Acaso e Percepção Extrassensorial

Percepção Extrassensorial

JBRhine
J. B. Rhine com Hubert Pearce, psicólogo e parapsicólogo.

Em 1937 a telepatia estava na moda. O botânico e parapsicólogo J. B. Rhine havia lançado há pouco o livro New Frontiers of the Mind onde apresentava alegações extraordinárias sobre os experimentos de PES (percepção extrassensorial) na Universidade de Duke. Outro autor muito conhecido do público da época, Upton Sinclair, havia lançado um livro sobre seus experimentos em comunicação psíquica bem sucedidas com a esposa. A assunto era tópico das conversas em todo o país.

A nota (1) fornece alguns detalhes extras da história do experimento.

Em setembro de 1937 a Zenith Radio Corporation, em colaboração com Rhine, iniciou um experimento ambicioso. Um programa de rádio da emissora reuniu um painel de pessoas consideradas dotadas de percepções extrassensoriais, em particular a telepatia. Na medida em que o apresentador do programa ia sorteando em uma roleta uma sequêncis de 5 resultados binários, escolhendo entre X ou O, os especialistas se concentravam com todas a suas energias para transmitir para os ouvintes a sequência escolhida. Os organizadores do evento pediram que os ouvintes também se concentrassem para receber as transmissões dos telepatas, anotando as sequências de sinais percebidas e as enviando para a emissora.

Mais de 40 mil ouvintes responderam imediatamente e milhares de outras respostas chegaram depois. Foi um experimento em grande escala. A esperança era de que, mesmo que houvesse muitos erros, um número maior de adivinhações corretas aparecesse nas análises dos resultados. De fato, era o que deveria acontecer se houvesse algum efeito de telepatia entre as pessoas e os supostos telepatas.

Em um teste com 5 sequências, três deles foram “captados” pelo público em proporção muito maior que a esperada por mera coincidência. Um deles foi a sequência OXXOX descoberta por um número muito grande de ouvintes. Esse resultado surpreendeu a todos e os proponentes da percepção extrassensorial, juntamente com os empresários da rádio, comemoraram. O programa havia se tornado muito rentável e a rádio emitiu um comunicado de imprensa informando que haviam provado a existência de fenômenos paranormais.

Uma segunda análise

O experimento chamou a atenção de um jovem psicólogo chamado Louis Goodfellow, também contratado pela rádio Zenith. Ele empreendeu seu próprio estudo para determinar se poderia haver outra explicação para os resultados do experimento. Ele descobriu que, de fato, os experimentos não revelavam a existência de PES, embora apontassem para outro resultado muito interessante.

A nota (2) discute a necessidade da análise extra realizada por Goodfellow.

Ele percebeu que sequências tais como OOXOX eram identificadas pelo público com acerto acima do acaso, enquanto sequências como OOOOO eram escolhidas pelo público com menor frequência. Quando Goodfellow pediu às pessoas que inventassem uma sequência aleatória a sequência OOXOX apareceu muito acima de 30% das vezes.

Em seu laboratório Goodfellow realizou outros testes pedindo que as pessoas imaginassem resultado de um experimento aleatório com moedas, com 5 tentativas, cada uma resultando em cara ou coroa. Ele descobriu os resultados imaginados pelos participante não eram de fato aleatórios. De fato, 78% das pessoas iniciavam suas sequências com uma carana primeira jogada de moeda. (Se os resultados fossem aleatórios 50% apenas dos resultados deveriam se iniciar desta forma.)

A partir disso Goodfellow criou a hipótese de que o sucesso do experimento da rádio Zenith não tinha nada a ver com paranormalidade. Pelo contrário, ele revelava uma incapacidade inerente aos humanos de gerar listas ou sequências realmente aleatórias. Quando as pessoas tentam fazer isso elas acabam caindo em padrões que são muito similares entre as pessoas. Por exemplo, quando se pede a alguém para fornecer uma sequência binária de 5 posições (com apenas duas escolhas para cada posição) é muito improvável que ela escolha OOOOO ou XXXXX, mesmo que essas sejam tão possíveis como qualquer outra. Na cabeça das pessoas é muito mais “aleatório” escolher OOXOX ou XXOXO, mesmo que todas essas sequências tenham a mesma probabilidade (1/32) de ocorrerem. Resumindo, as pessoas do público acertaram sequências “mais prováveis”, que eles consideravam “mais aleatórias” que outras.

Probabilidade

A probabilidade de acerto em qualquer adivinhação consiste no número de casos considerados acertos, divididos pelo número de casos possíveis. Neste caso apenas uma sequência é correta. Na escolha de 5 ocorrências de um evento binário existem 2 possibilidades para a primeira sorteada, mais 2 para a segunda, até a quinta escolha. Ou seja, existem 25 = 32 possibilidades. Logo a chance de acerto aleatório é de 1/32.


Uma roleta, dado ou moeda honesta é aquela em que seus resultados podem ocorrer com a mesma probabilidade. Uma moeda não honesta pode ter um lado mais pesado que outro, ou pode conter cara dos dois lados.
Leia mais sobre Probabilidade e Estatística.

Como existem apenas 32 combinações possíveis, se você apenas inventar uma sequência qualquer, você tem 1/32 ou aproximadamente 3% de chance de acerto. Com uma roleta “honesta” todos os resultados são igualmente prováveis.

Se as pessoas conseguissem fazer escolhas realmente aleatórias, um experimento com poucas pessoas buscando descobrir sequências desse tipo exibiria uma distribuição espalhada das escolhas, sem nenhum padrão. (Veja adiante, sobre a Lei dos Pequenos Números). Mas se o mesmo experimento for repetido com grande número de pessoas todas as possibilidades seriam aproximadamente contempladas. (A Lei dos Grandes Números).

No experimento da rádio Zenith milhares de pessoas escolheram XOXOO com frequência muito mais alta que XXXXX. Naturalmente o experimento foi refeito (muitas vezes, na verdade). Nenhum resultado paranormal foi verificado, apesar da alta taxa de adivinhações em torno das sequências consideradas “mais aleatórias” que as demais.

Você participa de um experimento que sorteia 5 bolas pretas ou vermelhas, com igual probabilidade. Denotando preto por P e vermelho por V, suponha que você adivinhou a sequência PPVPV. Antes da verificação você tem 1/32 de chance de acertar. Mas, se você tiver acertado exatamente a sequência sorteada, não cabe mais perguntar que chances você tem. O experimento foi realizado e um das resultados possíveis foi selecionado.

Considere agora outra situação onde um número muito grande de pessoas participou. Várias delas terão acertado por acaso o resultado. Se você é uma delas a tendência é que considere esse experimento extraordinário, comprovando fenômenos paranormais. Por esse motivo é necessário sempre fazer uma análise estatística desse e de qualquer outro experimento.

Cérebro humano e probabilidade

Isso mostra um fato interessante, hoje bem conhecido. Nosso cérebro não sabe lidar bem com acaso e probabilidade. Intuitivamente (e erroneamente neste caso) achamos que OOOOO ou XXXXX são menos prováveis que qualquer outra sequência. Quantas pessoas você conhece dispostas a apostar na sequência 1 2 3 4 5 6 na Mega Sena? No entanto esse palpite é tão provável como qualquer outro que você escolher.

William Poundstone, escritor de divulgação científica em seu livro Rock Breaks Scissors, explora algumas das ramificações das descobertas de Goodfellow: “Ele basicamente mostrou que muitas das nossas pequenas decisões cotidianas são incrivelmente previsíveis”. Com alguns dados e conhecimento é possível prever muitas atitudes e decisões das pessoas. Por exemplo, no jogo pedra, papel, tesoura (jokempô) homens tentem a escolher pedra com frequência maior que as outras opções. Esse comportamento humano é observável e bem documentado. Ele é explorado, por exemplo, na propaganda eletrônica, na expectativa de se aproveitar de respostas padrões das pessoas.

Recentemente os psicólogos Amos Tversky e Daniel Kahneman propuseram a chamada Lei dos Pequenos Números, uma teoria que busca explicar a inabilidade humana para lidar com o acaso e aleatoriedade. Tendemos a esperar que pequenas amostras sejam representativas de uma amostra maior, de onde a menor foi extraída.

Atirando uma moeda 5 vezes você espera verificar um resultado com 2 ou 3 caras, e 2 ou 3 coroas, com alguma variação de padrão. Apesar dessa expectativa as chances de se obter 5 caras (ou 5 coroas) são de 1 em 32, como qualquer outra combinação.

A Lei dos Pequenos Números

A Lei dos Números Pequenos se refere à falsa crença de que uma amostra pequena deve necessariamente conter os padrões da amostra maior de onde ela foi extraída. Essa crença é bastante universal entre as pessoas, atingindo pessoas comuns e especialistas nas diversas áreas do conhecimento. A lei dos pequenos números é, na verdade, a indicação de uma falácia. A Lei dos Grandes Números é conhecida e está correta: uma amostra grande, mesmo que incompleta, é representativa do conjunto maior.

Suponha que você tem uma piscina cheia com 50% de bolinhas azuis, 50% vermelhas, bem misturadas. Se você tirar poucas bolinhas ao acaso há baixa probabilidade de que 50% sejam azuis, 50% vermelhas. Se você aumentar a sua amostra também aumentam as suas chances de que metade sejam azuis, metade vermelhas.

Notas

Cartas do baralho Zenner usadas por Rhine em seus testes de telepatia.

(1) Há uma ambiguidade nos relatos históricos à respeito do experimento da Zenith Radio Corporation. Em alguns relatos se descreve que os especialistas telepatas escolhiam sem sorteio os sinais que seriam “enviados” aos ouvintes. Em outros relatos os sinais eram escolhidos através de sorteio (o que, claramente seria a coisa mais correta a se fazer).

No primeiro caso o número de adivinhações corretas seria bem maior pois a mesma escolha tendenciosa seria observada tanto na escolha como na adivinhação. No segundo caso as observações consideradas “preferidas” teriam maior quantidade de acertos.

O relato mais completo que encontrei foi dado por William Poundstone em seu livro Rock Breaks Scissors. Um trecho do livro pode ser encontrado no site Science Friday, listado nas referências. Segundo esse autor diversos tipos de experimentos foram tentados por um período prolongado de tempo. As transmissões usaram cores, como branco e preto; cara e coroa; X e O. Em alguns testes 7 escolhas eram “transmitidas” e, pelo menos uma vez, dois dos sinais foram deixados nulos, sem nenhuma transmissão. Em todos os casos as sequências “prediletas” foram bem adivinhadas pelos ouvintes. Os sinais nulos, a ausência de transmissão de qualquer informação, nunca foram percebidos por nenhum ouvinte.

(2) É claro que esses resultados foram motivos de polêmica por muito tempo. Por que Goodfellow não pode simplesmente aceitar que existe a telepatia? Ocorre que não existe, no paradigma atual científico, nenhuma justificativa ou embasamento teórico que justifique a existência de fenômenos como o da telepatia. Não há nenhum campo físico conhecido que pode ser gerado pelo cérebro humano e captado remotamente por outros.

Evidentemente esses campos podem vir a ser descobertos um dia. Pode ser que fenômenos paranormais sejam compreendidos e usados. Mas, sem nenhuma evidência teórica, o melhor a fazer é aplicar uma boa dose de ceticismo e buscar explicações alternativas que não necessitem de elementos estranhos e externos ao paradigma aceito e consagrado.

A situação é análoga à que ocorreu em 2011 no acelerador de partículas CERN, Suiça quando experimentos pareciam indicar neutrinos viajando em velocidades superiores à da luz. Tal coisa viola a bem estabelecida Teoria de Relatividade e, se confirmada, provocaria uma grande alteração na física. Cientistas desconfiados fizerem uma varredura em todo o sistema de medidas até descobrir que havia um cabo mal conectado em um dos aparelhos.

Bibliografia

Para onde caminha a humanidade?


Na sua opinião, por quanto tempo mais existirá a humanidade? Deixe seu comentário!

Evolução

“Se chegássemos ao fim da linha, o espírito humano definharia e morreria. Mas não creio que um dia sossegaremos: aumentaremos em complexidade, se não em profundidade, e seremos sempre o centro de um horizonte de possibilidades em expansão.”
— Stephen Hawking, O Universo numa Casca de Noz.

Humanos existem no planeta há aproximadamente 300 mil anos, o que é muito pouco se comparado à idade da Terra (4,5 bilhões de anos), ou ao aparecimento das primeiras formas de vida (em torno de 3,7 bilhões de anos). Na maior parte de sua existência os humanos não foram muito diferentes de seus primos, os grandes primatas: orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos. A civilização, por sua vez, só teve início há pouquíssimo tempo na Mesopotâmia e Egito, algo em torno de 6 mil anos atrás.


Observe que três elementos são básicos para a definição de civilização. São eles: a fixação à terra e domínio da agropecuária, o tratamento da água consumida e de esgoto, o uso da palavra escrita. Pense em quantas pessoas hoje estão excluídas!

O ritmo de desenvolvimento das comunidades humanas é vertiginoso e só se acelera. A revolução industrial, que teve início em meados do século 18 até o início do século 19, alterou de forma dramática a vida das pessoas, começando pelas grandes cidades e depois se espalhando por toda a parte. As máquinas, à princípio construídas sobre um entendimento de termodinâmica, foram drasticamente alteradas, primeiro com o desenvolvimento do eletromagnetismo e construção dos motores elétricos, mais tarde com o advento da eletrônica e da computação.

O efeito das máquinas sobre pessoas e sociedade foi, e ainda é, complexo. Por exemplo, máquinas liberam pessoas das tarefas extenuantes, repetitivas ou de precisão. Uma pessoa com uma máquina produz mais que um grupo grande de pessoas no passado. No entanto as máquinas são cada vez mais complexas e caras e não podem ser adquiridas (nem operadas) por todos. Elas substituem os operários nas indústrias e fazendas, aumentam o lucro dos donos e não contribuem para a distribuição da riqueza.

A tecnologia traz vantagens óbvias que poucas pessoas hoje estariam dispostas a desprezar. Temos telefones, computadores, equipamentos hospitalares sofisticados, medicamentos e vacinas, entre muitos outros produtos que agilizam e facilitam a nossa vida. De fato, a tecnologia tem prolongado a vida humana em muitos anos. E nos tornamos profundamente dependentes dela. Só para ter um vislumbre dessa dependência, imagine o seguinte: o que aconteceria se os sistemas de comunicação, inclusive satélites, entrassem em colapso e deixassem de funcionar? Pode ser um exercício interessantes pensar nisso mas algo se pode adiantar: a sociedade, como a definimos hoje, colapsaria rapidamente.

Nenhuma das listas de exemplos usadas aqui e em outras partes do artigo é exaustiva. Muitos outros poderiam ser anexados.

Outro exemplo de faceta múltipla do impacto da tecnologia está no uso de antibióticos. Com a descoberta de que microrganismos podem causar doenças e que os antibióticos podem matar alguns desses invasores (fungos e bactérias, em particular) muitas doenças foram completamente superadas. No entanto o uso generalizado, muitas vezes de forma inconsequente e sem a instrução de um médico, está causando o surgimento das chamadas superbactérias. Essas superbactérias se desenvolvem por meio de seleção natural dos indivíduos resistentes aos medicamentos. Estamos muito próximos da exposição a bactérias que não respondem à nenhum dos antibióticos conhecidos.

Uma nova pressão, muito mais sutil mas não menos desafiadora, está na facilidade de acesso à informação e a possibilidade de difusão da opinião individual através da Internet e dos ambientes sociais virtuais. O otimismo inicial de que mais informação traria uma sociedade mais capaz de decidir e de se harmonizar foi frustrado e substituído por uma ambiente de radicalismo, de negação científica e crescimento de conceitos esdrúxulos e teorias conspiratórias. Essa é uma tendência muito nova e ainda não completamente compreendida.

Dito isso uma pergunta se torna evidente:

Estamos melhores agora?

População Mundial
A população mundial hoje está em torno de 7,8 bilhões de pessoas. As linhas azuis representam estimativas para 2100 caso nenhuma medida inibidora do crescimento seja tomada (alta) ou na hipóteses de controle populacional (baixa).

Após todo esse processo evolutivo resta-nos perguntar: “Somos mais sensatos ou felizes?” É muito claro que vivemos um período de pujança produtiva. Sem tecnologia não seria possível produzir alimentos para um número tão grande de pessoas no planeta. Apesar da flagrante má distribuição da riqueza e dos recursos, hoje é produzida uma quantidade suficiente de alimentos para alimentar a toda a população do planeta, segundo o The World Economic Forum. Então um desafio óbvio é distribuir riqueza e recursos.

No entanto a população não para de crescer, principalmente nos setores mais carentes da população. Os meios de produção e o próprio cotidiano do cidadão moderno gera resíduos prejudiciais à natureza. Descarregamos uma quantidade de CO2 suficiente para alterar o clima, causando aquecimento por efeito estufa. Usamos tecidos sintéticos (em geral em mistura com fibras naturais) que produzem micro partículas plásticas levadas para rios e mares, afetando a saúde das espécies aquáticas. A produção de carnes exige a aglomeração de alto número de animais domesticados que poluem e consumem recursos hídricos importantes.

É frequente a afirmação de que a humanidade está falhando. O que se observa, no entanto, é exatamente o contrário: nossos problemas surgem do alto grau de sucesso na preservação e ampliação da espécie humana. Essa é a meta de todo ser vivo, microrganismo, planta ou animal. E humanos são animais, por mais que nossa vaidade vã, nossa filosofia ou religião, afirmem o contrário. Mais que isso, somos animais com a mesma estrutura cerebral de seres da caverna, nossos antepassados. Humanos colonizaram todo o planeta, de áreas geladas até os trópicos. Aprenderam a produzir comida domesticando animais e plantas.

Por que as pessoas ficam pálidas quando expostas a perigo ou ao levar um susto? Ficamos pálidos porque nossos vasos sanguíneos se contraem, provavelmente para não sangrar após um ataque de um tigre dente de sabre, ou outro animal. Os tigres se foram para a maioria de nós, os ataques ainda existem mas não na mesma proporção. Mas nosso corpo e cérebro são essencialmente os mesmos.

A humanidade é uma espécie altamente bem sucedida. O problema é que agora nos deparamos com um problema nunca visto antes: a Terra é finita. Dada a escala de nossa expansão podemos ainda afirmar: a Terra é finita e muito pequena!

Temos inúmeros relatos de casos em que um determinado animal populou uma região qualquer, sendo nisso bem sucedido. Digamos que um tipo de gato chegue a uma ilha onde encontre muitos pássaros e nenhum predador. Os gatos podem se fartar de tanta comida, sem medo de serem, eles mesmos, devorados. Eles então se multiplicam o ocupam toda a ilha até que suas presas são extintas. Gatos bem sucedidos terminam sua existência devido à finitude da ilha onde moram.

Nunca será demais
lembrar que:
a maioria absoluta das espécies que já existiram na Terra estão hoje extintas.
A última imagem representa um Neandertal. Eles foram extintos, entre outros motivos, pelos combates com homos sapiens. No entanto nos deixaram uma herança genética. Humanos fora da África têm de 1,8 até 2,6% de genes neandertais. Essa genética foi assimilada por acasalamentos entre espécies há cerca de 50 mil anos, logo após sua saída dos humanos da África. Estima-se que mais de 30% do genoma neandertal ainda existe na população humana moderna.

Podemos encontrar uma solução?

Espaço mineração
Representação artística de um buraco negro.

A tecnologia trouxe muitos problemas, inclusive por facilitar a expansão e sobrevivência humana. Deveríamos renunciar à ciência e tecnologia? Precisamos voltar a viver com a simplicidade de nossos antepassados, sem fazer uso de medicamentos ou máquinas?

Não se pode esquecer que tecnologia está associada à ciência, que é conhecimento. Hoje conhecemos mais, muito mais. Pela primeira em toda a história (pelo que se sabe) temos uma descrição fundamentada da origem do universo, da constituição da matéria, do processo de evolução dos seres vivos e de como as informações são passadas de pais para filhos por meio da genética. A indagação sobre o desconhecido é parte essencial dos humanos. Ela não pode ser abandonada. O uso da ciência na tecnologia é natural e dificilmente poderá ser impedido. Além disso outra pergunta pode ser feita: Existe outro caminho? Poderíamos ter tomado outra rota?

O passado não pode ser revisto. A situação desafiadora do presente é a única possível. Talvez possamos configurar e selecionar o futuro. E, para tal, é impensável descartar a tecnologia. Precisamos de mais tecnologia, de mais conhecimento. Precisamos aprimorar o processo educacional para formar cidadãos mais conscientes do processo civilizatório e dos problemas por ele introduzidos. A Educação é uma das chaves para o futuro.

Justiça e oportunidade

A construção de uma sociedade justa é outra condição essencial para um futuro harmônico e pacífico. Nenhum grupo de indivíduos, seja um bairro ou um país, terá paz com sua fartura e abundância de recursos se os grupos ao lado não têm acesso mínimo a condições de vida decentes.

Themis, a deusa grega da justiça, da lei e da ordem.

Humanos evoluíram em um ambiente hostil e de parcos recursos. Tribos com acesso a boas áreas agricultáveis atingiram suficiência alimentar mais cedo. Tribos que domesticaram cavalos aprenderam formas de guerra mais eficientes. A identificação entre membros de um grupo, necessária para a formação de aldeias e cidades, também trouxe a rejeição ao diferente, ao estrangeiro. É completamente natural que uma tribo de negros na África estranhe e rejeite a chegada de pessoas brancas em seu território.

Toda a humanidade hoje existente é descendente de uma tribo muito pequena surgida na África. Além disso houve diversos episódios de afunilamento, com a morte de muitos indivíduos. Por isso nossa “Eva Mitocondrial”, a mulher mais recente ancestral de todos os humanos atuais, viveu entre 100 a 230 mil anos no passado. Nosso Mais Recente Ancestral Comum, pela linha paterna, o “Adão-Y” é mais antigo, em torno de 340 mil anos atrás.

Essa identificação de grupo é a raiz do preconceito e segregação racial. A ciência, no entanto, mostra que existe uma variância muito pequena na genética humana. Todos os humanos no planeta possuem diversidade genética inferior à de um bando grande de chimpanzés. Nossas diferenças são superficiais, de fenótipo apenas. Não é verdade que as comunidades abastadas foram mais capazes que outras para reunir suas riquezas. Não é verdade que indivíduos em tribos primitivas não teriam condições de aprender ciência (ou outra arte) se expostos a bom sistema de ensino. Por isso é essencial que se procure a igualdade de oportunidades para todos, mesmo sabendo que nem todos os indivíduos terão o mesmo desempenho. Da mesma forma é necessário dar oportunidades iguais a pessoas de gêneros diferentes.

O futuro

O atual modelo de crescimento econômico está destinado ao colapso. Mesmo para baixo crescimento dos PIBs dos países, o que já é considerado um desastre no atual modelo, o crescimento é exponencial, o que significa o atingimento de números muito grandes passado algum tempo. Sem uma reformulação drástica do conceito de desenvolvimento estaremos sem recursos naturais em pouco tempo.

Muitas iniciativas promissoras estão em estudo e testes. Existe a exploração de recursos minerais extraídas de asteróides em órbitas próximas à Terra, o que indica a possibilidade de captação de recursos no espaço. Evidentemente a colonização de outros planetas (ou da Lua) pode ser uma alternativa importante para a preservação da espécie, embora estejam ainda em fases muito incipientes.

Concepção artísitca de uma mineração no espaço. Wikipedia,

De mais concreto temos avanços importantes: a neurociência está ampliando rapidamente o entendimento de nosso próprio cérebro. Ela poderá, inclusive, instruir os métodos de ensino para torná-los mais eficientes. As técnicas de inteligência artificial também prometem ser coadjuvantes importantes nas descobertas científicas, na compreensão dos dados em grande escala e até mesmo na educação, facilitando o desenvolvimento de programas de ensino adaptados ao indivíduo. Outro exemplo está na capacidade de edição genética, inclusive de indivíduos adultos, o que poderá resultar em conquistas médicas importantes.

É claro que essas novidades tecnológicas podem ser novas ameaças. Para evitar que as novas tecnologias sejam empregadas para aumentar a violência, a segregação e a injustiça a única alternativa está na educação do indivíduo em todas as partes, de todos os níveis sociais.

Não é impossível, nem improvável, que uma forte perturbação do tecido social, como pode ocorrer como consequência do aquecimento global, por exemplo, provoque uma ruptura no paradigma atual e altere nossos mecanismos mais profundos herdados do processo evolutivo. A atual crise com o COVID-19, alterando de forma radical o estilo de vida do cidadão e os meios de produção também pode servir como um alerta e um ponta-pé inicial em uma transformação de nível global em direção à um planeta mais equilibrado e sustentável.

Acreditar que a situação já é irremediável é tão perigoso quanto desconhecer o problema eminente.

Espero a discussão do leitor sobre esse assunto. Deixe seu comentário, sua discordância ou sugestão de debate na área de comentários.

O que podemos fazer para contribuir para a solução?

Leia mais nesse site:

Bibliografia

  • Harari, Yuval; Sapiens uma breve história da humanidade, Companhia das Letras, São Paulo, 2013.
  • Hawkings, Stephen; O universo numa casca de nóz, Editora Mandarim, São Paulo, 2001.
  • Pinker, Steven; Os anjos bons de nossa natureza, Por que a violência diminuiu. Companhia das Letras, São Paulo, 2013.
  • Greene, Joshua; Moral Tribes, Penguim Press, New York, 2013.
  • Coyne, Jerry; Why Evolution is True, Oxford University Press, New York, 2009.
  • Berkeley News; Montez, Roqua, Climate change and COVID-19: Can this crisis shift the paradigm?, 27 de abril de 2020, acessado em maio de 2020.
  • SPACE.COM; Asteroid Mining May Be a Reality by 2025 , acessado e, maio de 2020.
  • Wikipedia; Mitochondrial Eve, acessado em marco de 2020.

Um universo paralelo onde o tempo anda para trás?

A NASA encontrou evidências de um universo paralelo onde o tempo anda para trás?

Temos discutido aqui no phylos.net como a imprensa leiga divulga mal as notícias relativas à ciência. Desta vez, no mês de maio de 2020, notícias circularam o mundo com chamadas sobre um artigo do físico Peter Gorhan e sua equipe, supostamente cientistas da NASA, que teriam informado a descoberta de um universo paralelo com propriedades físicas simétricas mas invertidas, inclusive com o tempo correndo invertido (do futuro para o passado).

Grupos importantes de pesquisa no mundo, tais como as grandes universidades e o CERN, mantém contato com a mídia através de seu pessoal de relações públicas. Esse pessoal convoca coletivas de imprensa para fazer seus anúncios. Mesmo nessas situações é muito comum que um jornalista não especializado em ciência interprete mal as informações, ou exagere as novidades como forma de atrair leitores. Mais tarde suas notícias são replicadas pelo mundo todo, quase sempre mantendo ou piorando os erros originais. Não é raro que uma notícia completamente falsa, ou até mesmo uma piada, seja copiada e espalhada, alimentando os que gostam de pseudo-ciência e teorias conspiratórias. É extremamente importante que você descubra sites, canais na internet, revistas e jornais de confiança para se informar sobre ciência.

A maioria dos headlines de jornais e vídeos menciona um experimento com raios cósmicos na Antártida que teriam revelado evidências de que um universo paralelo formado durante o Big Bang e próximo ao nosso universo. Nele as leis da física seriam completamente opostas e o tempo corre para trás.


“Vimos algo que se parecia com um raio cósmico, como se visto em seu reflexo na camada de gelo, mas não estava refletido. Era como se o raio cósmico estivesse saindo do gelo. Uma coisa muita estranha”.

Na foto Peter Gorhan, professor Universidade de Manoa, no Havaí, principal investigador do projeto ANITA, com uma das antenas.

Procurando por informações mais abalizadas descobrimos que nenhuma das pessoas envolvidas é cientista da NASA. Claro que, em si, esse erro não invalida as afirmações mas representa um alerta de que esses jornais não fizeram boa pesquisa ao relatar a descoberta. Em termos gerais, embora é claro que não se possa generalizar, notícias da mídia não especializada são absolutamente inúteis para nos informar sobre avanços recentes da ciência. Infelizmente!

A notícia foi inicialmente veiculada em tablóides americanos e inglese e copiadas pelas jornais brasileiros. Uma descoberta de tal magnitude seria veiculada com entusiasmo pelas principais revistas científicas. No entanto nenhuma delas contém menções à descoberta de “um universo paralelo”.

Então, o que sabemos sobre o experimento? Os cientistas da Universidade de Manoa, no Havaí, estavam trabalhando no experimento Anita montado na Antártica, que consiste em uma série de antenas em solo e outras instaladas em balões de hélio que sobem a uma altura e até 37 mil metros para estudar partículas de altas energias, em particular neutrinos. O projeto Anita foi financiado por um consórcio de várias instituições, inclusive a NASA e do Departamento de Energia dos Estados Unidos. Essa formação de consórcios é comum nos dias de hoje pois os experimentos estão cada vez mais caros e não podem ser bancados por uma única universidade ou mesmo por um país.

Aparelho detector do ANITA, antes de ser lançado em balão.

O experimento ANITA detecta (indiretamente) neutrinos que são partículas com pequena massa de repouso, viajam com velocidades próximas (mas inferiores) a da luz e interagem muito pouco com a matéria ordinária. Por isso um neutrino pode atravessar o planeta Terra sem interagir com nenhuma de suas partículas. Neutrinos, no entanto, existem em variedades distintas. Eles estavam estudando um tipo de neutrino, o neutrino tau, uma das partículas fundamentais, que não poderiam atravessar a Terra com tanta facilidade. Eles tem origem cósmica e deveriam incidir sobre a Terra vindos do espaço. No entanto eles detectaram esse tipo de neutrino partindo do solo e acharam esse comportamento estranho. Peter Gorhan, um físico experimental de partículas descreveu esse fenômeno como sendo impossível com as atuais leis da física conhecidas. A possibilidade de um neutrino tau atravessar o planeta e sair pela superfície, do outro lado, é inferior a de 1 por 1 milhão. Como a equipe do ANITA detectou alguns desses eventos, Gorhan propôs que eles poderiam ser partículas voltando no tempo, em um universo paralelo. Há relatos de que a própria equipe de Gorhan tenha se sentido desconfortável com a hipótese exagerada do seu coordenador.

É necessário explicar que o modelo padrão de partículas da física atual é extremamente bem sucedido em explicar os fenômenos conhecidos. Um resultado que contradiga esse modelo geraria o que chamamos de uma nova física. É óbvio que a maior parte dos físicos apreciaria uma quebra de paradigma com a abertura de pesquisas em uma física diferente e mais ampla do que a que conhecemos hoje. Mas para tal seria necessário o surgimento de evidências muito fortes.

Já em 2018 o físico Peter Gorhan anunciou ter descoberto partículas na Antártica que não se encaixam no modelo padrão de física as partículas. Em sua descrição elas se pareciam com um raio cósmico visto em um reflexo na camada de gelo, como se o raio tivesse saído de dentro do gelo. Uma coisa muito estranha, de fato. Mas é muito pouca evidência para se concluir que o modelo padrão está incorreto. E muito menos para sugerir que existe outro universo onde o tempo é invertido.

O experimento ANITA

ANITA (Antena Impulsiva Transiente Antártica) é um experimento desenhado para estudar neutrinos cósmicos de energia muito alta. Ele usa um conjunto de antenas de rádio suspensas em um balão de hélio voando a 37.000 metros, capazes de detectar ondas de rádio (eletromagnéticas, portanto) que são emitidas quando os neutrinos de origem cósmica atingem a camada de gelo. Acredita-se que esses neutrinos cósmicos de alta energia são criados pela interação de raios cósmicos de energia muito alta (que são são partículas incidentes do espaço) com os fótons da radiação cósmica de fundo em microondas (gerada durante o Big Bang). O experimento busca, em parte, explicar a origem desses raios cósmicos.

Em janeiro de 2020, a ANITA realizou quatro vôos e detectou vários raios cósmicos vindos do céu dentro do campo de visão do experimento. Essas ondas de rádio são refletidas no gelo antes de atingirem a ANITA. A análise dos eventos mostram que dois deles captaram ondas originadas no solo, o que é inesperado pois a Terra deveria absorver os raios cósmicos nessa faixa de energia. Outro experimento chamado IceCube tentou reproduzir esse achado, sem sucesso.

Um pouco mais de física

Raios cósmicos são partículas de energia muito alta (geralmente entre 108 e 1019 elétron-volts, constituídos principalmente por prótons e por outros núcleos atômicos (combinações de prótons e neutrôns). Também existem neles elétrons, pósitrons (a antipartícula do elétron), antiprótons (a antipartícula do próton), neutrinos e fótons gama. Quando atingem a atmosfera essas partículas colidem com os núcleos dos átomos no ar na parte mais alta da atmosfera, dando origem a outras partículas e formando uma “chuva” de partículas com menor energia, os raios cósmicos secundários. Ao nível do mar chegam, em média, uma partícula por segundo em cada centímetro quadrado.

Esses raios secundários tem sua trajetória alterada pela campo magnético da Terra, produzindo ondas de rádio que se espalham à frente do chuveiro. As antenas de ANITA podem receber essas ondas de rádio depois que se refletem no gelo, chegando até o balão. Em algumas poucas situações elas podem detectar ondas ainda não refletidas, quando elas viajam no sentido horizontal.

Esses sinais são bem diferentes pois sua polarização muda quando as ondas de rádio são refletidas no gelo. Por duas vezes em 2006, e depois em 2014, ANITA detectou ondas saindo da superfície com a polarização idêntica às das ondas horizontais, sugerindo que essas ondas produzidas por chuveiros de partículas viradas para o alto, somo se acionados por partículas que atravessaram a Terra. Sabemos que os neutrinos podem fazer com facilidade e, portanto, à primeira vista não há contradição com o modelo padrão.

Mas, em exame mais minucioso, estas partículas com movimento ascendente tinham energia muita alta, suficiente para que tenham colidido com algum núcleo da matéria terrestre ao longo de sua viagem de 5700 quilômetros através do planeta. Os pesquisadores argumentaram que nenhuma partícula tão energética atravessaria a Terra sem ter interagido e se espalhado (afastando de sua direção original).

Existem aqueles pesquisadores que vêm nisso a necessidade de lançar mão de novo arcabouço teórico, em particular a hipótese da supersimetria, muito estudada mas ainda não comprovada. Eles alegam que é possível que um raio cósmico de energia muito alta tenha penetrado a Terra pelo lado oposto gerando um novo tipo de partícula (que não está no modelo padrão), com massa 500 vezes superior à do próton. Essa nova partícula poderia atravessar o planeta e gerar o chuveiro ascendente observado. Segundo eles o experimento IceCube, que consiste em uma malha gigante de detectores de partículas inseridos em buracos profundos afundados no gelo antártico, também detecta evidências desses eventos incomuns.

Essas observações podem fazer com que a comunidade científica considere com seriedade a possibilidade de uma nova física baseada nos resultados da ANITA. Mas eles sabem que têm, por enquanto, poucos elementos para reivindicar a descoberta de uma nova partícula e, em sua maioria, lamentam a divulgação espalhafatosa e excessivamente especulativa que tem sido associada com esse caso.

Referências

A Revista inglesa online NewScientist foi a primeira a divulgar a artigo copiado pelas demais mídias:
Jon Cartwright: NewScientist, We may have spotted a parallel universe going backwards in time, 8 de abril de 2020, acessado em maio de 2020.

Em 2017 a revista Science já havia publidado um artigo com a sugestão de que uma nova física poderia ser necessária:
Adrian Cho, Science: Oddball particles tunneling through earth could point new physics, sep. 27, 2018, acessado em maio de 2020.

Wikipedia: Cosmic Ray, acessado em maio de 2020.

Torre de perfuração do experimento IceCube, Dezembro de 2009. From Wikimedia Commons, the free media repository Jump to navigation Jump to search Foto: User Amble from English-language Wikipedia

Leia um pouco mais

Sobre possibilidades de universos alternativos: Universo e Multiverso
Sobre neutrinos e a matéria escura: Matéria Escura

Onde se informar?

Além desse site, é claro, existem muitas boas publicações na internet, livros e revistas de divulgação.  Os vídeos abaixo são bons exemplos.

 


 

Teoria da Evolução

Clique para ver imagem maior.
“Imagine que você é um professor de história romana e língua latina, ansioso por transmitir seu entusiasmo pelo mundo antigo… No entanto, você percebe que seu precioso tempo é continuamente consumido e a atenção da classe distraída por um bando de ignorantes que, com forte apoio político e financeiro, percorrem as salas de aula tentando convencer os alunos de que os romanos nunca existiram. Nunca houve um império romano. O mundo inteiro começou a existir pouco antes do que conseguimos nos lembrar. O espanhol, italiano, francês, português, catalão, ocitano e romanche, todas essas línguas e seus dialetos surgiram espontaneamente, isoladas umas das outras e sem nada dever ao latim, como seu antecessor”.
–Richard Dawkins
A lamentação de Adão e Eva, Igreja Ortodoxa de São Nicolau

Com essas palavras o biólogo Richard Dawkins expressa seu desalento com uma tendência moderna importante que consiste no negacionismo científico. Ela tem muitas vertentes mas, provavelmente, a mais antiga e mais ferrenha consiste na recusa em aceitar a teoria da evolução com base em argumentos religiosos ou meramente emocionais. Temos muitos exemplos de ocorrências parecidas na história da ciência. Quando Galileu Galilei, baseado nas observações de Kepler e Copérnico, apresentou a sugestão de que nosso planeta não ocupa um lugar privilegiado no cosmos, em torno do qual giram todos os astros, mas é um astro como bilhões de outros, ele sofreu forte rejeição da comunidade e, principalmente, da igreja. Da mesma forma foi difícil (e continua sendo, para muitos) compreender que seres humanos são animais e suas origens são as mesmas que as de macacos (nossos primos próximos) e peixes (primos mais distantes). De fato a teoria da evolução faz afirmativas extraordinárias, que podem ser difíceis de aceitar, entre elas a de que quaisquer dois indivíduos vivos na planeta hoje partilham de um ancestral comum. É claro que afirmações extraordinárias precisam de provas extraordinárias.

Cabe a pergunta: elas existem?

árvore da vida

“As afinidades de todos os seres da mesma classe foram às vezes representadas por uma grande árvore. Eu acredito que esse símile fala em grande parte a verdade.”
 
“Quaisquer dois indivíduos vivos na planeta hoje partilham de um ancestral comum”.
Charles Darwin

 
Na imagem o primeiro esboço da “árvore da vida” no caderno de Darwin, 1837.

Não é possível hoje ter um bom entendimento da biologia sem compreender a evolução. Sequer se poderá entender muito do que está envolvido na elaboração de medicamentos e suas consequências, na vacinação, no transformação de organismos em face aos desafios que enfrentam, no surgimento das superbactérias, etc.

O que é a Teoria da Evolução?

A observação da natureza mostra que existe uma grande riqueza na variedade de espécies espalhadas pela terra e que cada uma delas mostra uma adaptação perfeita (ou quase perfeita) ao ambiente onde vivem. Animais que são predados por outros animais velozes possuem também pernas velozes ou outro mecanismo de escape tais como o disfarce ou capacidade de se esconder. Plantas com flores possuem cheiros e cores atrativas para pássaros ou insetos que as auxiliam no processo reprodutivo. Temos a impressão de observar uma máquina sofisticada que, por analogia com outras máquinas conhecidas, devem ter sido projetadas e construídas de forma deliberada e inteligente.

Charles Darwin

Na descrição do filósofo inglês do século 18, William Paley, se encontramos no chão e examinamos um relógio, veremos que ele possui peças delicadas, harmoniosamente construídas para funcionar de um certo modo e atingir um objetivo. Concluímos logo que esse relógio dever ter sido construído por um relojoeiro hábil. Da mesma forma supomos que a complexidade da natureza tem um autor, supostamente Deus. A ideia vai de encontro ao pensamento bem estabelecido das religiões e mitologias que sempre buscaram encontrar explicações e razões para a existência.

A Teoria da Evolução tem outra sugestão, uma explicação alternativa. Ela deve ser considerada como uma hipótese até que se mostre que ela descreve bem as coisas observadas na natureza e, ainda, apresenta predições de coisas ainda não observadas e que podem ser confirmadas. Se tudo isso for obtido a hipótese ganha novo patamar de credibilidade e passa a ser considerada uma teoria. Exatamente isso aconteceu com a teoria de Darwin que é hoje considerada uma das maiores conquistas do conhecimento humano, ao lado de teorias como a relatividade de Einstein e muitas outras.

Assim como aconteceu com Einstein, Darwin não tirou do nada a sua teoria mas se embasou sobre o trabalho de outros pensadores, inclusive de seu avô Erasmus que já propunha o conceito de uma natureza em evolução. Darwin foi o primeiro a usar dados coletados no mundo natural para embasar a afirmação de que a natureza está em constante transformação, e o primeiro a propor o mecanismo da seleção natural como responsável pela sofisticação e detalhamento hoje observados. Em seu livro A Origem das Espécies, 1859, ele conseguiu estabelecer uma base científica para se discutir a variedade dos seres na terra e as origens dos humanos.

Considere um grupo de seres que vivem um uma região restrita do planeta. Digamos que seja formado por pequenos ratos de cauda longa, predadores de insetos e mamíferos menores, e predados por aves de rapina. Definimos como pool genético o conjunto de genes de toda essa população. Existe uma certa variância nesse pool, uma vez que os ratos são ligeiramente diferentes uns dos outros. Como sabemos os genes são os responsáveis pelo armazenamento dos dados de construção dos indivíduos, os transportadores da hereditariedade entre pais e filhos. No entanto os genes não são invariantes: eles se transformam por meio de mecanismos diversos, sejam eles internos, como falhas de duplicação do DNA, ou externos, como influência de elementos químicos, radiação ou ação de vírus. Essas mutações são aleatórias, podendo introduzir uma melhora de performance no indivíduo, pernas mais fortes, talvez, ou causando a sua morte (como no caso de câncer). Os genes mutados são passados para os filhos se os pais sobreviverem até a idade de procriação, alterando o pool genético.

Estas mutações podem ser radicais, causando o nascimento de filhos muito diferentes dos pais, ou serem pequenas, produzindo filhos bastante semelhantes aos pais. Alterações radicais tendem a não prosperar, matando rapidamente o indivíduo. Alterações mais suaves podem trazer vantagem, como melhor velocidade de escape na fuga de um predador, ou maior competência para a captura de seu alimento. Mas também podem trazer desvantagens: indivíduos muito lentos podem ser capturados antes mesmo de se reproduzir. Uma alteração possível seria a de novos ratos nascendo com caudas mais longas. Se isso facilitar a sua captura pelos predadores, as aves de rapina, então a comunidade veria uma lenta transformação em direção à ratos de caudas mais curtas. Por outro lado o meio ambiente também faz demandas de ajustamento. Se o clima começa a ficar muito frio os ratos de pelos compridos são favorecidos enquanto aqueles de pelos curtos podem não suportar o frio e morrerem antes da idade de procriação.

Resumindo, a evolução tem dois elementos básicos: a alteração lenta dos indivíduos provocadas por mudanças aleatórias em sua genética, e a seleção natural que faz prosperar alterações favoráveis à sobrevivência dos indivíduos. A seleção natural nada tem de aleatória. Ela filtra as modificações dos indivíduos favorecendo aqueles melhor adaptados ao ambiente.

Imagine em seguida que uma barreira natural surja separando fisicamente a comunidade dos ratos. Ela pode ser, por exemplo, o surgimento de uma cadeia de montanhas intransponível bem no meio da região onde moravam os primeiros roedores, dividindo em dois o grupo original. De um lado a dieta fica inalterada. Do outro apenas insetos voadores estão disponíveis fazendo com que alterações genéticas que favorecem ratos saltadores sejam preferidos pela seleção natural. Com o tempo as duas comunidades começam a divergir, podendo ficar tão diferentes que nem mais possam acasalar entre si. Nesse caso terá surgido uma nova espécie.

Essa descrição, apesar de simplista, ilustra o mecanismo da evolução proposto por Darwin. Não se conhecia na época a genética e como ela é responsável pela transmissão de características entre pais e prole. A descrição, inicialmente apenas uma hipótese, passou pelo teste da confirmação do que se observa na natureza e fez diversas predições sobre coisas que deveriam ser observadas, e de fato foram!

É um erro comum pensar que a evolução tem um propósito, uma direção preferencial. Pior erro é considerar que a humanidade é, de alguma forma, o ápice da evolução ou que todo o processo se deu para a geração de humanos.

A teoria de Darwin não trata de como a vida surgiu. Mas, considerando que temos hoje no planeta Terra uma grande variedade de seres, e que todos eles usam o mesmo mecanismo genético de carregar informações entre as gerações (que usam o código digital de quatro dígitos, que denominamos GCAT) é válido se propor que toda a vida partiu de um único ancestral comum.

Falácias Lógicas

Você já deve ter notado que as pessoas, em geral, não estão muito preocupadas com a consistência lógica de suas argumentações quando debatem. Isso provoca desperdício de esforço e tempo, pelo menos quando os envolvidos estão interessados em atingir alguma conclusão sincera. É fácil perceber que nem sempre o maior empecilho é lógico. Interações humanas são complexas e envolvem mais do que mero rigor lógico. De qualquer forma é útil compreender quais são as formas de se argumentar e quais são os erros mais comuns neste campo.

Na era da comunicação facilitada pela internet o debate vem perdendo rigor e sendo dominado pela parcialidade, partidarismo, rejeição e ódio entre grupos rivais. Existem muitos motivos, além dos lógicos, para que uma pessoa defenda apaixonadamente um ponto de vista. Ela pode ter se identificado pessoalmente com o argumento, por uso continuado, por tradição ou porque o considera útil para si ou seu grupo social. Pessoas constroem autoimagens baseadas em suas crenças e se sentem atacadas ao verem em disputa aquilo que tanto prezam. Pode ocorrer que alguém se apegue a um conceito durante a argumentação, e brigue por ele, para preservar sua autoestima ou consolidar sua posição como bom debatedor.

Seja qual for a causa geradora de falhas em um debate sempre é útil aprender a formalizar o raciocínio, entender um pouco de lógica ou a falta dela. Isso nos ajuda a manter a clareza de pensamento e sua expressão. Saber analisar argumentos de outras pessoas também nos ajuda a entendê-las, aceitando suas propostas ou as rejeitando quando necessário.

Introdução

Todos os argumentos têm a mesma estrutura básica: Se \(A\) então \(B\) onde \(A\) e \(B\) são afirmações. \(A\) pode ser formado por uma ou várias premissas, um fato ou suposição usado para a construção do argumento. Às premissas se aplica um tratamento lógico (então) para chegar a \(B\), a conclusão.

Exemplo:
  • A equivalência é um princípio lógico. Se usamos como premissas que \(A = B\) e \(B = C\), usando o princípio lógico da equivalência, concluímos que \(A = C\).

Uma falácia lógica é a aplicação incorreta de um princípio lógico. Um argumento baseado em uma falácia não é válido. Se as premissas são verdadeiras e a lógica é válida então a conclusão é válida. Premissas falsas, mesmo com lógica válida, levam a um argumento inválido, ainda que a conclusão esteja correta. Se todas as premissas são verdadeiras e a conclusão obtida é falsa então ocorreu um erro na argumentação, uma falácia lógica.

Defender a veracidade de uma afirmação é mostrar que as premissas são verdadeiras e a argumentação é válida. Refutar uma afirmação é mostrar o oposto: que as premissas são falsas ou a argumentação é falaciosa, ou ambos estão incorretos.

Evidentemente o exame das premissas é o primeiro passo em qualquer argumentação. De nada adianta prosseguir em uma longa série de raciocínios se as premissas estão incorretas. Premissas podem ser falsas, podem não ser sólidas (carregar dúvidas) ou serem apenas expectativas dos debatedores, algo que não podem ser mostrado ou inferido à partir do que se sabe.

Não é raro que um debatedor escolha apenas as premissas adequadas ao seu argumento, ignorando as desfavoráveis. Muitas vezes a conclusão esta decidida antes do debate e as premissas são escolhidas “a dedo” (cherry picking, em inglês) para alcançar a meta desejada. Portanto é uma boa prática identificar quais são as premissas usadas, verificando se há consenso entre os debatedores de elas estão corretas. Não é incomum a definição de premissas restritivas “para efeito do argumento”. Deve-se, no entanto, lembrar que as conclusões daí obtidas também sofrem das mesmas restrições iniciais.

Também existem as premissas ocultas, tratadas adiante. Elas tornam mais difícil o exame do argumento. Um desentendimento baseado em uma premissa não declarada não terá solução até que ela seja exposta com clareza.

Exemplos:
  • Um criacionista (alguém que rejeita a teoria da evolução) afirma: “Não posso crer na teoria de Darwin porque não existem ‘elos perdidos’ no registro fóssil”.
  • “Não aceito que as mulheres sejam tratadas como homens no mercado de trabalho. Mulheres são seres delicados que devem se dedicar à criação de seus filhos”.
Darwin

O “elo perdido” é uma referência a um fóssil meio humano meio macaco que provaria a evolução gradual de um animal ancestral parecido com um macaco moderno até seres humanos. No entanto antropólogos encontram toda uma série de fósseis mostrando a mudança gradual entre essas (e outras) espécies. A recusa em aceitar essa evidência está em uma premissa oculta (até que seja declarada) na crença religiosa da criação instantânea dos humanos e de todos os seres. No segundo caso é frequente o debatedor estar se baseando na premissa oculta de homens e mulheres possuem papéis fixos, determinados pela religião e pela tradição.

As duas argumentações citadas não podem levar a conclusões válidas, nem a favor e nem contra, apenas com os elementos citados. E certamente nunca chegarão a lugar algum se as premissas ocultas, que podem ser verdadeiras ou falsas, não forem declaradas e justificadas. Em ambos os casos o debate deve ser trazido para níveis mais básicos, na discussão das próprias premissas usadas.

Nossos cérebros, apesar de espetaculares, não estão livres de falhas. Pelo contrário, eles contém erros (ou bugs) conhecidos. Um exemplo desses bugs é a nossa tendência de usar atalhos de pensamento, instrumentos úteis na vida cotidiana mas que podem ser um empecilho quando tentamos ser racionais. Muitos desses processos foram acumulados evolutivamente. Por exemplo, um homem primitivo na savana pode julgar que uma folha em movimento indica a aproximação de um animal perigoso. Vale mais a pena fugir do que ir em busca da verdade.

Além disso não somos compostos apenas por partes lógicas. Humanos necessitam estar em grupo e a adesão à um conceito ou crença é parte essencial da formação desses grupos. Há quem argumente, por exemplo, que a religião foi o único instrumento com força suficiente para agregar populações enormes como as que hoje vivem nas grandes cidades. Você pode mudar de ideia para agradar sua família ou seu parceiro, sem nenhuma consideração lógica.

As falácias lógicas listadas não são independentes. Algumas delas são facetas ou variações de outra falácia. Elas podem ocorrer em grupos, mais de uma falácia na mesma argumentação. A lista que se segue não é exaustiva.

Non sequitur

A expressão latina non sequitur significa não decorre de. É a expressão genérica de uma falácia, da conclusão que não pode ser obtida logicamente das premissas. Afirmações totalmente desconexas são exemplos de non sequitur.

Exemplos:
  • “Minha primeira professora de piano era extremamente nervosa. Todas as professoras de piano são nervosas”.
  • “Sempre vejo meu vizinho com seu cachorro quando saio para caminhar. Acho que ele só caminha quando eu saio.”

Praticamente todas as falácias induzem a um erro do tipo non sequitur. Alguns autores recorrem a essa definição quando a falácia não se encaixa em nenhuma outra bem definida.

Ao homem

A falácia de ad hominem costuma ser mencionada por seu nome em latim e consiste no ataque à quem profere uma afirmação em vez de discutir o mérito da afirmação. Ela tem a intenção de desviar o foco da discussão desacreditando o oponente.

Exemplo:
  • “Você não pode afirmar nada sobre o regime militar de 1964 porque não é um historiador”.
  • “Pessoas céticas não acreditam que OVNIS (objetos voadores não identificados) vêm de outros planetas porque têm a mente fechada”.

Por mais que seja útil ouvir o relato de um historiador sobre eventos do passado, o fato de alguém não ser historiador não invalida suas afirmações no tema. Ele pode ter estudado o assunto ou simplesmente retirado a afirmação de alguma fonte válida, e pode até ter acertado por sorte. Atribuir a descrença sobre a origem extraterrestre de OVNIS à deficiência de quem não quer acreditar é outro exemplo.

De qualquer forma, diminuir o mérito de alguém para derrotá-lo em um debate consiste em ad hominem ofensivo. Também existe um segundo tipo, o ad hominem circunstancial, que ataca a argumentação questionando a motivação de quem debate.

Exemplos:
  • “O prefeito tomou medidas para diminuir a taxa de espalhamento da doença contagiosa na cidade, mas ele apenas quer agradar seu eleitorado e ser reeleito”.
  • A: “Não posso dar emprego a esse candidato porque desconfio de sua integridade. Por que ele foi demitido de seu último emprego”?
  • B: “Você não está qualificado para avaliar o candidato pois só mantém seu emprego por ser parente do patrão”.

Independentemente da motivação do prefeito as medidas tomadas devem ser avaliadas por seus méritos. Ataques ad hominem podem desviar o foco do debate e levar a uma mera troca de acusações.

Como em outros casos de falácias pode ser difícil saber se o argumento empregado tem ou não relevância no contexto da discussão. Um insulto ao oponente não representa, em si, um ad hominem se não for usado como meio de chegar a uma conclusão. O importante é que o argumento não é suficiente para que as partes cheguem a uma decisão. Existem casos, como em um depoimento judicial, em que podem ser extremamente importantes atacar ou defender a credibilidade de quem levanta uma argumentação.

Apelo à hipocrisia

A falácia do apelo à hipocrisia, tu quoque ( que significa: você também) ocorre quando, ao invés de considerar argumentos, o debatedor aponta alguma contradição entre o que a pessoa está defendendo e suas ações ou afirmações prévias. O objetivo é de desviar a atenção do mérito da argumentação, apontando para uma suposta incoerência do adversário. Essa falácia é também uma modalidade de ad hominem.

Exemplo:
  • “Você defende o socialismo mas usa um iPhone”.
  • A: “Se você tratar seus colegas de trabalho com cordialidade você será bem tratado por eles”.
    B: “Mas você é muito grosseiro com seus subordinados”.
  • A: “O cristianismo é bom porque estimula as pessoas a serem melhores em sua vida”.
    B: “Você não poderia afirmar isso porque é um péssimo pai e marido”.

Se a alegação de incoerência for falsa e inventada ela representa apenas um ataque gratuito que pode ter outras consequências além da perversão do debate. Mas, mesmo que seja verdadeira, ela não é uma argumentação válida pois é perfeitamente possível que uma pessoa incoerente esteja dizendo algo válido.

Culpa por associação

A culpar por associação consiste na tentativa de invalidar um argumento porque ele está associado a uma pessoa, ou grupos de pessoas, consideradas de má reputação por quem argumenta.

Exemplos:
  • “O presidente Obama queria estabelecer um sistema de saúde nos EUA semelhante ao de países socialistas, o que é inaceitável”.
  • “Mulheres não deveriam ter permissão para dirigir, como acontece nos países não muçulmanos.”
  • “O catolicismo está desacreditado no mundo porque Hitler era católico.”

O projeto de Obama para o sistema de saúde poderia ser bom (ou não) independente de ter sido o modelo adotado em alguns países socialistas. É um exemplo claro de non sequitur. A conclusão não é consequência lógica da premissa. O segundo exemplo é usado em países islâmicos que, com frequência, buscam se distanciar do comportamento ocidental. Claro que a argumentação só pode ocorrer entre pessoas que concordam com a premissa. Caso contrário ele seria um contra-argumento.

Uma forma de se conseguir aderência mais ampla para a argumentação é usar premissas universalmente (ou quase) aceitas, tais como a rejeição à Hitler e o nazismo.

Apelo às consequências

Uma afirmação pode ser verdadeira mesmo que, em decorrência dela, coisas desagradáveis possam ocorrer ou que tenhamos que concluir coisas de que não gostamos. Da mesma forma as consequências positivas de uma proposição não implicam que ela seja verdadeira. Defender ou refutar um argumento apelando para as suas consequências é uma falácia lógica comum. Reagimos com esperança às proposições com consequências positivas e com temor quando elas são negativas. Nada disso tem poder para tornar uma argumentação verdadeira ou falsa. A falácia do apelo às consequências (argumentum ad consequentiam) pode ser reconhecida como uma pista falsa ou manobra de distração (algo que nos alerta para um problema nos argumentos usados), porque desvia a atenção da proposição original para as consequências que ela gera.

A falácia pode assumir as seguintes formas:

  • Uma proposição é considerada falsa porque, se fosse verdadeira, implicaria ou causaria algo ruim, imoral ou indesejável (subjetiva ou objetivamente).
  • Uma proposição é considerada verdadeira pois, assim sendo, ela implica ou gera algo bom, desejável e moral (subjetiva ou objetivamente).

Muitas vezes essa falácia é também um apelo aos sentimentos.

Exemplos:
  • Historicamente a Teoria da Evolução de Darwin levou à políticas de eugenia. Logo a Teoria da Evolução é falsa.
  • Acreditar em Deus torna as pessoas mais caridosas (ou mais felizes), logo Deus existe.
  • Se a gravidade existe uma queda de um local alto pode machucar ou matar. Logo a gravidade não existe.
  • Uma política de redução dos gases que causam aquecimento global teria um custo alto para a economia das países. Logo esses gases não afetam o clima.
  • A alma humana é imortal, caso contrário não haveria motivo para viver.
  • Se Deus não existisse as pessoas seriam todas assassinas.

O espantalho

A falácia do espantalho consiste em desvirtuar o argumento do seu debatedor para torná-lo mais fácil de atacar, tornando-o uma caricatura deformada (o espantalho) que contém apenas aspectos desfavoráveis ou simplesmente mentirosos. Esse é um tipo de desonestidade intelectual que prejudica a racionalidade do debate. Ela conta com a ingenuidade e ignorância de quem ouve e, quando compreendida, deveria minar a confiança sobre quem usou o artifício pois, se ele é capaz de representar negativamente o argumento do oponente, provavelmente também desvirtuaria seus próprios argumentos positivamente. Deturpar um ideia é muito mais fácil do que refutar as evidências que a apoiam.

Exemplos:
  • “Ana disse que o governo deveria investir mais em educação. Bela respondeu dizendo que Ana odeia o Brasil pois quer que o país fique indefeso sem acesso à verbas para os militares”.
  • A: “Por que o governo só se preocupa com o combate ao crime relegando políticas sociais a um segundo plano”?
    B: “Você subestima o aumento da violência, da quebra de lei e ordem em grande escala. Você deseja uma sociedade onde as pessoas não se sintam seguras”.
  • “Este biólogo quer me convencer de que nossos avós eram chimpanzés que estão agora se balançando entre as árvores, uma afirmação ridícula”.
  • “Se humanos vieram dos macacos por que ainda existem macacos”?

Para tornar o debate mais fácil foi feita uma representação errônea e simplista da biologia evolucionária que afirma a existência de um ancestral comum de humanos e chimpanzés, há milhões de anos.

A falácia do espantalho é uma tentativa de se evitar o real assunto em debate. Ela pode ocorrer por mera ignorância do debatedor ou ser voluntária. Nesse último caso ela é uma atitude de má fé. Uma maneira sutil de fazer isso consiste em desvalorizar as defesas do adversário sem considerá-las, o que viola uma regra básica de um debate que é ouvir com atenção o que o outro diz e procurar compreender o que foi dito.

(1) Citado no site Filosofia na Escola, A falácia do Espantalho.

Um caso muito interessante1 diz respeito ao comportamento de pessoas contrárias ao pensamento da filósofa americana Judith Butler, reconhecida por seus estudos sobre gênero. Em sua visita ao Brasil em 2017 esses opositores se manifestaram contra a sua visita fazendo protestos no aeroporto e em frente ao local do seminário. Um dos manifestantes, um advogado de 24 anos, se explicou da seguinte forma:
“A gente não está aqui pelo tema da palestra, a gente está aqui porque Judith Butler é uma propagadora da ideologia de gênero, uma das principais criadoras e a que mais propaga isso aí. Não é contra as pessoas que são homossexuais ou contra o homem que quer se vestir de mulher. É contra uma ideologia que está sendo pregada às crianças, tentando dizer que mesmo que você nasça homem ou mulher, você pode ter um gênero diferente disso aí. É um absurdo”!

A rejeição à Butler e o protesto foram baseados numa distorção de seu pensamento. Nesse caso é difícil dizer se houve má fé com a distorção intencional das propostas da autora, ou se foi mera ignorância.

Exemplos mais sutis da falácia do espantalho:
  • Ateus odeiam Deus.
  • Ateus não acreditam em nada.

“Cherry picking” ou escolha seletiva de argumentos é uma das formas de construir um espantalho, onde apenas características favoráveis ao argumento são apresentados.

Apelo à autoridade

A falácia do apelo à autoridade consiste em afirmar que alguém, um suposto perito no assunto debatido, afirmou ou concorda com o que está sendo afirmado. O inverso também pode ser usado: as afirmações de uma pessoa não é qualificada sobre um tema devem ser falsas. A autoridade pode ser concedida a alguém que estudou o assunto por muito tempo, que tem formação acadêmica ou é reconhecido pela comunidade. Devemos nos lembrar que uma pessoa ou instituição em posição de autoridade pode estar errada. Também não é impossível que a afirmação de alguém não qualificado esteja correta.

Na prática pode ser bastante difícil lidar com essa falácia. É natural que em um debate se evoque a autoridade de um especialista no tema em questão. Se a autoridade citada for alguém realmente bem informado sua afirmação deverá ter peso no debate. No entanto as conclusões daí deduzidas não devem ser consideradas finais. Um argumento deve ser completo e formado por seus próprios méritos.

Se a opinião de um especialista for usada é necessário compreender porque ele tem esse posição e como ele obteve sua certeza. Muitas vezes é difícil, se não impossível, que pessoas não qualificadas em um aspecto específico do conhecimento compreendam plenamente as afirmações de um cientista, por exemplo. Nesse caso é importante que os debatedores compreendam, pelo menos em princípio, o método científico.

(2) Essas palavras só fazem sentido para quem quer refutar a teoria da evolução, da mesma forma que alguém que não aceita as teorias conspiratórias dos que defendem a “terra plana” não se intitulam “terra-redondistas” ou “terra-bolistas”!

Um exemplo é o debate realizado entre “evolucionistas” e “criacionistas”. A Teoria da Evolução é hoje um esteio básico para todo o entendimento da biologia. Existem inúmeras evidências que comprovam seus postulados, conclusões e previsões. Mesmo assim, principalmente com base na fé religiosa, muitas pessoas, inclusive alguns cientistas, defendem que a vida foi programada e construída por Deus em pouquíssimo tempo. É possível, portanto, encontrar estudiosos “criacionistas” (embora em pequeno número!).

Outro debate importante é sobre o aquecimento global e sua origem nas atividades humanas. Há um consenso amplo na comunidade científica de o aquecimento está ocorrendo. Um número expressivo deles ainda defende que a causa é a descarga de gás carbônico na atmosfera, principalmente devido ao uso de combustíveis fósseis. Existem também, embora em menor número, alguns estudiosos que negam o aquecimento ou que sua origem esteja na atividade humana.

Em ambos os casos a decisão sobre quem tem razão deve passar, necessariamente, por um estudo da questão e dos métodos de conclusão utilizados.

Exemplos:
  • “Impossibilitado de defender a sua posição de que a teoria evolutiva ‘não é real’, Caio diz que conhece um cientista que também questiona a evolução e cita uma de suas famosas afirmações”.
  • “Pilotos da aeronáutica, que são profissionais altamente treinados, relataram ter visto OVNIS no céu. Logo eles devem existir”.

Uma variante mais restritiva e mais fácil de ser refutada é o apelo à autoridade irrelevante.

Apelo à autoridade irrelevante

Ocorre em argumentações que o apelo faz referência a pessoas não habilitadas para opinar. O apelo a uma autoridade irrelevante, alguém que não é um especialista no tema debatido, embora não seja prova do erro, levanta uma dúvida séria sobre a afirmativa defendida. Um exemplo é o apelo a uma autoridade não revelada ou vaga, no sentido em que não se pode conferir qual foi a verdadeira afirmação por ela proferida. Hoje são clássicas as frases do tipo “estudos revelam”, “cientistas provaram”, etc. A falácia ad populum, a crença de que algo deve ser verdadeiro se é defendido por um grande número de pessoas, é outro exemplo. Outra forma clássica é o apelo à sabedoria antiga, onde se assume que algo é verdadeiro porque foi originado num passado distante. Da mesma forma o apelo à uma autoridade religiosa pode constituir uma falácia grave.

Exemplo:
  • “A astrologia era praticada há milênios na China, logo deve ter um fundamento”.
  • “Meu pastor afirma que o elo perdido entre humanos e macacos nunca foram encontrados, logo a evolução não existe”.
  • “Não acredito em átomos com prótons e elétrons porque nunca vi nada disso”.

O argumento de antiguidade não serve para mostrar que a astrologia tem qualquer vinculação com a realidade (embora também não sirva para desqualificá-lo). O pastor pode ser bem instruído sobre as doutrinas que ensina mas isso não o qualifica a fazer afirmações sobre biologia. No último caso a autoridade irrelevante, como ele mesmo se declara, é o próprio afirmador.

Falácia naturalista

A falácia naturalista consiste em afirmar que algo está correto ou é bom porque é natural, derivado diretamente de um objeto da natureza. Alternativamente, afirmar que algo é falso, ou ruim (mal) se não está disponível na natureza.

Exemplos:
  • “Medicamentos fitoterápicos não fazem mal pois são extraídos de plantas”.
  • “Alimentos geneticamente modificados são um grande perigo para a saúde humana”.

A falácia naturalista é o conceito de que tudo o que é encontrado na natureza é bom por princípio. Ela foi usada na base do Darwinismo Social, a crença de que ajudar pobres e doentes seria algo contrário à evolução, que depende da sobrevivência do mais adaptado. Hoje os biólogos denunciam isso como uma falácia pois eles pretendem descrever o mundo natural com honestidade, sem fazer apelos morais àquilo que julgamos ser normas de comportamento. Um exemplo é a afirmação: ‘se pássaros e outros animais cometem adultério, infanticídio e canibalismo então humanos também podem fazer isso’.” (Steven Pinker, The Blank Slate)

Remédios fitoterápicos podem ser danosos à saúde como qualquer outro remédio, principalmente se tomados em doses exageradas. Algumas plantas são venenosas, mesmo em baixas dosagens. Alimentos geneticamente modificados tem sido usados há muito tempo sem que nenhum efeito colateral para a saúde humana tenha sido detectado. Vale lembrar que a absoluta maioria dos produtos que hoje consumimos, inclusive verduras e frutas, não estão em sua forma natural mas passaram por longo processo de alteração por meio de seleções não naturais.

Esse significado do termo “falácia naturalista”, como idêntico à “apelo à natureza” e algo diferente do significado original, tem sido bastante empregado na atualidade.

A falácia do equívoco

A falácia do equívoco consiste na exploração de significados ambíguos de palavras que são usadas de maneiras diferentes durante o argumento para sustentar uma conclusão infundada. Por isso, em qualquer debate, os termos usados devem ser claramente definidos dentro do contexto em que são aplicados. Quando se emprega o mesmo sentido para uma palavra em todo o argumento, ela está sendo usada de modo unívoco ou inequívoco.

Exemplo:
  • “Você diz que não tem fé mas quando age com fé o tempo todo. Fecha negócios, confia em amigos, acredita que o sol vai nascer pela manhã”!

Aqui, o significado da palavra “fé” é usado à princípio como crença espiritual num criador e depois muda para uma questão de confiança em outras pessoas ou eventos naturais.

Um exemplo clássico pode ser encontrado na discussão entre religião e ciência. A expressão “por que” pode ser empregada com o significado de “quais são as causas”, e nesse sentido ela é plenamente contemplada pela busca científica. Um objeto cai porque é atraído pela massa da Terra e essa atração obedece a lei da gravitação de Newton. Essa lei não é completa e não explica a causa da atração mas apenas a sua forma. Essa limitação foi saneada (em certa medida) pela teoria de Einstein que explica a atração entre massas como causada pela curvatura do espaço-tempo. Mas, se a expressão for usada com o significado “com qual propósito”, algo que pode ser importante para a abordagem religiosa, ela não terá nenhuma resposta científica.

Exemplo:
  • “A ciência pode explicar como as coisas funcionam mas é incapaz de nos explicar porque existimos, porque alguma coisa é correta ou imoral. Portanto precisamos de outra fonte, como a religião, para nos dizer porque as coisas acontecem, o que é ético e o que não é.”
  • “Um amigo estava caminhando na calçada quando foi atingida por um tijolo que se soltou, provocando sua morte. Por que logo ele foi atingido?”

A ideia de propósito em geral envolve motivação moral que são importantes para a psique humana mas que não tem representação real na natureza. No exemplo do tijolo solto, houve motivação para que o tijolo atingisse a pessoa? Alguma justiça ou injustiça foi aplicada?

A falácia do equívoco pode estar baseada em uma falha geral na definição dos termos.

Exemplo:
  • “O homem é o único animal racional. Mulheres não são homens, logo nenhuma mulher é racional.”
  • “Beto disse que deve chover hoje. Mas não acho que nuvens não vão atender a sua expectativa.

O uso da palavra “homem” (bem equivocado!) se refere à “humanidade”, e não ao gênero. Esse é um erro comum como se vê no uso universalizado de expressões como “Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem”. No segundo caso a palavra “deve” foi usada como “é provável”, mas o outro a interpretou como “desejo que”.

Falsa dicotomia

A falsa dicotomia, ou falso dilema, é um erro lógico que consiste em excluir todas as possibilidades de resolução de uma questão deixando apenas duas categorias possíveis. Essa falácia procura estabelecer a verdade de uma afirmação em contraposição a uma única posição divergente oposta à primeira, em geral mal escolhida e fácil de refutar. Com frequência as posições consideradas representam facetas extremas de alguma questão que suporta um espectro vasto de opções. Ela se aproveita do chamado “pensamento binário”, uma consequência da crescente radicalização das posições em voga na atualidade. Ao rejeitar uma das opções apenas a versão oposta pode ser verdadeira. Essa forma de pensamento provavelmente decorre do fato de que, muitas vezes na natureza, as coisas realmente são dicotômicas, tal como a ocorrência de um evento. Algo ocorreu ou não ocorreu!

Exemplo:
  • “Marcos falou contra o sistema capitalista, logo ele é comunista.”
  • “Se não reduzirmos os gastos públicos nossa economia entrará em colapso.”
  • “Brasil: ame-o ou deixe-o.”
  • O universo não pode ter sido criado do nada, então deve ter sido criado por Deus.

O proponente de um falso dilema pode agir de forma desonesta, ocultando as demais possibilidades, mas também pode ignorar que elas existam. Em qualquer dos casos é útil que um dos debatedores possa ter uma visão mais ampla do problema, apresentando soluções adicionais.

O oposto dessa falácia também ocorre no falso contínuo, que consiste em amenizar diferenças de coisas que são, de fato, extremos opostos. Ela consiste em tomar duas coisas distintas e antagônicas e buscar amenizar a diferença entre elas sob a o argumento de que são parte de um espectro contínuo.

Exemplo:
  • “Políticos de extrema direita e de extrema esquerda são idênticos. Todos são apenas políticos”.

Causa questionável

A causa questionável ou causa falsa é a confusão, muito frequente, entre correlação e causalidade. A falácia que consiste em estabelecer, sem provas, que a causa de alguma coisa é um evento anterior ou simultâneo a ele. Ela é denominada também pela expressão latina post-hoc ergo propter hoc que significa “depois disso, logo causado por isso”. Se um evento ocorre depois de outro assume-se que ele foi causado pelo primeiro.

Causalidade?

A correlação entre eventos pode ser pura coincidência ou resultado de algum outro fator. Sem evidências extras não é possível concluir que um evento causou o outro. Existem inúmeros exemplos clássicos de coisas que exibem comportamentos sincronizados (talvez aproximadamente) por algum tempo sem que um seja o causador do outro.

Exemplos:
  • Em uma universidade (fictícia) se verificou que 80% dos alunos que abandonam cursos tiravam notas abaixo da média. Logo se conclui que o baixo desempenho é a causa da evasão.
  • “Na década de 1990 o envolvimento das pessoas em grupos religiosos e o uso de drogas estavam em alta. Portanto a religiosidade provoca o uso de drogas”.

Nesses casos as conclusões apressadas geram falácias lógicas. Estudos mostram que existem muitos fatores que causam essa evasão. O abandono do curso e o baixo desempenho podem ter causas comuns tais como acesso do estudante à recursos financeiros e escolha errônea da carreira. Pode ocorrer que as drogas incrementem a religiosidade, que as variáveis estejam atreladas a uma terceira, ou ainda que sejam totalmente não correlacionadas.

Correlação não implica em Causalidade

Existe também abuso lógico na atitude contrária: a negação de causalidade bem estabelecida por estudo estatístico.

Exemplo:
  • No estudos clínicos de verificação de eficiência de um medicamento novo envolve muitas variáveis que devem ser controladas. Não basta correlacionar o uso de medicamento com a melhora do paciente. Controles usuais são o uso de placebos e de controle randomizado e cego de pacientes que usam a droga, usam o placebo ou não usam nada.
  • Foi observado que o fumo causa câncer. A indústria do cigarro tentou descartar a afirmação alegando que “correlação não prova causalidade”. Vários outros teste foram necessários, tais como associar tempo de uso do cigarro e uso de filtros com a incidência da doença.

Essa busca forçada por explicações causais são uma característica evolutiva de nosso cérebro treinado para encontrar padrões. Ele é falho pois nos faz perceber padrões e relações que não existem. É o que ocorre quando julgamos ouvir alguém invadindo nossa casa quando escutamos um barulho natural ou não ligado a um invasor. Efeito parecido é o da pareidolia, que nos faz ver faces em borrões e manchas.

Exemplo:
  • “Os terremotos e furações estão muito frequentes porque as crianças não rezam mais nas escolas”.
  • “A AIDS é uma doença gerada pelo comportamento imoral de algumas pessoas”.

Resta lembrar que, mesmo que se verifique mais tarde que a suposta causa é responsável pelo evento que se deseja explicar, a afirmação continua falaciosa pois é logicamente incompleta. A falácia seguinte não raro ocorre junto com a causa questionável.

Generalização precipitada

Generalização precipitada é a falácia que ocorre quando se conclui algo a partir de amostra pequena ou específica demais para representar o conjunto sobre o qual se quer decidir algo.

Exemplos:
  • “Alguns adolescentes vandalizaram o praça pública. Adolescentes são sempre mal comportados”.
  • “Em Nova Iorque e fui maltratado por vendedores nas lojas. Americanos são muito grossos”.
  • “A maioria dos brasileiros apoiam o plano do governo federal para aumentar a oferta de empregos diminuindo os direitos trabalhistas. Sabemos isso porque perguntamos a opinião de quase todos os moradores de um bairro nobre de São Paulo.”
  • “As pessoas acreditam que um determinado medicamento funciona bem porque foi testado e aprovado por alguns conhecidos”.

Generalizações precipitadas podem levar a erros catastróficos. Foi o que se deu com a explosão do foguete europeu Ariane 5 em seu primeiro voo de teste. O software de controle do foguete havia sido utilizado sem falhas com o modelo anterior, Ariane 4. No entanto os engenheiros descobriram que nem todos os cenários possíveis de ocorrer no Ariane 5 estavam previstos pelos testes anteriores. Exatamente um desses que causou a falha.

Apelo ao medo

A falácia do apelo ao medo (argumentum ad metum) cria a ameaça de consequências desastrosas caso a proposta do adversário seja escolhida, sem provas objetivas dessas consequências (ou não seria uma falácia). O argumento é portanto baseada em distorções dos fatos, de retórica ou puras mentiras.

Exemplo:
  • “Todos os funcionários dessa empresa devem votar no meu candidato. Se o outro candidato ganhar ele vai aumentar impostos e vocês ficarão desempregados.”
  • “É melhor você me entregar todos os seus objetos de valor antes que a polícia chegue aqui. Senão, os policiais vão colocá-los num depósito e suas coisas ficarão perdidas no depósito.” (Do livro O processo de Kafka).
  • “Converta-se à minha religião e vá para o céu. Do contrário vá para o inferno”.
  • “Respeito sua opinião mas ela te trará muito sofrimento na vida”.
  • “Faça esse plano de seguros pois você pode sofrer um acidente grave”.

Ameaças ostensivas e genéricas tendem a não oferecer evidências e são, quase sempre, tentativas de manipulação. No apelo ao medo há a tentativa de argumentação, em geral obscurecendo a ligação frágil entre a decisão e a consequência nefasta.

Quando um apelo ao medo descreve uma série de eventos indesejáveis como consequência de uma determinada opção, sem mostrar a conexão causal entre a proposta e essas consequências, ele se assemelha à falácia da bola de neve ou rampa escorregadia. Quando o apelo menciona apenas uma alternativa ela pode ser um tipo de falso dilema.

Note que existem afirmações que fazem apelo ao medo mas não são falaciosas. Nesse caso a ameaça pode ser comprovada por estudo ou argumentação posterior.

Exemplo:
  • “Ao dirigir em caso de chuva forte diminua a velocidade, ou você poderá sofrer um acidente”.

A insinuação de medo, incerteza e dúvida é uma técnica usada com frequência em campanhas de marketing (onde se criou a expressão FUD, fear, uncertainty and doubt). Ela é muito usada na busca de fidelização de clientes a uma determinada marca através de sugestão de que háa algum risco na compra de produto de outra marca.

Apelo à ignorância

O apelo à ignorância (ad ignorantiam) consiste em afirmar que algo é verdade apenas porque não foi provado falso. Ele transforma a ausência de evidência em evidência de ausência.

Exemplos:
  • “Não temos como explicar todas as aparições de OVNIs, logo eles são naves de outros planetas.” (Citado por Carl Sagan)
  • “A perceção extrassensorial é um fato pois não conhecemos a totalidade do funcionamento do cérebro humano”.
  • “Não posso entender como humanos podem ter viajado até a Lua, logo isso nunca aconteceu.”
  • “Não temos a menor compreensão de como a vida surgiu na Terra e nem como foram formadas as estruturas biológicas mais complexas. Por isso defendo o desenho inteligente”.

Ela é uma forma de esquecer um fato lógico básico e importante que é o ônus da prova é de quem faz afirmação“. Se afirmo que possuo um unicórnio rosa e invisível guardado no armário eu terei que provar isso, e não esperar que outra pessoa mostre que isso não é possível.

Afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Caso contrário temos que assumir nossa ignorância sobre o fato. Além disso não é correto se afirmar que, coisas para as quais não existem explicação no momento, são inexplicáveis.

Nenhum escocês de verdade

Essa falácia recebeu o nome do exemplo dado por Antony Flew em 1975 em seu livro Thinking about Thinking (Pensando sobre pensar). “Lendo o jornal Hamish se depara com uma notícia sobre um inglês que cometeu um crime horroroso. Ele reage dizendo: ‘Nenhum escocês faria algo tão horrível’. No dia seguinte o jornal traz outra notícia sobre um escocês que cometeu outro crime, ainda mais terrível. Mas Hamish não muda de opinião e afirma: ‘Nenhum escocês de verdade faria tal coisa’”.

A segunda afirmação redefine o que se entende por escocês de forma a manter inalterada a afirmação. Esse tipo de argumento surge quando alguém faz uma generalização sobre um determinado conjunto de elementos e, sendo mais tarde desafiado por evidências que mostram o contrário, ele redefine a natureza de conjunto a que se referia, de forma vaga e arbitrária.

Exemplo:
  • “Programadores são pessoas antissociais e de difícil convívio.” Outra pessoa nega essa afirmação dizendo: “Conheço o Paulo, um programador extrovertido e afável, que se relaciona muito bem com todas as pessoas da empresa”. O afirmador inicial refaz sua afirmação: “Verdade, mas o Paulo não é um programador típico.”

Aqui, não está claro o que ele considera ser um programador típico. Com uma redefinição apropriada do conjunto mencionado, a afirmação seria sempre verdadeira perdendo portanto a sua importância.

Se o debatedor redefine uma categoria flexibilizando o significado do termo usado para definí-la ele pode estar usando também a falácia do equívoco (onde um termo é usado de formas diferentes). Se ele altera o escopo do conjunto para menosprezar o argumento do adversário ele pode estar usando o espantalho.

Falácia genética

Nesse caso a palavra genética se refere às origens de um argumento, tanto histórica como da pessoa que o gerou. A falácia genética ocorre quando um argumento é defendido ou desvalorizado com base em suas origens, sem o exame de seu mérito intrínseco. Ela exibe apreço (ou desprezo) pelo argumento apenas devido às suas origens.

Exemplo:
  • “Ele apoia a greve dos sindicatos porque era um sindicalista antes de se tornar político”.
  • “Estamos no século XXI, não podemos continuar mantendo crenças da Idade do Bronze.”
  • “Carros produzidos na China não são bons porque eu não confio em chineses.”
  • “Não deveríamos continuar usando os termos ‘por do sol’ ou ‘sol nascente’ pois essas expressões foram criadas quando se pensava que o sol girava em torno da terra.”

No primeiro caso não há análise do mérito em se apoiar a greve mas apenas uma tentativa de desvalorizar o apoio com base na origem do político. No segundo não existe uma consideração sobre o porque das ideias antigas não permanecerem válidas. A terceira espera lançar descrédito sobre um produto baseado na desconfiança vaga de quem o produziu. Todas as três afirmações podem ser verdadeiras, mas não devido à argumentação que apresentam. A afirmação sobre geocentrismo parte de uma premissa verdadeira, a origem das expressões, mas desconsidera que as palavras ganharam novo significado com o novo entendimento da astronomia.

Inconsistência

A inconsistência consiste na aplicação de um critério ou regra para apenas alguns membros de alguma classe, deixando indevidamente outros de fora.

Exemplo:
  • “Somos a favor de uma regulamentação forte sobre o uso e comercialização de medicamentos, mas pela liberação da venda indiscriminada de fitoterápicos e complementos alimentares”.
  • “A Bíblia é um livro que só contém verdades e os cientistas são pessoas iludidas por sua própria vaidade. De fato muitos cientistas mostraram que o dilúvio de Noé realmente aconteceu”.

Afirmação do consequente

Teofrasto

Na lógica formal se usa a expressão modo de afirmar (modus ponens) com o seguinte significado: supondo que A implica C (ou seja, sempre que A é verdade C também é) então basta mostrar a veracidade de A para concluir a de C. A é chamado de antecedente, C o consequente. Essa é uma regra de inferência, já citada pelo pensador grego Teofrasto.

Exemplos:
  • Premissa: Se A então C:
    A: Se você tem uma senha válida,
    C: você pode entrar na rede de computadores
    Se sabemos que a premissa A é verdadeira podemos concluir que C é verdadeiro:
    A: Você tem uma senha válida,:
    C: logo pode entrar na rede de computadores.
  • “Uma pessoa nascida no Canadá é canadense.”
    “Bela nasceu em Ontário logo ela é canadense.”

A falácia da afirmação do consequente inverte, erroneamente, a lógica do modus ponens. Ele promove uma inversão da relação de causa e efeito, afirmando que algo é causado por sua própria consequência.

Exemplos:
  • “Carlos é canadense logo ele nasceu no Canadá.”
  • “Dario entrou na rede de computadores, logo ele possui senha válida.”
  • “Pessoas que frequentam bons cursos universitários se tornam cultas. Erasmus é culto, logo cursou boa universidade.”

No primeiro caso é possível que Carlos tenha nascido em outro país e se naturalizado canadense. E a rede de computadores pode permitir o acesso de usuários “convidados”, sem necessidade de senha. Erasmus pode ser um autodidata.

Ladeira escorregadia

A ladeira escorregadia (“slipery slope”, em inglês) é conhecida também como “bola de neve”. Esta falácia busca refutar uma proposta sob a argumentação de que sua aceitação produziria uma sequência de eventos indesejáveis. Aqui também, pode ser correto dizer que existe uma certa chance de que os eventos possam ser produzidos, mas a argumentação falaciosa não oferece prova de que eles são inevitáveis, como se tenta fazer parecer. É frequente que essa argumentação esteja associada ao medo, estando relacionada a outras falácias como o apelo ao medo, falso dilema e argumento a partir das consequências.

Em outras palavras ela afirma que se uma posição for aceita como verdadeira necessariamente posições muito extremas e radicais terão que ser igualmente aceitas.

Exemplos:
  • “Não permite que seu filho jogue video-games violentos. Isso vai torná-lo antissocial, irritadiço e tendente a partir para uma vida de criminalidade”.
  • “O acesso à internet não pode ser livre. Com ele as pessoas frequentam sites pornográficos, o que deteriora a moralidade social e nos leva a um comportamento de meros animais”.
  • “O rock (música) ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo.”

Nenhum dos argumentos apresenta evidências de que existem relações entre as premissas e as conclusões. Argumentos desse tipo muitas vezes estão carregados de premissas ocultas, algumas delas sobre temas que nem o afirmador gostaria de revelar publicamente.

Apelo à popularidade

O apelo à popularidade, ou apelo ao povo (argumentum ad populum), visa mostrar que algo é verdadeiro apenas porque muitas pessoas o aceitam como tal. Ele se baseia na crença comum de que algo aceito pela maioria deve ser verdade ou correto.

Exemplos:
  • “Todo mundo diz que não há problema em mentir, desde que você não seja pego.”
  • “Pode ser contra a lei beber quando você tem 18 anos mas todo mundo faz isso. Então está tudo bem.”
  • “25% da população acredita que o aquecimento global é uma farsa. Logo deve haver alguma verdade nisso!”
  • Dietas de baixo carboidrato devem ser saudáveis pois todos os meus amigos estão fazendo, com sucesso!”
Galileu Galilei

Vários exemplos interessantes podem ser encontrados na história da ciência. Quando Galileu Galilei, com base em suas observações e estudo da obra de Copérnico, concluiu que a Terra girava em torno do Sol ele foi ridicularizado porque era crença comum, mesmo entre as pessoas cultas da época, que todos os astros giravam em torno de nosso planeta. O mesmo ocorreu quando ele viu manchas no Sol, algo impossível para o pensamento da época que considerava a substância celeste como imaculada.

O médico australiano Barry Marshall concluiu que as bactérias H. pylori poderiam causar úlceras estomacais em pessoas infectadas. A comunidade científica rejeitou totalmente a ideia que destoava do pensamento estabelecido na época. Para que seus colegas considerassem seu argumento, em 1984 Marshall se inoculou com essas bactérias provocando úlceras em si mesmo e se curando depois com antibióticos.

O ambiente de publicidade usa a técnica de convencer as pessoas a usar um produto fazendo-as crer (ou perceber) que muitas outras pessoas já o fazem. Independentemente de ser um bom produto ou não a argumentação é falaciosa. Um exemplo é vender um sabonete sob a alegação de que os artistas usam esse produto. Também os políticos se aproveitam de popularidade para serem eleitos e, depois, para impulsionar suas campanhas. É o que faz com que tantas pessoas da mídia, apresentadores de televisão, radialistas, etc., sejam eleitos com tanta frequência. Não é impossível que um apresentador de televisão famoso possa ser um político mas sua fama, apenas, não é suficiente para estabelecer essa afirmação.

Beatles e Stones
Exemplo do argumento sendo usado de forma reversa:
  • Todo mundo ama os Beatles e isso significa, provavelmente, que eles não eram tão talentosos quanto os Rolling Stones, que não se esforçaram tanto para agradar ao grande público.

Raciocínio circular

No raciocínio circular as premissas são tomadas diretamente como sendo a conclusão. Essa conclusão pode ser apenas uma repetição das premissas, ditas em outras palavras. A afirmação, se A é verdade então A, é óbvia mas não acrescenta nada. Em alguns casos podem existir premissas não declaradas, o que torna a falácia mais difícil de ser detectada. Essas premissas podem ter sido consideradas conceitos fundamentais ou de domínio de todos, ou estarem omitidas por má fé de quem faz a afirmação.

Exemplo:
  • “Você está completamente equivocado, pois o que falou não faz o menor sentido.”
  • “Deus existe pois a Bíblia afirma isso. A Bíblia tem autoridade porque foi inspirada por Deus”.

No primeiro caso as duas afirmações significam a mesma coisa. No segundo o argumento é inteiramente inválido pois, para quem não acredita em Deus, ele não pode ter escrito ou inspirado os autores da Bíblia.

Argumentos circulares muitas vezes apenas afirmam tautologias, que são argumentos que devem ser verdadeiros em qualquer leitura que deles se faça, ou seja, a conclusão é a própria premissa. Em alguns casos a conclusão é expressa de modo diferente da premissa, o que é uma estratégia para dissimular a falácia.

Exemplo:
  • “Terapias de imposição de mãos são eficazes porque manipulam a força vital do paciente”.

A definição de “terapia de imposição de mãos” está exatamente na alegada possibilidade de manipulação de uma “força vital”, sem contato físico com o paciente. Para mostrar que tais terapias são eficazes seria necessário apresentar outras provas que não a definição do termo, entre elas a existência da chamada “força vital”.

Petição de princípio

A petição de princípio (petitio principii), algumas vezes chamada de “implorando pela pergunta” (ou begging the question, em ingles) é similar ao raciocínio circular. Esta falácia é a tentativa de inserir a conclusão dentro da premissa, em geral de forma insidiosa e pouco clara. Ela pode aparecer na forma de perguntas que, em si mesmas, já carregam a conclusão desejada. Ela difere do raciocínio circular pois a pergunta ou premissa não precisa ser necessariamente idêntica à conclusão desejada.

Exemplos:
  • “Você já parou de usar drogas?”
  • “Por que os cientistas temem as afirmações dos religiosos?”

A primeira pergunta afirma que a pessoa usava drogas. A segunda supõe que tal temor existe.

Falsa analogia

A consideração de coisas análogas pode ser útil para o entendimento de algo desconhecido, pelo menos em princípio. O organismo de ratos reage de forma análoga ao humano. Teste de medicamentos em ratos podem sugerir efeitos importantes que uma pessoa teria ao usar o mesmo medicamento. Esses efeitos devem ser depois testados em pessoas antes que seja colocado para uso comum.

Um argumento baseado em falsa analogia supõe similaridade entre coisas, pessoas ou situações que não são similares. Ou, pelo menos, não são similares da forma proposta.

Exemplo:
  • “A probabilidade de que um organismo complexo se desenvolva ao acaso é idêntica a de que um tornado passando por um ferro-velho crie um avião”.

Não existe similaridade entre os processos. A evolução não funciona ao acaso, como se costuma afirmar. Ela é o resultado de transformações aleatórias (essa parte ocorre por acaso!) filtradas pela seleção natural. Ela é a acumulação, ao longo de muito tempo, de transformações favoráveis, no sentido de favorecer a preservação e multiplicação dos organismos.

Outra forma de se usar falsas analogias consiste em tomar coisas que são realmente análogas, mas não no aspecto considerado no debate.

Composição e divisão

A composição e divisão são dois tipos de falácias assemelhados. A falácia da composição ocorre quando alguém afirma que um conjunto inteiro de elementos têm um atributo, partindo do conhecimento que alguns elementos do conjunto tem esse atributo. Ou seja, quando se julga o todo por suas partes.

Exemplo:
  • “Em um curral repleto de bois sabemos que cada boi tem (ou teve) uma mãe. Logo todos os bois do curral têm a mesma mãe”.
  • “Cada módulo desse software foi submetido a testes e passou em todos. Portanto podemos integrar os os módulos em um software final, sabendo que ele também passará nos testes”.

Quando as partes de um software (por ex.) são juntadas para formar um sistema, um outro nível de complexidade é criado apresentando novas propriedades e possíveis erros.

O oposto acontece na falácia da divisão, quando se infere que as partes devem ter um atributo que pertence ao todo.

Exemplo:
  • “Esse é um excelente time de futebol. Logo todos os seus jogadores são ótimos”.

Claro que existem ótimos times onde todos os jogadores são bons. Mas também pode ocorrer que as habilidades de cada um deles, combinadas com as de seus colegas, tornem o time de excelência sem que cada jogador particularmente seja tão bom.

O tema é bastante difícil. Um sistema muito complexo pode ser (e geralmente é) composto por grande número de partes simples. A simplicidade das partes não pode ser usada para argumentar pela simplicidade do conjunto inteiro.

Alegação especial

Alegação especial (raciocínio ad-hoc) consiste na introdução arbitrária de novo elementos na argumentação de forma a torná-la válida.

Exemplo:
  • A: “A percepção extrassensorial não foi demonstrada em nenhum experimento controlado”.
    B: “Percepção extrassensorial não funciona na presença de céticos”.

Uma forma de alegação especial é a falácia seguinte.

O Objetivo móvel


O Objetivo Móvel é um método de negação que altera arbitrariamente os critérios exigidos para uma prova. Ele usa a exigência da exibição de evidências que estão além do alcance. Caso novas evidências surjam, atendendo aos critérios anteriores, a meta é empurrada para mais longe de modo a ficar sempre inalcansável. Em alguns casos, critérios impossíveis são exigidos logo no início, movendo a meta definitivamente para fora do alcance da argumentação.

Exemplo:
  • A: “É impossível ir até a Antártica pois existem guardas armados que impedem o acesso”.
    B: “Muitas pessoas já foram à Antártica”.
    A: “Mas só alcançaram as bordas, sem nunca ultrapassá-las”.
    B: “Existem voos do Chile até a Austrália que cruzam o polo Sul”.
    A: “Todas essas pessoas estão mentindo. Todas fazem parte de uma conspiração global para que acreditemos na terra redonda”.
  • Uma pessoa se diz contra o uso de vacinas pois ouviu dizer que elas contêm mercúrio que causaria autismo. Então ela é informada que o mercúrio deixou de ser usado em vacinas mas a incidência do autismo não se alterou. A pessoa então afirma que outro produto na vacina é o causador do autismo. A recusa à vacinação tem causado problemas sérios nas comunidades, inclusive com o retorno de doenças contagiosas consideradas derrotadas.
  • Defensores da terra plana são fonte farta de exemplos de falácias generalizadas, em particular o objetivo móvel. Quando confrontadas com imagens em tempo real feita pela ISS (Estação Espacial Internacional) elas alegam efeitos de distorção das lentes. Imagens do planeta tiradas de fora da atmosfera são tidas como montagens que corroboram sua crença em um complô mundial.


Algo parecido ocorre com aqueles que se recusam a aceitar que o programa espacial levou pessoas até a Lua. Eles possuem um número de argumentos que são mantidos, independente das explicações dadas aos seus questionamentos. Observe que não é fácil alguém demonstrar de forma final que o programa Apolo existiu e foi bem sucedido3 (exceto se você tiver acesso à documentação da NASA ou um laser e souber direcioná-lo para o espelho deixado na Lua pela Apolo 11). Negar isso, no entanto, implica em aceitar uma conspiração entre todas as agências espaciais, cientistas da área, jornalistas, autoridades, etc.


(3) Em julho de 1969 a Apolo 11 levou três astronautas até a superfície da Lua. Eles colheram material do solo lunar e deixaram lá alguns objetos, entre eles um espelho que reflete raios lasers emitidos da Terra. Várias novas descobertas decorreram do experimento, entre elas:

  • A distância da Terra à Lua pode ser medida com precisão milimétrica.
  • A Lua está se afastando da Terra em uma taxa de 3,8 cm/ano.
  • A Lua provavelmente tem núcleo líquido ocupando cerca de 20% de seu raio.
  • A força da gravidade universal é muito estável.
  • A Teoria da Gravitação de Einstein faz predições corretas sobre a órbita da Lua.

Na foto o “Experimento de Alcance de Laser”, espelho deixado na Lua pela Apolo 11.

Definições

Argumento é um conjunto de proposições que buscam concluir alguma coisa ou persuadir outra pessoa por meio do debate. Proposições, ou afirmações, podem ser verdadeiras ou falsas.

Premissas são afirmação usadas como base de um raciocínio ou argumento.

Conclusões são afirmações que decorrem logicamente das premissas.

Uma argumentação correta, ou o debate, é a forma de partir de premissas e obter uma conclusão que logicamente decorre delas. Premissas falsas levarão à conclusões falsas.

Falseabilidade é uma característica de uma proposição que permite que ela seja refutada (desmentida), por meio de raciocínio, uma observação ou um experimento.

Cientificamente hipóteses são argumentações, em geral complexas, que podem ser falseadas. Se as tentativas de falsear a hipótese não forem bem sucedidas ela adquire o status de teoria. Uma afirmação que não é falseável não é uma afirmação científica.

Exemplo:
  • “Existe um universo paralelo que não interage com o nosso de nenhuma maneira”.
  • “A alma humana não pode ser detectada por nenhum instrumento, por mais sensível que seja”.

Nenhuma das duas afirmações são falseáveis.

Falácias lógicas são erros no raciocínio usado para fazer a transição de uma proposição para outra e resultam em um argumento falho. Isso ocorre quando conclusões são obtidas através de premissas que não justificam aquele resultado. Falácias violam princípios lógicos e as regras que norteiam um bom argumento. No entanto é possível que uma conclusão esteja correta mesmo que obtida por meio de falácias. Elas são, portanto, indicações ou alertas para erros. Para uma boa conduta de raciocínio ou debate as falácias lógicas devem ser evitadas.

Hoje é comum se ver discussões (veja por exemplo as seções de comentários na internet) onde uma afirmação é descartada porque o afirmador não fez uma boa defesa de sua afirmação. Não é raro se ver um leigo explicando de forma fraca ou incorreta um aspecto técnico ou científico.

Um argumento dedutivo é uma forma de extrair conclusões corretas de premissas corretas. A conclusão decorre das premissas, como consequência lógica.

Exemplo:
  • “Todos os homens são mortais. Sócrates é um homem, logo Sócrates é mortal.”
Aristóteles

Um argumento dedutivo é válido se não existem falhas lógicas que partem das premissas para alcançar a conclusão. Um argumento é inválido se isso não ocorrer. Um argumento dedutivo é sólido se for válido e suas premissas verdadeiras. Em princípio se busca estabelecer a verdade verificando que as premissas estão corretas e as conclusões decorrem logicamente delas.

Um argumento indutivo é uma forma de coletar evidências parciais para compor uma hipótese mais ampla. Ao contrário do pensamento dedutivo, que fornece resultados verdadeiros (se o processo for logicamente correto), o resultado da indução tem uma probabilidade de estar correto, dependendo do número de evidências coletadas. Quanto melhor se escolher os resultados que nos fornecem evidências para uma conclusão indutiva, mais confiável é essa conclusão.

Exemplos:
  • “Em uma pesquisa eleitoral é impossível coletar a intenção de voto de todos os eleitores. Por isso se entrevista parte deles e se induz qual seria o resultado das urnas”.
  • “Todas as medições feitas até hoje da velocidade da luz no vácuo (geralmente denotada pela letra \(c\)) resultam em \(c = 3×10^8 m/s\). Dai se conclui que essa é uma constante universal”.

Para as pesquisas eleitorais existem técnicas sofisticadas de escolha da amostra (os votos verificados) que melhor representam a população (todos os votos). Quanto melhor for essa escolha menor a faixa de erro envolvida. Quanto à velocidade da luz, não temos como saber se ela é a mesma em um ponto muito distante do universo ou em algum tempo remoto no passado. Uma única medida não compatível bastará para entendermos que essa não é uma quantidade universal.

Na ciência o raciocínio indutivo é geralmente usado na construção dos modelos que são testados e depois se tornam teorias. Um único fato discordante põe por terra toda a teoria.

Teorias científicas devem ter poder explicativo (explicar os fatos já observados) e poder preditivo (a capacidade de prever ocorrências de coisas nunca vistas). A teoria da evolução, por exemplo, prevê que ancestrais comuns devem ser encontrados para quaisquer dois seres vivos na atualidade. Esses ancestrais são encontrados em abundância no registro fóssil.

Exemplo:
  • É possível verificar a idade de fósseis por vários meios. Se um único fóssil for encontrado em uma camada geológica com data diferente da data medida por outros meios, como a datação por carbono 14, a teoria da evolução poderia ser questionada.
  • Se um único objeto com massa de repouso não nula for encontrado com velocidade superior à da luz a teoria da relatividade ficaria questionada.

Redução ao absurdo

Redução ao absurdo (reductio ad absurdum) é uma argumentação válida da lógica formal. Ela assume a seguinte forma: para demonstrar que uma premissa é falsa se supõe provisoriamente que ela seja verdadeira. Em seguida se mostra que essa suposição conduz a conclusão absurda (claramente falsa) ou contraditória com a própria premissa. Se a contradição é derivada de várias premissas se pode concluir que menos uma delas é falsa.

Exemplo:
  • Na matemática essa técnica é bastante usada. Aristóteles em Analytica Priora apresentou a prova de que a raiz quadrada de 2 é um número irracional (não pode ser escrito como uma fração). Para isso ele supôs que esse número pudesse ser expresso como um racional a/b irredutível e concluiu que tanto a como b devem ser par, o que contraria a afirmação de que a fração é irredutível (não pode ser simplificada). Essa demonstração foi muito importante para o pensamento grego porque se julgava que todo número deveria ser um racional.

A navalha de Occam

Occam

A navalha de Occam é um dos princípios básicos norteadores do pensamento lógico, considerado auto-evidente e sem necessidade de demonstração. Ela afirma que entre várias hipóteses formuladas para explicar evidências observadas a mais simples deve ser preferida. A proposta do princípio por William de Occam (1285-1347), monge e filósofo inglês, era um pouco diferente da que usamos hoje e era em princípio usada como argumento teológico.

Exemplo:
  • Imagine que você chega em casa e encontra tudo desarrumado. Gavetas e portas de armários estão abertas e seu conteúdo espalhado pelo chão. Antes de qualquer perícia alguém sugere três hipóteses para explicar o sucedido.
    1. Um ladrão entrou em sua casa para roubar.
    2. Alienígenas do espaço sideral vieram estudar o comportamento humano.
    3. Almas de pessoas já falecidas vieram cumprir algum plano de vingança pessoal.

    Mesmo que se aceite as três hipóteses como possíveis é mais sensato considerar a primeira delas como válida, exceto se provas extraordinárias sugerirem as demais.

Occam não foi o primeiro usar o princípio o princípio da parcimônia. Aristóteles no século 4 a.C. já afirmava coisa semelhante. Em seu livro Análise Posterior: “Podemos supor a superioridade de uma demonstração que é derivada de um número menor de hipóteses.” Mais tarde Ptolomeu afirmou que “consideramos um bom princípio explicar os fenômenos com as hipóteses mais simples possíveis”.

Bibliografia

  • Almossawi, Ali: An illustrated book of bad arguments, The Experiment, New York, 2013.
  • Site Filosofia na Escola A Falácia do espantalho acessado em abril 2020.
  • Crian D., Shatil S., Mayblin B.: Introducing Logic, a graphical guide, Icon Books, London, 2013.
  • New England Skeptics Society’s; Skeptics’ Guide To The Universe: Logical Fallacies, acessado em maio 2020.
  • Steven Novella: How to Argue, março de 2009, acessado em maio 2020.
  • Downes, Stephen: Guia das falácias (trad. Júlio Sameiro); Site Crítica, acessado em maio de 2020.