo prestado tantos serviços à cidade, achava justo receber uma pensão vitalícia do estado. Além disso, declarou que não aceitaria o degredo. Foi o bastante para que o tribunal o condenasse à morte. Como sentença ele foi obrigado a beber uma taça de cicuta, um veneno mortal. Na prisão continuou a receber amigos e discípulos para debater assuntos como a morte e a imortalidade da alma.

Sócrates não foi particularmente devotado à matemática ou à ciência, estando sempre mais voltado para as questões éticas e do autoconhecimento. No entanto sua postura inquiridora impulsionou seus discípulos, especialmente Platão, a continuar o avanço do entendimento sobre o ser humano e seu contato com o universo.

Platão (c.428-c.348 a.C.)

Platão nasceu em Atenas por volta do ano 428 a.C. e, aos 18 anos, conheceu Sócrates, que foi seu mestre até ser condenado à morte. Após a morte do mestre Platão peregrinou por diversas partes da Grécia, tendo estado em contato com os pitagóricos de Siracusa, no sul da Itália.

De volta a Atenas fundou a Academia, uma escola destinada à investigação filosófica, e a dirigiu pelo resto da vida. Em sua Academia o conhecimento da matemática era amplamente estimulado, especialmente da geometria. A obra de Platão foi escrita sob a forma de diálogos e, diferente do que ocorreu com a maioria de seus antecessores, seus textos foram conservados na totalidade. Em linha geral eles se dividem da seguinte forma:

  1. Diálogos socráticos ou de juventude, nos quais a figura e a doutrina de Sócrates ocupam lugar de destaque: Apologia de Sócrates, Protágoras, Trasímaco, Críton, Íon, Laques, Lísis, Cármide, Eutífron e os dois Hípias.
  2. Diálogos construtivos ou da maturidade: Górgias, Ménon, Eutidemo, Crátilo, Menéxeno (nem sempre aceito como de autoria de Platão), O banquete, A república, Fédon e Fedro. Nos quatro últimos, a teoria das idéias aparece exposta em sua forma mais característica.
  3. Diálogos tardios, grupo que, iniciado com Teeteto, inclui os escritos elaborados durante a velhice de Platão e nos quais ele faz a revisão crítica da teoria das idéias: Parmênides, Sofista, Filebo, Político, Timeu, Crítias e as leis.

A filosofia de Platão está centrada sobre um propósito principal: o conhecimento das verdades essenciais que determinam a realidade – a ciência do universal e do necessário – para poder estabelecer os princípios éticos que devem nortear a realidade social, em busca da concórdia numa sociedade em crise. Como primeiro passo para sua metafísica, Platão considerou necessário elaborar uma teoria do conhecimento. Uma vez que os sentidos nos revelam as coisas como múltiplas e mutáveis, ao passo que a inteligência nos revela sua unidade e permanência, procurou uma solução que conciliasse o testemunho dos sentidos e as exigências do conhecimento intelectual. Baseou-se nos conceitos matemáticos e nas noções éticas para demonstrar que existe uma essência real e eterna das coisas. Como argumento ele usou a possibilidade de pensar em figuras geométricas puras, que não existem no mundo físico. Em seguida ele concluiu pela existência de um mundo de essências imutáveis e perfeitas, o mundo arquetípico, constituído pela realidade inteligível (os objetos do conhecimento científico ou epistemológico). O mundo sensível, o objeto da opinião, copia de forma imperfeita as leis deste mundo arquetípico superior. O ser humano, por possuir corpo e alma, pertenceria ao mesmo tempo a esses dois mundos.

Segundo Platão a alma é anterior ao corpo, e antes de aprisionar-se nele, pertenceu ao mundo das idéias. Sua natureza é tríplice: no nível inferior está a alma das sensações, onde residem os desejos e as paixões; em seguida há a alma irascível, que impele à ação e ao valor; e acima delas está a alma racional, que pertence à ordem inteligível e permite ao homem recordar sua existência anterior (teoria da reminiscência) e ter acesso ao mundo das idéias mediante o cultivo da filosofia. A alma superior é imortal e retornará à esfera das idéias após a morte do corpo. A admiração teórica do bom, do belo e do verdadeiro é principal forma de retorno da psique (a alma) à sua glória anterior, perdida quando ela se envolve com a turbulência e a contingência da vida comum, mergulhada no mundo dos sentidos. A matemática, por ser uma descrição direta desta realidade considerada superior, tem papel de destaque no pensamento platônico.

Muito do ensinamento de Platão se refere á ética e a política, com aplicações à vida comunitária nas cidades e do relacionamento entre os cidadãos. Ele foi um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. Seu pensamento dominou a filosofia cristã antiga e medieval. Platão morreu em Atenas, em 348 ou 347 a.C.

Aristóteles

Aristóteles nasceu em Estagira, Macedônia, em 384 a.C. e durante vinte anos foi discípulo de Platão. Com a morte do mestre passou a ensinar suas próprias doutrinas, tendo sido instrutor de Alexandre, o Grande. Em 333 voltou a Atenas, onde fundou o Liceu. Durante 13 anos dedicou-se ao ensino e à elaboração de suas obras principais. Seu pensamento se caracterizou pelo rigor de sua metodologia, pela variedade dos temas considerados e pelo esforço em considerar todas as manifestações do conhecimento como ramos de um tronco comum.

Todas as obras de Aristóteles se perderam, exceto A Constituição de Atenas, descoberta em 1890. Os textos hoje disponíveis foram coletados de anotações feitas por alunos e conferências compiladas por discípulos e historiadores posteriores. Seus principais textos são dedicados á lógica, filosofia da natureza (Física), psicologia e antropologia, sobre a alma, zoologia, poética, ética, política e Metafísica.

No que se refere ao conhecimento científico Aristóteles contribuiu procurando buscou resolver o problema do conhecimento, da possibilidade do ser subjetivo conhecer algo a respeito do mundo objetivo, a natureza. No dualismo platônico o mundo da inteligência se encontra separado do das coisas sensíveis. O realismo de Aristóteles procura estabelecer a possibilidade do conhecimento através da experimentação, a verificação de como se comporta a physis, a natureza. Por este motivo vários historiadores o consideram o primeiro pesquisador científico, no sentido atual do termo.

Nos primeiros séculos da era cristã as considerações de Aristóteles sobre a lógica foram reunidas sob a denominação de Órganon – já que se considerava a lógica um instrumento da ciência, um órganon. Nesta obra ele estuda e classifica os diferentes modos de atribuição de um predicado a um sujeito e esboça a teoria do silogismo. Essa teoria busca demonstrar a correção formal do raciocínio, independentemente de sua verdade objetiva. Assim, se todo B é A e se todo C é B, então todo C é A. A primeira proposição é a maior; a segunda, a menor; e a última, a conclusão. Todo o saber, no entanto, depende de princípios indemonstráveis mas necessários a qualquer demonstração: os axiomas.

Em sua filosofia da natureza Aristóteles sustenta que a mudança nos seres não contraria o princípio de identidade ou unidade fundamental de todos as coisas, mas representa a atualização da potência nelas contidas previamente. A partir daí, o filósofo apóia sua física em duas teorias filosóficas: a da substância e do acidente, e a das quatro causas. A substância existe por si, é o elemento estável das coisas. O acidente é a variação e a mudança, motivada pelo que existe em potencial. Graças à união entre os dois princípios a substância se manifesta através dos acidentes, o ser e a atuação do ser.

O físico deve possuir um acurado espírito de observação. A natureza é autocriada, e o ser potencial que nela atua é o movimento que se manifesta como aumento e diminuição ou, na modificação espacial, como movimento. Sobre o movimento Aristóteles acreditava que o estado natural de um corpo era em repouso e que ele não poderia permanecer em movimento sem a ação constante de uma força. Paradoxalmente, embora tenha defendido a observação da natureza para consolidação de uma teoria não ocorreu a Aristóteles realizar experimentos para a verificação deste conceito, o que só foi feito muito mais tarde por Galileu Galilei.

Com a morte de Alexandre em 323 a.C. Aristóteles teve de fugir à perseguição dos democratas atenienses, refugiando-se na cidade de Cálcide, onde morreu em 322 a.C.

Evolução da Matemática

Enquanto os conhecimentos sobre o Egito e Mesopotâmia foram fortemente impulsionados pela descoberta de documentos arcaicos, tais como o papiro de Ahmés e a pedra da Rosetta, nenhum dos textos originais gregos foi preservado até o presente. A grande maioria das fontes originais foi destruída durante a Idade das Trevas, sob a motivação do fanatismo religioso e do obscurantismo. As referências hoje disponíveis sobre o pensamento grego provêm de manuscritos bizantinos, escritos em média mil anos após sua elaboração original, e as traduções árabes dos textos clássicos gregos e romanos. O estudo dos primeiros pensadores é particularmente difícil e muito do que se acredita a respeito destes sábios provém de lendas e relatos indiretos. A reconstrução da informação é difícil e incerta devido a diversos fatores. O ensinamento de algumas escolas do período mais antigo era considerado secreto e os discípulos eram impedidos, por meio de votos de silêncio, de divulgar livremente o que haviam aprendido, como era certamente o caso da escola pitagórica. Grande parte do ensinamento era oral e pouca coisa foi colocada por escrito como medida de segurança. Para confundir ainda mais o historiador havia o hábito de se atribuir autorias incorretas a alguns desenvolvimentos. Um exemplo disto era a prática comum de se atribuir ao mestre a realização de um de seus discípulos, ou ainda, que um pensador desconhecido atribuísse a um professor de renome a sua descoberta, buscando com isto valorizá-la.

(19) Cidadãos eram os homens, maiores de idade, que haviam servido o exército. Mulheres e escravos não partilhavam destas vantagens.
(20) A crença na razão é necessariamente uma crença no poder unificador na mente. Deve ser possível explicar a grande variedade de fenômenos observados no mundo externo por meio de um número finito, de preferência um número pequeno de modelos, de teorias ou conceitos.

O estudo da história indica que o contato grego, ocorrido a partir do século VI a.C. com os persas, na Jônia, permitiu a transmissão das idéias científicas e tecnológicas acumuladas pelas civilizações mais antigas do Oriente Médio e, provavelmente, do Extremo Oriente. Este conhecimento se somou à cultura e tecnologia já trazidas pelos primeiros invasores do norte. Impulsionados por sua curiosidade, por uma atitude racionalista e a crença na capacidade do ser humano de entender o mundo e a si próprio, os gregos revolucionaram o pensamento científico e matemático. A relativa estabilidade política contribuiu para o fortalecimento das liberdades individuais do cidadão(19) e favoreceram o rompimento com a tradição arcaica transmitida pelo mito e pela religião, criando o terreno propício para a evolução das artes, da filosofia e das ciências, entre elas a matemática. A mentalidade grega abrigava a crença na racionalidade(20) humana, na capacidade de se compreender o mundo e a si próprio. De inspiração mais filosófica e menos pragmática a matemática adquiriu na Grécia seu caráter de ciência abstrata com bases e metodologia de desenvolvimento bem fundamentadas.

Com a invasão dos Dórios, em torno de 1200 a.C., muitos dos habitantes do continente fugiram para as ilhas jônicas e a costa da Ásia Menor, onde fundaram colônias. Nestas colônias se deu a formação da escola jônica onde floresceu a filosofia e a geometria demonstrativa. Com o crescimento do poderio militar persa e das invasões por eles efetuadas, muitos pensadores, como Pitágoras e Xenófanes, abandonaram sua terra natal e se transferiram para as colônias gregas no sul da Itália. Pitágoras deu início à escola em Crotona enquanto Xenófanes, Zenão e Parmênides lideraram a escola de Eléia. No séc. VI a.C., principalmente com as contribuições de Tales e Pitágoras, a matemática passou por uma profunda transformação adquirindo o espírito crítico e a liberdade da criatividade e assumindo muitas das características que possui até o presente. Na nova abordagem se tornou importante o estabelecimento de definições precisas, a explicitação dos pressupostos ou axiomas e o uso do pensamento lógico-dedutivo para extrair as conseqüências possíveis e necessárias. A pesquisa matemática passou a ser feita através de uma formulação clara dos problemas a serem considerados e incluía uma distinção nítida entre uma conjectura e um teorema demonstrado.

A luta contra os persas, no entanto, teve grande duração. A cidade de Atenas, que havia se destacado pela evolução social, política e científica, liderou uma reação contra os invasores, consolidando sua hegemonia sobre as demais cidades-estados. Durante o regime de Péricles a cidade se tornou o centro cultural na Grécia, criando um ambiente que atraiu muitos matemáticos, entre eles Anaxágoras, o último membro eminente da escola jônica, Zenão e Parmenides, da escola eleática, e diversos pitagóricos. Este período de estabilidade durou até o início da guerra do Peloponeso, travada entre Atenas e Esparta, iniciada em 431 a.C. e finalizada em 404 a.C., com a vitória de Esparta, uma cidade voltada para o militarismo e pouco dedicada ao pensamento científico. Esparta manteve o poder até 371 a.C. quando foi derrotada por uma liga de cidades rebeldes. Durante o período de conflitos mais acirrados poucas contribuições para o avanço da matemática são registrados.

Terminada a guerra do Peloponeso Atenas retomou sua liderança intelectual. Ali nasceu Platão em 427 a.C., ano em que uma grande peste se abateu sobre a região. Ele foi discípulo de Sócrates e depois saiu em viagem pelo mundo buscando aprender o conhecimento existente. De volta à Atenas fundou a Academia, uma instituição devotada à investigação científica e filosófica. As grandes contribuições à matemática feitas na Academia, no séc. IV a.C., são atribuídas a outros membros da escola que é considerada, por isto, o elo de ligação entre os pitagóricos e a escola mais moderna de Alexandria. A importância de Platão, neste caso, se deve à sua defesa enfática de que a matemática é o treinamento mais refinado para o espírito, uma condição necessária para o estabelecimento da verdadeira filosofia e para a formação dos líderes e governantes. Que aqui não entre quem não sabe geometria, era o lema afixado à entrada da Academia.

Diversos alunos da escola platônica se dedicaram à matemática e a difundiram pelo mundo grego, fundando novas escolas no continente ao nas colônias. Eudoxo fundou uma escola na Ásia Menor e teve como discípulo Menaecmo, o descobridor das seções cônicas. A Teeteto se atribui grande parte do conteúdo mais tarde exposto nos Elementos, de Euclides. Outro aluno de Platão com importantes contribuições para a filosofia e a ciência foi Aristóteles. Embora não fosse propriamente um matemático ele sistematizou o sistema de lógica dedutiva e deixou vários textos sobre física e outras áreas diversas da filosofia.

Durante primeiro período de 300 anos da matemática grega, contando a partir de Tales de Mileto, três linhas de desenvolvimento se destacaram: a geometria iniciada pelos pitagóricos e que culminou nos trabalho de Euclides, a geometria superior, voltada para o tratamento de curvas além da reta e da circunferência e o tratamento dos processos infinitesimais, das quantidades infinitas e das somas infinitas. Os paradoxos de Zenão e os métodos de exaustão de Antífon e Eudoxo são representantes deste último tópico. Grande parte da evolução destes conceitos surgiu da tentativa de se resolver os três grandes problemas, fazendo uso apenas de régua e compasso:

  1. A duplicação do volume do cubo. Conta-se que durante a peste uma consulta foi feita ao oráculo de Delfos sobre o que deveria se fazer para sanear as cidades. O oráculo teria respondido que seria necessário duplicar o volume do altar dedicado a Apolo. Duplicando-se uma das arestas, o que foi tentado sem sucesso, o volume seria multiplicado por 23.
  2. A triseccção do ângulo. O problema consistia em dividir um ângulo arbitrário em três partes iguais.
  3. A quadratura do círculo. Como construir um quadrado com área igual à área do círculo dado e equivale a se encontrar a área do círculo.

Nenhum dos três problemas, como se mostrou no século XIX, pode ser resolvido através do uso de régua e compasso exclusivamente. Cabe, no entanto, notar que os instrumentos régua e compasso mencionados não são como os instrumentos modernos. A régua permite traçar retas de comprimento qualquer ligando dois pontos, mas não tem escala ou graduação. O compasso não pode ser usado para transferir comprimentos, mas apenas construir círculos de raio qualquer a partir de qualquer centro. Com réguas graduadas ou com transferências de comprimentos (o que permitiria a construção de uma escala) seria possível, por exemplo, trisseccionar o ângulo. A busca de solução para os três problemas levou ao desenvolvimento de teorias tais como as das seções cônicas, curvas cúbicas e quárticas e diversas curvas transcendentes. A teoria das equações, dos números algébricos e a teoria de grupos são evoluções posteriores destas linhas de investigação.

Alexandria

Em torno do ano de 350 a.C. o centro cultural da Grécia se transferiu de Atenas para Alexandria, uma cidade no Egito construída por Alexandre o Grande. Em Alexandria foram construídas escolas importantes e bibliotecas que abrigavam pensadores de diferentes origens e correntes de pensamento convivendo sob um regime de liberdade e ecletismo cultural. Ali viveram grandes matemáticos, como Euclides, que escreveu os Elementos em torno de 300 a.C.. Este livro continha uma grande compilação do conhecimento acumulado na matemática nos períodos anteriores, contendo tratados sobre geometria e teoria dos números. A cidade permaneceu como centro cultural grego até o ataque dos muçulmanos em 700 d.C..

Após um período de notáveis descobertas em geometria e aritmética – em que se destacaram matemáticos como Hipócrates, Heron de Alexandria e Diofanto de Alexandria – Euclides, por volta de 300 a.C., realizou um exaustivo trabalho de compilação e interpretação das doutrinas matemáticas gregas nos Elementos, que permaneceu como texto influente até a modernidade européia. Foi na Grécia que a geometria se tornou uma ciência abstrata, com a feição dedutiva que hoje a caracteriza, e que surgiu pela primeira vez a preocupação de estabelecer relações entre as diferentes partes de uma figura como, por exemplo, os lados e ângulos de um triângulo.

Euclides

Euclides viveu em Alexandria por volta de 300 a.C., em pleno florescimento da cultura helenística, quando essa cidade era o centro do saber da época. Além da matemática, ele escreveu sobre ótica, astronomia e música. Entre os poucos dados de que se dispõe sobre sua vida sabe-se que ensinou matemática e fundou uma escola em Alexandria durante o reinado de Ptolomeu I. A essência de seu legado escrito, contudo, foi de tal magnitude que ele foi considerado o mais importante matemático da antiguidade. Depois da queda do Império Romano os livros de Euclides foram recuperados para a sociedade européia pelos estudiosos árabes da península ibérica. A primeira tradução direta do grego de que se tem notícia data de 1505. A partir de então, as edições da obra de Euclides se sucederam sem interrupção e os Elementos se tornaram um dos livros com maior número de publicações ao longo da história.

A obra era dividida em 13 livros, é um dos mais notáveis compêndios matemáticos de todos os tempos. Reúne o trabalho de seus predecessores, como Hipócrates e Eudóxio, sistematiza todo o conhecimento geométrico dos antigos e intercala os teoremas já conhecidos com a demonstração de muitos outros, que completam lacunas e dão coerência e encadeamento lógico ao sistema por ele criado. Os 13 livros que compõem Os Elementos contêm uma compilação da maior parte do conhecimento acumulado pelos gregos até aquele momento, incluindo a geometria elementar, geometria de polígonos e do círculo, a teoria dos números, a teoria dos incomensuráveis e medidas de áreas e volumes. A argumentação de Euclides foi tomada como um modelo de rigor lógico exibido nos tempos antigos, enquanto a estrutura de sua apresentação, feita sob a forma de definições, axiomas, postulados e teoremas é praticamente a mesma usada na matemática nos dias de hoje. Nos livros está ilustrada a prática grega de estabelecer provas matemáticas através da definição clara dos pressupostos iniciais e da argumentação lógica para se obter as conclusões desejadas.

Um traço característico do procedimento de Euclides é a formulação das proposições geométricas de forma universal e absoluta, acompanhadas das respectivas demonstrações, que nunca se revestem de caráter experimental. São sempre dedutivas, ou seja, se apóiam em premissas, e procuram chegar a conclusões necessárias do ponto de vista lógico. Euclides chamou de postulados as leis geométricas tomadas como premissas básicas e admitidas sem demonstração. Teoremas ou proposições são as leis demonstradas a partir dos postulados. Para construir seu sistema, Euclides recorreu ainda a princípios básicos que chamou axiomas, os quais diferem dos postulados pelo caráter mais geral que revestem.

Os cinco postulados de Euclides representam a base da geometria Euclidiana, mantida inalterada por muitos séculos. São eles:

  1. Uma reta pode ser traçada ligando dois pontos quaisquer.
  2. Qualquer segmento de reta pode ser prolongado indefinidamente.
  3. Um círculo de qualquer diâmetro pode ser desenhado com centro em qualquer ponto.
  4. Todos os ângulos retos são iguais entre si.
  5. Se uma reta intercepta duas retas formando ângulos interiores de um mesmo lado menores que dois retos, prolongando-se estas duas retas indefinidamente elas se encontrarão no lado em que os ângulos são menores que dois retos.

Mais tarde de mostrou que o quinto postulado é equivalente às afirmações: (a) a partir de um ponto fora de uma reta é possível construir uma única reta paralela à reta inicial; (b) a soma dos ângulos internos de um triângulo é de 180o.

Também foi mostrado que este último postulado é independente dos demais e que outras geometrias podem ser construídas através de seu relaxamento. Além disto, do ponto de vista do matemático moderno, é considerada impossível a tarefa a que Euclides se propôs, isto é, a de definir todos os termos de um sistema de forma autoconsistente. Entende-se que tal propósito conduziria a um círculo vicioso ou a uma regressão infinita. Assim, a elaboração de um sistema como o euclidiano envolveria duas decisões fundamentais: a primeira diz respeito aos termos primitivos, que devem possibilitar a definição de todos ou da maior parte dos demais, e a segunda se refere a quais são os axiomas ou postulados a serem escolhidos.

Foi Euclides, no entanto, quem estabeleceu as fundações que permaneceram inalteradas por mais de 24 séculos, seja por mérito de uma compilação bem organizada ou por desenvolvimento próprio. Tem sido amplamente aceito que Euclides foi um grande professor e compilador das idéias que apresentou, não sendo em geral o descobridor das teorias expostas. O espaço geométrico euclidiano, imutável e simétrico, perdurou como um paradigma fundamental da ciência moderna quase até o presente. Somente nos tempos modernos puderam ser construídos e compreendidos modelos de geometrias não-euclidianas.

Eratóstenes (c.276-c.194 a.C.)

O geógrafo e matemático grego Eratóstenes, um estudioso de ampla cultura, foi o primeiro a determinar o comprimento da circunferência terrestre e tratou, com maior ou menor profundidade, todas as ciências de seu tempo.

Eratóstenes nasceu em Cirene, na Grécia, por volta do ano 276 a.C., e estudou na cidade natal, em Alexandria e Atenas. De sua extensa produção intelectual sobressaem a medição do meridiano terrestre e o método prático de determinação dos números primos, conhecido como crivo de Eratóstenes. Para medir o meridiano terrestre, Eratóstenes baseou-se na observação da posição do Sol em Alexandria e Siena (hoje Assuã), situadas sobre o mesmo meridiano mas em latitudes diferentes. Sabendo que a distância entre as duas cidades era de cinco mil estádios egípcios, relacionou essa medida com as posições ocupadas pelo Sol, num mesmo instante, em cada uma delas e concluiu que equivalia a 1/50 do meridiano terrestre. Considerando os meios rudimentares de que dispunha, o erro foi muito pequeno.

O crivo de Eratóstenes, reproduzido em quase todos os tratados de matemática conhecidos desde a antiguidade, é o método que permite construir uma tabela de números primos tão extensa quanto se queira. Consiste em escrever a sucessão dos números inteiros a partir de 2 e depois eliminar, sucessivamente, os múltiplos de 2, 3, 5 etc. Eratóstenes morreu em Alexandria, por volta de 194 a.C.

Arquimedes

Arquimedes nasceu em Siracusa, na Sicília, em 287 a.C., no século posterior a Euclides, tendo sido contemporâneo de Apolônio de Perga. Estudos históricos indicam que ele estudou na juventude com os discípulos de Euclides, em Alexandria, uma vez que mostra conhecer os desenvolvimentos matemáticos ali ensinados além de conhecer pessoalmente os matemáticos que lá trabalhavam, trocando com eles correspondência técnica e pessoal. No prefácio de seu livro Sobre as Espirais ele relata que tinha o hábito de enviar para os amigos de Alexandria os seus últimos teoremas, sem enviar as respectivas demonstrações. Alguns destes matemáticos teriam alegado serem deles estes teoremas. Arquimedes conta que, em uma última ocasião, teria enviado dois resultados falsos entre outros “de forma que aqueles que alegam terem descoberto todas as coisas sem produzir as provas podem ser desmascarados pela pretensão de descobrir o impossível.”

As inúmeras referências feitas a Arquimedes em sua época não se devem a uma renovação do interesse na matemática, e sim porque ele inventou muitas máquinas, algumas delas usadas na guerra. Estas máquinas foram muito eficazes na defesa de Siracusa quando do ataque romano, em 212 a.C.. Um exemplo de máquina que ele inventou é o parafuso de Arquimedes, um tipo de bomba d’água ainda em uso em algumas partes do mundo. Outras de suas idéias consistem no uso das roldanas duplas e das alavancas. Segundo Plutarco, Arquimedes se gabava de que “dada uma força ele poderia mover um objeto de qualquer peso, e mesmo, se houvesse outra Terra, ele a poderia remover pelo mesmo procedimento”. O rei Heron, amigo e parente de Arquimedes, pediu para ver uma demonstração prática, o que ele fez movendo grandes pesos com máquinas pequenas.

Arquimedes, apesar do renome adquirido por meio de suas invenções mecânicas, acreditava que a matemática pura era o único objeto válido de pesquisa. Nas palavras de Plutarco ele utilizava métodos práticos para descobrir resultados geométricos, “colocando sua afeição e ambição na especulação mais pura onde não há lugar para as necessidades vulgares da vida”.

As conquistas de Arquimedes foram consideradas extraordinárias e muitos historiadores o tinham como o maior matemático de seu tempo. Ele aperfeiçoou um método de cálculo de áreas de superfícies e de volumes denominado método da exaustão, um aprimoramento das técnicas desenvolvidas antes por Eudoxo e Menaechmo, e precursor das técnicas de integração desenvolvidas mais tarde por Kepler, Cavalieri, Fermat, Newton e Leibniz. Para calcular áreas de figuras de formas arbitrárias eles usou o método de as dividir em fatias estreitas, para então calcular a área de cada fatia usando a técnica desenvolvida por Eudoxo e Menaechmo.

Muitos foram os temas da matemática e suas aplicações abordados por Arquimedes, e diversos de seus livros foram preservados, entre eles:

  1. Sobre a esfera e o cilindro, onde Arquimedes mostra que a área da superfície da esfera é 4 vezes a área de um disco de mesmo raio, calcula a área da superficie de qualquer calota esférica, mostra que o volume da esfera é \(\frac{2}{3}\) do volume de um cilindro circunscrito na esfera, incluindo suas bases. Ele também mostra como cortar uma esfera por um plano de forma que os volumes de cada parte satisfaçam uma razão dada.
  2. Sobre conóides e esferóides, um estudo sobre os volumes dos sólidos hoje chamados de elipsóides, parabolóides e hiperbolóides de revolução, e segmentos destas figuras.
  3. Sobre as espirais, onde Arquimedes define a espiral (hoje denominada espiral de Arquimedes) através da propriedade que relaciona a distância da curva até a origem e o ângulo de revolução, e calcula áreas de segmentos desta espiral ligados por secantes.
  4. Sobre a medida do círculo, contendo três proposições voltadas para a solução do problema clássico da quadratura do círculo. Arquimedes mostra que o valor exato de πestá situado entre 310/71 e 31/7, resultado que ele obteve calculando a área de polígonos de 96 lados, inscritos e circunscritos na circunferência.
  5. Quadratura da parábola, onde aparece o primeiro exemplo de quadratura de uma parábola, ou seja, da determinação de um quadrado com área igual à de uma figura plana limitada por uma parábola e uma secante ligando dois de seus pontos.
  6. O Arenário, onde se propõe um sistema de numeração que permite o cálculo de grandes quantidades, até \(8 ×10^63\) na notação moderna. Ele argumenta que este número é suficiente para contar o número de grãos de areia que poderiam estar contidos no universo. Este tratado tem importância histórica pois descreve o sistema heliocêntrico devido a Aristarco de Samos, usando este sistema para calcular o raio do universo.
  7. Do equilíbrio dos planos, um tratado sobre a aplicação dos princípios geométricos aos problemas da mecânica. Nele se encontra o centro de gravidade do paralelograma, do trapézio, do triângulo e da figura limitada por segmentos de parábolas e suas secantes.
  8. Sobre corpos flutuantes, uma obra contendo os fundamentos da hidrostática, onde se encontra a exposição do Princípio de Arquimedes. Ele também estuda a estabilidade de corpos flutuantes de formas e centros de gravidade diversos.
  9. Sobre o método, relativo aos teoremas mecânicos. Neste texto aparece um tratamento do método da exaustão que o aproxima muito da tratamento moderno das técnicas modernas de integração.

Também existem referências a obras que foram perdidas. Papus faz referência a uma obra sobre poliedros semi-regulares e outro sobre o equilíbrio e alavancas. O próprio Arquimedes se refere a uma trabalho seu voltado para o estudo dos sistema numérico proposto em O Arenário. Teon menciona um tratado sobre espelhos.

Arquimedes foi morto em 212 a.C. por um soldado durante a captura de Siracusa pelos romanos, na Segunda Guerra Púnica, apesar da recomendação dos oficiais para que o sábio fosse preservado. Segundo uma versão ele estaria absorto em problemas de geometria e não teria sequer percebido a situação de perigo, se recusando a seguir o soldado e tendo sido morto por isto. Arquimedes considerava como sua realização mais importante o cálculo das áreas e volumes da esfera e de um cilindro circunscrito. Por isto pediu que uma representação da esfera e do cilindro fosse estampada na lápide, em seu túmulo. O historiador Cícero descreve que foi capaz de identificar o túmulo na Sicília, em 75 d.C., devido a esta inscrição.

Heron de Alexandria

Heron viveu em Alexandria, provavelmente no primeiro século da era cristã, tendo feito contribuições para a geometria e mecânica. Ele é especialmente conhecido pela fórmula que leva seu nome e se aplica ao cálculo da área do triângulo: se os lados de um triângulo são \(a\), \(b\) e \(c\) então a área do triângulo é \(A\) satisfazendo
$$A^2 = s(s−a)(s−b)(s−c).$$
onde definimos \(s = (a+b+c)/2\).

Seu texto mais importante sobre a geometria, Metrica, somente foi redescoberto em 1896 e traz fórmulas para o cálculo de áreas de figuras geométricas regulares de 3 a 12 lados, círculos e seus segmentos, elipses e segmentos parabólicos, além das superfícies de cilindros, cones, esferas e calotas esféricas. Ele também apresenta um método para o cálculo aproximado de raízes quadradas e cúbicas de um número.

Heron fez contribuições importantes no campo da astronomia, que ele descreve em sua obra Dioptra, onde descreve o funcionamento de um teodolito, um instrumento usado para a medida de ângulos. No mesmo texto Heron fornece um método de cálculo da distância entre Alexandria e Roma usando a diferença da hora local no momento em que um eclipse é observado nas duas cidades. Sobre a óptica Heron explicou os fundamentos da propagação retilínea da luz e a lei da reflexão. Ele acreditava que a visão era o resultado de uma emissão de raios de luz pelos olhos e que a luz viajava com velocidade infinita. Em seus trabalhos sobre a mecânica ele descreve os princípios de funcionamento de sua máquina a vapor e sugere métodos de construção de máquinas de guerra e Mecânica.

Em outro livro Heron indica como construir bonecos animados, jarras que derramam água e vinho separadamente ou em proporção constante, pássaros cantores e animais que bebem água. Alguns estudiosos acreditam que ele usava estes artifícios para ensinar física para seus estudantes, tentando mostrar que teorias científicas são relevantes na vida cotodiana. Ele também descreve sua máquina a vapor, o aeolopito, uma esfera que podia ser aquecida e que rodava espelindo vapor. O aeolopito é a primeira máquina que se conhece capaz de transformar o calor em movimento.

Diofanto de Alexandria (200 – 284 d.C.)

Diofanto viveu em Alexandria no século III da era cristã e muito pouco se sabe sobre sua vida. Verdadeiro precursor da moderna teoria dos números e das técnicas da álgebra, Diofanto foi o primeiro a usar símbolos na resolução dos problemas algébricos.

Para lidar com a deficiência na notação de sua época Diofanto introduziu o uso de notação abreviada para representar quantidades desconhecidas e suas potências. No entanto só uma incógnita era assim representada. No caso da existência de outras incógnitas elas eram mencionadas por extenso como “segunda, terceira incógnita”, etc. Para indicar a soma de dois ou mais termos ele adotava o processo de escrevê-los em sucessão, sem qualquer sinal interposto; a subtração era indicada por uma abreviatura da palavra leípsis, que em grego significa “termo negativo” ou “menos”.

Diofanto expôs uma série de soluções que despertaram interesse entre os árabes. Uma delas passou à história da matemática graças a Pierre de Fermat, no século XVII. É o problema expresso pela equação \(x^n + y^n = z^n\). Diofanto demonstrou que para [/latex]n = 2[/latex] existem infinitas soluções. Fermat, ao retomar o problema, estabeleceu o famoso último teorema de Fermat, segundo o qual a equação não tem solução em números inteiros quando n é maior que 2.

Em seu trabalho Diafanto trata da solução de equações lineares e quadráticas, considerando apenas as soluções positivas e racionais, considerando inúteis as equações que levavam a soluções negativas ou irracionais. A equação \(4x + 20 = 4\), por exemplo, é considerada absurda porque leva a “resposta sem significado”. Além disto não há evidência de que conhecesse a existência de duas soluções para uma equação quadrática. Diofanto estudou equações quadráticas divididas em três tipos: \(ax^2 + bx = c\), \(ax^2 = bx+c\) e \(ax^2 + c = bx\). O motivo para esta separação, que hoje consideraríamos desnecessária, está na ausência de um sinal para representar o zero e para evitar os coeficientes negativos.

Diofanto resolveu problemas tais como pares de quadráticas simultâneas e outros sistemas. Considere, por exemplo, o sistema
$$y + z = 10, \qquad yz = 9.$$
Ele resolveria este problema criando uma única quadrática, criando uma nova variável \(x\) e fazendo \(2x = y−z\). Primeiro somando \(y + z = 10\) e \(y−z = 2x\), e depois subtraindo temos, respectivamente \(y=5+x\) e \(z=5−x\). Portanto
$$9 = yz = (5+x)(5−x) = 25 − x^2 \to x^2 = 16; x=4,$$
o que nos leva à solução \(y = 9\) e \(z = 1\).

Aparentemente Diofanto conhecia o fato de que qualquer número pode ser escrito como a soma de quatro quadrados, um fato extraordinário uma vez que Fermat tentou, sem sucesso, provar este resultado, algo só realizado por Lagrange muito mais tarde.

Dos 13 livros de sua famosa Aritmética, sete desapareceram. Também se atribui a Diafanto os livros Números poligonais, Porismos e Moriástica (um trabalho sobre frações). Segundo a tradição, em seu túmulo estava gravado um enigma matemático cuja solução revelava que ele viveu 84 anos:

“… sua infância durou 1/6 de sua vida; se casou 1/7 da vida, depois; sua barba cresceu depois de transcorridos 1/12 mais e seu filho nasceu 5 anos mais tarde; o filho alcançou apenas a metade da vida do pai, que morreu 4 anos depois de seu filho”.

Matemática aplicada na Grécia

No período inicial o sistema de numeração grego não trouxe grandes aperfeiçoamentos em relação ao egípcio e, em particular, ao babilônico. Os gregos não utilizavam a notação posicional já conhecida na mesopotâmia. Apesar disto, devido à vasta influência grega na cultura ocidental posterior, vários prefixos de numeração, tais como penta (representando cinco), deca (dez), hecaton (cem) e quilo (mil) se conservam até os dias de hoje.

Juntamente com os avanços na matemática pura muitos progressos foram feitos sobre suas aplicações, particularmente aos tópicos da ótica, mecânica e astronomia. A maioria dos autores e grandes matemáticos também se dedicou à algum tópico de suas aplicações. Por exemplo, Euclides e Arquimedes escreveram sobre astronomia. Logo após o tempo de Apolônio os astrônomos gregos adaptaram o sistema de numeração fracionária dos babilônios e criaram tabelas de arcos de circunferências. Dado um círculo de raio fixo estas tabelas listavam os valores do comprimento de arco para incrementos do ângulo subentendido, representando assim o equivalente antigo das modernas tabelas trigonométricas. Nas tabelas mais antigas, tal como a de Hiparco, em torno de 150 a.C., os ângulos eram listados em incrementos de 71, variando de 0 até 180. Até o século II a.C. a técnica numérica grega havia avançado ao ponto de permitir que Ptolomeu, em seu Almagesto, apresentasse tabelas de arcos de círculos para ângulos com incrementos de 3, com precisão de cinco casas decimais e apresentados em numeração sexagesimal.

Na mesma época o astrônomo Menelau de Alexandria desenvolveu um método para a solução de problemas involvendo triângulos planos apresentou algumas soluções associadas à trigonometria esférica. Os avanções astronômicos na Grécia permaneceram insuperados até o resurgimento do interesse científico na Europa, após a Idade das Trevas, particularmente através dos trabalhos de Johannes Kepler, Copérnico e Galileu.

Bibliografia

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  • Cornford, F. M.: Principium Sapientae, As Origens do Pensamento Filosófico Grego, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1952.
  • Courant, R; Robbins H.: O Que é a Matemática?, Ciência Moderna, Rio de Janeiro 2000.
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    http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/history/
  • Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.