Onde Mora a Consciência?

 

“Como é possível que uma massa gelatinosa de um quilo e meio que cabe na palma de uma mão, possa imaginar anjos, contemplar o significado do infinito e até mesmo questionar seu lugar no cosmos? Especialmente inspirador é saber que qualquer cérebro, incluindo o seu, é composto de átomos forjados há bilhões de anos nos corações de incontáveis estrelas distantes. Estas partículas flutuaram durante eras e por anos-luz, até serem reunidas pela gravidade nos blocos de matéria em que estamos aqui e agora. Parte desses átomos formaram conglomerados – os cérebros – capazes de ponderar sobre as próprias estrelas de onde vieram, fazer instropecção sobre sua própria capacidade de pensar e questionar sua capacidade de se maravilhar. Com a chegada dos humanos o universo se tornou consciente de si mesmo. Este é, verdadeiramente, o maior mistério de todos.”

— V. S. Ramachandran em The Tell-Tale Brain: A Neuroscientist’s Quest for What Makes Us Human.

O que é Consciência

Inseri no final vários vídeos do TED Talks que abordam esse tema. Todos estão em inglês mas com o recurso de legendas em português. Clique no ícone e selecione “Portuguese, Brazilian”.

Como seres que observam nós, humanos, somos dotados de introspecção, capacidade de análise e interpretação. Elaboramos uma descrição sofisticada do mundo externo através de nossa cultura e, principalmente, daquilo que chamamos de conhecimento científico. O que temos é uma descrição razoavelmente completa e bastante funcional. Para fazer isso usamos de criatividade. No entanto não temos nenhuma certeza de que nossos modelos são uma descrição fiel do que existe e acontece no universo ou mesmo se as expressões “existe e acontece” têm algum sentido científico. Não temos a menor noção do que significa “mundo objetivo ou real”.


O pensamento moderno sustenta que os modelos científicos são aproximações recursivas do que se experimenta na natureza e se tenta descrever. Eles são aproximações porque é muito improvável que descrevam todo o fenômeno em questão, e são recursivos porque se reformam e ganham precisão e detalhe com o aumento da tecnologia de observação e do embasamento teórico envolvido, a partir do que já é conhecido. Aproveite para ler, nesse site:

Apesar de tantos progressos, conhecemos muito pouco do que se passa em nosso interior, em nossa subjetividade. Não sabemos como foi possível elaborar o edifício da ciência, nem da cultura nem da própria civilização. Entender a consciência é um grande problema não resolvido. E, no entanto, ainda que de natureza sutil e de difícil captura, a consciência é absolutamente tudo aquilo que experimentamos, o nosso único ponto de acesso ao que existe. O contato com objetos sólidos, a luz de tantas tonalidades que percebemos na natureza e até o calor da companhia humana, a raiva o apego e o amor, todos esses fenômenos estão em nossa consciência, são parte de nossa interioridade. O que chamamos de realidade objetiva é formado por informações internas da consciência que, de alguma forma, capturou algo no mundo externo. De certa forma não cabe dizer que vivemos em dois mundos, o exterior e o interior, porque tudo o que jamais foi capturado do exterior está dentro de nossa subjetividade … ou não existe para nós.

Poderíamos argumentar que somos capazes de coletar, armazenar e analisar dados relativos a partes do mundo que não são diretamente acessíveis aos nossos sentidos, como ocorre com a coleta de imagens no infravermelho ou ultravioleta. Isso está correto mas não tomaremos consciência de nenhum dessas informações se não olharmos para os resultados que estão apresentados em telas de computadores ou papel. Diremos portanto que a experimentação converteu informações fora de nosso espectro sensorial para outra faixa que podemos observar.

Não se trata aqui de negar a existência do mundo exterior, como fazem algumas abordagens filosóficas e religiosas. O mundo está lá (ou aqui) de alguma (ou outra) forma. Mas não temos nenhuma noção de qualquer grau de realidade nesse mundo físico e objetivo. Sabemos que ele reage com regularidade e consistência às nossa perguntas, sejam por meio da mera interação cotidiana ou de um experimento científico. Para a alegação de que construímos com a nossa mente o mundo a nosso redor, podemos recuperar a memória dos vários “experimentos com resultado negativo”. São esses os experimentos realizados para confirmar uma visão de mundo amplamente aceita pela comunidade científica da época e que, no entanto, retornam resultados que negam essa mesma visão. Foi o que ocorreu com o experimento de Michelson Morley que mostrou que a velocidade da luz no vácuo é independente do observador, um dos fundamentos da Teoria de Relatividade de Einstein; ou as inúmeras observações incoerentes com a física clássica que originaram a mecânica quântica.


David Chalmers

 

David John Chalmers (nascido em 20 de abril de 1966, na Austrália) é um filósofo e cientista cognitivo, especialista em filosofia da mente e da linguagem. Chalmers é bem conhecido por ter formulado o chamado problema difícil da consciência (the hard problem of consciousness).

O problema difícil

O problema difícil consiste na discussão de como e por que os humanos (ou outros organismos) possuem consciência dos fenômenos e os transformam em experiências subjetivas. Ele é diferente dos chamados “problemas fáceis” que demandam a explicação de sistemas físicos que nos permitem discriminar, coletar e processar informações, explicar nossos modos comportamento e relatar nossas descobertas, por exemplo. Esses são problemas que admitem explicações, pelo menos em princípio, seja por meios mecânicos ou de comportamento. Pesquisadores e filósofos que propõem a existência do “problema difícil” argumentam que ele é intrinsecamente diferente e não admitem a explicação mecanicista ou comportamental, nem mesmo em princípio.

Importante mencionar que nem todos os filósofos ou neurocientistas concordam sequer com a existência do “problema difícil”. Independentemente disso o conceito é útil para se discutir a questão.

Qualia

Para fazer referência às qualidades subjetivas da experiência mental e consciente foi proposto o termo QUALIA, buscando expressar a experiência pessoal e subjetiva da sensação de uma cor, de um sentimento como uma emoção ou a percepção da dor, por exemplo. O conceito de Qualia surge para representar uma lacuna em nosso entendimento sobre o que diferencia qualidades subjetivas da percepção e o mecanismo de captação e processamento, o cérebro. Por definição, as propriedades da experiência sensorial são não cognoscíveis, exceto se diretamente vivenciadas, além de incomunicáveis.

Daniel Dennett listou quatro propriedades comumente associadas aos qualia. Qualia são:

  • inefáveis; não podem ser comunicados ou apreendidos exceto pela experiência direta,
  • intrínsecos; são propriedades próprias e não definidas por meio de relações com outros objetos,
  • privados; não podem ser submetidos a comparações entre subjectividades diversas,
  • direta e imediatamente apreensíveis pela consciência; a experiência de qualia é completa e imediata.

Antes de prosseguir a leitura, imagine como você descreveria o que é o vermelho para uma pessoa que só enxerga tons de cinza!

Física e descrição do mundo

Consideramos Galileu Galilei o pai da física moderna por ele ter dado início a um longo programa de testes sobre a natureza inquirida sob a forma de experimentação. Entendemos hoje que a ciência é feita por meio de uma dinâmica entre o que foi chamado empirismo e idealismo. Um experimento sozinho, sem um embasamento teórico que o descreva, não é suficiente, e o puro processamento intelectual sobre o mundo dos fenômenos não traz respostas conclusivas se elas não podem ser verificadas empiricaamente. Esse programa nos permitiu elaborar um desenho do universo onde partículas e campos interagem de modo (razoavelmente) compreendido, ainda que não completo. Ainda assim a parte cognição, o próprio princípio que nos permite entender, permanece completamente fora do escopo científico. Na visão padrão das coisas a consciência está apenas em cérebros que, evidentemente, constituem uma porção muito reduzida do universo completo.

Panpsiquismo

A dificuldade em exibir uma teoria que explica o surgimento de consciência emanada de partículas supostamente sem propriedades conscientes levou muitos pensadores, antigos e modernos, a propor o conceito de “panpsiquismo”. Em seu livro “O Erro de Galileu: Fundamentos para uma Nova Ciência da Consciência” o filósofo Philip Goff apresenta essa perspectiva radical com a pergunta: “e se a consciência não for uma produção especial do cérebro, mas uma qualidade inerente a toda a matéria?” Nessa proposta as partículas, além de suas propriedades físicas usuais, como massa e carga elétrica, possuem alguma forma de interação com o resto do mundo de forma a poder formar consciências em algum nível de agrupamento complexo de matéria. Desnecessário pontuar que essa é uma especulação que pode se tornar importante no futuro, mas por enquanto não tem qualquer status de teoria (nem mesmo de hipótese) científica. Não existe qualquer noção sobre serem todas as partículas dotadas dessa propriedade ou se ela repousa em algumas, como elétrons ou quarks.

O próprio Chalmers propôs, em uma palestra do TED Talks, que um fóton “poderia possuir algum elemento de puro sentimento subjetivo, algum precursor da consciência.” Juntando-se a ele o neuroscientista Christof Koch afirmou no livro Consciousness, 2012, que se aceitarmos a consciência como um fenômeno real, independente de qualquer meio material particular, então “em um passo simples teremos que admitir que todo o cosmos está permeado pela senciência.”

Deve ficar claro aqui que o conceito de panpsiquismo não é aceito pela maioria dos cientistas e pensadores, nas ciências físicas ou mesmo na filosofia. Mesmo Goff admitiu as dificuldades existente para se responder alguns problemas, entre eles a explicação de como a reunião de muitas partículas com pequena senciência pode gerar um consciência como a humana. O neurocientista Anil Seth, em seu livro Being You, 2021, criticou o panpsiquismo como algo que “realmente não explica nada e não leva a hipóteses testáveis. É uma saída fácil para o aparente mistério representado pelo problema difícil.”

Fisicalismo

A consciência é modernamente vista (por uma maioria, com pequena margem) como um fenómeno emergente, o resultado da existência de sistemas complexos, como os cérebros humanos. Nesta proposta, também especulativa e exploratória, neurónios individuais não são conscientes, e as propriedades observadas de consciência cerebral só existem coletivamente como resultado da interação de um grande número de neurônios (entre 85 a 100 bilhões de neurônios, nos humanos). Essas interações e a emergência dos processos conscientes são também, reconhecidamente, pouco compreendidas.

Pesquisas mostram que um pouco mais da metade dos filósofos acadêmicos defendem essa visão, conhecida como “fisicalismo” ou “emergentismo”, enquanto aproximadamente um terço rejeita o fisicalismo para se inclinar a alguma alternativa, entre elas o panpsiquismo. Fisicalismo é o conceito de que o mundo pode ser inteiramente explicado usando descrições físicas. Até mesmo coisas aparentemente não físicas se reduziriam a uma descrição que usa apenas partículas e campos físicos, em a necessidade de se agregar elementos externos.

Crick e Watson descobriram juntos o mecanismo da hereditariedade por meio da dupla hélice de DNA.

Não é raro que físicos e biólogos adotem posições mais próximas do fisicalismo, na defesa de que não existe nada além de partículas e interações. Francis Crick, biofísico e neurocientista britânico, defendia que a consciência é sim um objeto tratável pela ciência. Ele e James Watson sustentavam que a ciência esclareceria a consciência através da descoberta de seus correlacionamentos neurais e identificaram como uma possível base para o fenômeno o disparo sincronizado de células do cérebro, numa taxa de 40 vezes por segundo.

O quarto de Mary

Frank Jackson sugeriu um experimento mental que ele denominou “O quarto de Mary” (Mary’s Room) para desafiar a visão fisicalista. Podemos descrever em termos completamente físicos os nossos sentimentos privados, nossas “qualia”?

Imagine uma neurocientista chamada Mary vivendo em um quarto fechado onde tudo é preto ou branco. Ele tem a seu dispor livros e um computador e passa seu tempo estudando tudo o que consegue sobre a cor “vermelha”. Ela estudou sobre a física das ondas de luz e sabe localizar o vermelho no espectro eletromagnético, aprendeu como o olho humano processa a luz e envia informações sobre ela para o cérebro. Ela entendeu perfeitamente como o cérebro interpreta esses sinais como a cor vermelha e ainda pesquisou sobre todas as associações poéticas envolvendo o vermelho. No entanto, tristemente, Mary nunca viu por si mesma o vermelho.

Um dia, suponha, Mary consegue sair de seu mundo preto e branco e vê uma rosa vermelha. Uma questão filosófica é levantada: Mary descobre alguma novidade quando vê a flor, sua compreensão de vermelho é ampliada?

Pense: Qual é a sua opinião? Mary obterá uma informação nova sobre o vermelho?

Se acreditamos que ela aprendeu algo novo então somos obrigados a concluir que uma descrição puramente física do mundo não pode ser completa. Existe algo que está além e o fisicalismo está incompleto. “Qualia” não estão entre as propriedades físicas e Mary jamais “saberia” o que é vermelho sem enxergá-lo diretamente.

Embora Jackson tenha criado esse experimento hipotético, ele mesmo rejeitou seu argumento pois não acreditava que Mary pudesse aprender algo novo sobre o mundo. Ele defendia que, nesse caso, ela teria aprendido uma novidade sobre si mesma. A “cor vermelha” em qualia não pertence ao mundo objetivo mas é uma propriedade de quem observa.

Mas, outra pergunta vem a tona quando se tenta salvar o fisicalismo: propriedades subjetivas estão no mundo físico? Jackson acredita que sim e argumenta que, se tivéssemos condições tecnológicas para reproduzir a neurobiologia, construir um cérebro artificial tão sofisticados como o cérebro humano, a cor vermelha, e os comportamentos associados a ela, seriam reproduzidos com fidelidade e transformaríamos qualia em algo objetivo.

O argumento de Frank Jackson para rebater o fisicismo, estabelecendo que a experiência envolve elementos que estão além das propriedades físicas da natureza, faz parte do Argumento do Conhecimento. Ele está baseado na ideia de que alguém, mesmo com pleno conhecimento físico sobre outro ser consciente, pode não ter conhecimento completo sobre como é ter as experiências do outro.
Você acredita que uma inteligência artificial ultra sofisticada, que simula perfeitamente um diálogo humano, incluindo suas emoções, perplexidades e inseguranças, possui qualia? Ela pode sofrer, admirar e sentir medo? Podemos um dia ter leis contra o “assassinato” de robôs e máquinas inteligentes?

Outras objeções contra o panpsiquismo são apresentadas, entre elas por ele não ajudar a resolver o problema de “Outras Mentes”. Temos, por definição, acesso a nossa própria mente mas, como podemos saber qualquer coisa sobre o que se passa na mente de outra pessoa? Esse problema está relacionado com as próprias propriedades de qualia, como as descritas por Dennet. Por causas de objeções desse tipo se tem sugerido que o panpsiquismo seja algo similar à invocação do Deus das Lacunas, uma invocação ex-machina para suprir deficiências da descrição científica.

Solipisismo é uma forma extrema da situação de “Outras Mentes”. Como você pode ter certeza de que uma pessoa em seu ambiente está de fato consciente ou se não passa de uma simulação? O solipisismo é a sugestão de que, talvez, você seja o único ser real do universo, criando a realidade que te cerca.

O cosmopsiquismo é outra tentativa, sugerindo que todo o universo é consciente e que as consciências individuais e localizadas não geram senciência mas apenas agregam aquela que já existe em toda a parte.

A Teoria da Mente

“Teoria da Mente é a capacidade em considerar os próprios estados mentais e os das outras pessoas, com a finalidade de compreender e predizer comportamentos e pensamentos do outro, por meio, por exemplo, de suas expressões, ações, jeito de falar.“

— Deborah Kerches, dradeborahkerches.com.br

Na psicologia a forma como percebemos a mente de outras pessoas, e seus estados, foi denominada Teoria da Mente. Ela consiste na formulação de um modelo pessoal e interno que visa descrever como a outra pessoa se sente, no que ela acredita, o que pretende e deseja. Consideramos que temos uma “teoria” sobre o estado da outra pessoa exatamente por não termos acesso direto a seus estados internos e, um bom desenvolvimentos desse modelo permite, por exemplo, que tenhamos empatia. Uma teoria da mente deficiente pode ser um sinal de uma desordem como o autismo, déficit de atenção ou esquizofrenia.

Você assiste, sem interferir, a cena representada ao lado: Bia guarda uma bola em sua cesta e sai da sala. Sem que Bia perceba, Ana tira a bola da cesta e coloca em sua caixa. Quando Bia voltar sabemos que ela irá procurar a bola em seu cesto. Temos um quadro mental que acompanha o estado do mundo na perspetiva de Bia. Este quadro é a teoria da mente, segundo o espectador.

Empatia é a capacidade de um indivíduo de compreender o estado emocional ou sofrimento físico de outra pessoa. Como ela é baseada na percepção de estados internos em outro indivíduo ela está associada de perto com a capacidade de construir teorias da mente eficazes. Pesquisas mostram que indivíduos do sexo feminino possuem, na média, maior empatia do que as do sexo masculino, enquanto as crianças, meninos e meninas, mais empáticos levam para a vida adulta essa propriedade. Essas verificações, segundo se acredita atualmente, são decorrentes de processos evolucionários e não explicadas por diferenciação ambiental ou aspectos culturais.

Diversos pesquisadores sugeriram independentemente que a empatia está intimamente associada com o funcionamento dos neurônios espelhos. Esses neurônios são responsáveis por atitudes causadas por volição própria do indivíduo mas também disparam quando ele observa as mesmas atitudes em outro indivíduo, estabelecendo uma conexão. Literalmente eles causam dor em quem observa outra pessoa em sofrimento.

Correlatos Neurais da Consciência

Todas essas considerações revelam dois aspectos: (1) o estudo da consciência é muito difícil; (2) algum progresso importante tem sido feito recentemente. Abandonamos o estado de aceitar a consciência como algo fora do universo, sem participação no fenômeno estudado para inserí-la no próprio mundo que queremos compreender. Queremos encontrar os “correlatos neurais da consciência” (Neuronal Correlates of Consciousness, NCC), os mecanismos neuronais mínimos que, em conjunto, são suficientes para provocar a experiência consciente. A dor corporal fazem as células nervosas se agitarem de alguma forma específica? Existem “neurônios especiais da consciência” que devem ser ativados? Eles estão localizados em regiões específicas do cérebro?

Neurônios. Nature: Dennis Kunkel Microscopy/Science Photo Library

A busca por “correlatos neuronais da consciência” não é meramente acadêmica. As pessoas passam por estados inconscientes por diversos motivos: ela pode estar dormindo, pode ter sofrido um trauma violento, uma doença desabilitante ou pode estar morta. Também é possível que tenha sido exposta a uma droga, como a anestesia. Muitos pacientes no mundo inteiro ficam desacordadas ou em coma por longos períodos e nem sempre é possível saber se existe uma consciência interna aprisionada e sem conseguir se manifestar. Alguns estudos indicam que esse estado não é raro. É, portanto, essencial que se busque verificar por meios objetivos, através de EEGs ou outros aparatos médicos, se o paciente é portador de algum nível de consciência.

Se uma determinada região do cérebro sofre uma lesão podemos perder funcionalidades associadas a essa região. O cerebelo, por exemplo, é controlador de movimentos, particularmente o movimento fino necessário para o controle de um músico ou um atleta olímpico. Ele contém quatro vezes mais neurônios que todo o restante do cérebro. Ainda assim uma pessoa que sofre dano no cerebelo mantém suas habilidades motoras, embora perca parte de sua fluidez. Eles mantém sua experiência pessoal, seus sentidos, seu senso de individualidade e sua memória. Concluímos portanto que o cerebelo não é essencial para a experiência subjetiva.

Por outro lado uma lesão na medula espinhal pode desabilitar completamente as funções motoras de uma pessoa, enquanto danos ao neocórtex podem prejudicar a experiência de sentimentos. Muito do que sabemos sobre a especialização de blocos do cérebro advém de estudo de pacientes que sofreram lesões, sendo o caso de Phineas Gage um exemplo espetacular.

Phineas Gage

Operários em Vermont, EUA, em setembro de 1848, construiam uma estrada de ferro usando dinamite para explodir rochas. Phineas Gage colocou pólvora em buraco na rocha quando uma explosão lançou uma barra de metal de 1 metro e meio de comprimento contra sua cabeça. A barra entrou pela bochecha esquerda, destruiu seu olho e atravessou a parte frontal do cérebro, saindo pelo alto da cabeça, do lado direito. Gage permaneceu consciente, conseguindo caminhar e falar normalmente.

Originalmente da coleção de Jack e Beverly Wilgus, atualmente no Warren Anatomical Museum, Harvard Medical School.

Apesar da gravidade do acidente ele sobreviveu e se recuperou fisicamente. Dois meses depois Gage já podia caminhar normalmente pela vila onde morava. No entanto sua personalidade ficou completamente transformada. Ele se tornou um homem de mau gênio, grosseiro, desrespeitoso com as pessoas e incapaz de aceitar conselhos. Ele passou um tempo de sua vida se apresentando como atração circense, morrendo doze anos após o acidente.

O caso de Phineas Gage é mencionado como uma das primeiras evidências indicando que lesões nos lóbulos frontais podem alterar a personalidade, emoções e a interação social. Antes disso se considerava que os lóbulos frontais eram estruturas sem função e não relacionadas com o comportamento humano. No entanto, seu cérebro só começou a ser estudado quatro anos após sua morte. Não se pode ter certeza sobre as extensões de suas lesões e nem temos um conhecimento completo de suas alterações de comportamento. A narrativa contribuiu, mesmo assim, para ilustrar o longo e árduo debate do século XIX sobre se existem áreas específicas do cérebro especializadas em funções mentais, ou se as funções estão espalhadas por todo o conteúdo craniano.

Hoje se acredita que existe localização de funções no cérebro, entre elas:

  • Movimentos voluntários são controlados pelo córtex motor primário, localizado no lobo frontal.
  • Linguagem é controlada pela área de Broca, no lobo frontal, responsável pela produção da linguagem. A área de Wernicke, no lobo temporal, é responsável pela compreensão da linguagem.
  • Visão é processada na área visual primária, no lobo occipital.
  • Memória de longo prazo, é controlada pelo o hipocampo, no lobo temporal.
  • Duas outras áreas específicas do cérebro merecem menção. A área de Broca, parte do lobo frontal é responsável pela expressão da linguagem; e a área de Wernicke, localizado no córtex cerebral, permite a compreensão da linguagem oral e escrita.
O termostato é um aparelho que usa propriedades da matéria para acionar ou desligar um sistema elétrico.

Apesar dessa possibilidade de localização de funções o cérebro é um órgão complexo e as funções cerebrais são interdependentes umas das outras. A linguagem não é só uma função do lobo frontal, mas também dos lobos temporal e parietal, por exemplo. Além disso sabemos hoje que existe a neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de se reorganizar, alocando para áreas diferentes as funções prejudicadas de alguma forma, como no caso de uma lesão por doença ou acidente.

Christof Koch (a esquerda) e David Chalmers em 23 de junho, 2023, Nova Iorque. Foto: Jesse Winter para a revista Nature.

Ainda pertinente ao fisicalismo, David Chalmers sugeriu que o problema difícil poderia ser resolvido se aceitarmos que a “informação” é uma propriedade fundamental da realidade, podendo ser exibido em qualquer sistema e não apenas no com cérebro. Dessa forma mesmo sistemas simples, como por exemplo um termostato, pode ser entendido com possuindo um nível de consciência.

Filosofia da Mente

A filosofia da mente é o estudo filosófico da natureza da mente e de como ela se relaciona com corpo. Ela considera o prolema difícil de qualia, de estados e funções da mente, seus correlatos neurais e o funcionamento da cognição. No entando sua questão central está na relação entre mente e corpo. Grosso modo duas visões centrais disputam ter uma resposta para esse problema: o dualismo e o monismo.
O dualismo tem suas origens, na filosofia ocidental, no pensamento de René Descartes, século XVII. Descartes sugeria que a mente é uma substância independente do corpo, enquanto outros dualistas sustentam que ela é um grupo de propriedades independentes e emergentes que não podem ser reduzidas ao cérebro (sem ser uma substância distinta).
Monismo é a defesa de que mente e corpo são entidades que não podem ser separadas, tese defendida, por exemplo, por Baruch Spinoza, um racionalista do século XVII.

Os fisicalistas, na defesa de que existem apenas entidades postuladas pela teoria física e o processo mental poderá ser, eventualmente, explicado em termos dessas entidades, são, naturalmente monistas. Para os idealistas apenas a mente existe e o mundo externo é uma ilusão criada pela mente.

O Problema Corpo-Mente

Figura de Descartes para explicar o dualismo mente-corpo.

O problema corpo-mente consiste na difuldade em se explicar como processos mentais podem controlar o corpo, o que são esses processos mentais e o mecanismo que permite a eles ativar ações físicas no corpo.
Uma experência sensorial consiste na obtenção de estímulos físicos oriundos do mundo externo, como ondas de luz atingindo os olhos, levadas até os centros de percepção causando alteração em nossos estados mentais. Essa percepção pode provocar atração ou repulsão ativando uma resposta física que movimenta o corpo. Essa ação corporal pode ser causada até mesmo por crenças, a noção de que um objeto inexistente está próximo, disparando os mesmos neurônios e músculos.

Neurociência

Todos esses problemas adquirem uma nova perspectiva com o surgimento da neurociência. Baseada na biologia e medicina do cérebro ela busca basicamente encontrar os correlações neurais entre mente e corpo, e esse estudo tem sido amplamente ampliado com o desenvolvimentos de aparelhos medidores, como máquinas de ressonância magnética e muitas outras.
Assim como em diversas outras áreas do conhecimento temos hoje uma enorme oportunidade de resolver grandes dúvidas e aperfeiçoar o entendimento do que significa ser humano. Claro que isso deve encontrar eco nos processos concretos da sociedade, como na medicina e na educação.

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Videos Recomendados sobre o tema da Consciência

Todos os vídeos estão em inglês mas com o recurso de legendas em português. Clique no ícone e selecione “Portuguese, Brazilian”.

What is Consciousness (O que é a consciência?)

Michael Graziano

How do you explain consciousness? (Como você expĺica a consciência?)

David Chalmers

Your brain hallucinates your conscious reality (Seu cérebro alucina sua realidade consciente)

Anil Seth

What is Consciousness? (O que é a consciência?)

Daniel Dennet

The long reach of reason

Steven Pinker e Rebecca Newberger Goldstein

Bibliografia

Livros:

  • Anil Seth: Being You, A New Science of Consciousness, Dutom, 2021.
  • Deborah Kerches: Teoria da Mente.
  • Google Books, David Chalmers: The Concious Mind, Oxford University Press, 1996.
  • V. S. Ramachandran: O que o cérebro tem para contar: Desvendando os mistérios da natureza humana, Zahar, 2014.
  • V. S. Ramachandran: Fantasmas no Cérebro, Record, 1998.

Artigos online:

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